CARACAS - O ministro de Comunicação da Venezuela, Jorge Rodríguez, anunciou neste domingo, 19, a abertura de 300 franquias de casas de câmbio para que os venezuelanos possam realizar “livremente” a troca de divisas apesar de ainda não ter sido suspenso o controle de câmbio vigente desde 2003.
O anúncio foi feito um dia antes da conversão monetária, na qual o presidente Nicolás Maduro pretende cortar cinco zeros do bolívar – uma desvalorização de 96% – para tentar recuperar a situação econômica do país, cuja inflação deve chegar a 1.000.000% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A desvalorização é a maior da história do país, segundo o grupo de pesquisas Síntesis Financiera.
“Serão abertas 300 franquias de casas de câmbio em hotéis, aeroportos, shoppings, para que qualquer pessoa, com base no câmbio do dia, derivado dos leilões” que serão realizados pelo Banco Central da Venezuela (BCV) através do chamado sistema Dicom, possa trocar divisas, disse Rodríguez em entrevista coletiva. Ele explicou que as pessoas que “quiserem enviar divisas a seus parentes” na Venezuela poderão fazer por meio destas 300 franquias.
O ministro não informou a data na qual as casas de câmbio serão abertas, mas indicou que “o preço da moeda será calculado com base no leilão do dia e no preço do petro”, a criptomoeda venezuelana.
Rodríguez afirmou que com isso não haverá um “mercado paralelo”, pois “vai ser estabelecido um câmbio único flutuante com base nos leilões” que serão realizados, a princípio, três vezes por semana. O BCV informará, além disso, o preço do petro, do euro, da rupia e do iuane.
O anúncio foi feito um dia após Maduro anunciar novas medidas econômicas entre as quais o aumento da frequência nos leilões de divisas e a vontade de estabelecer uma só taxa de câmbio. Nessa nova etapa, o dólar dos leilões funcionará “com absoluta disciplina cambial”, assegurou Maduro. Ele disse que aposta por “jogar claro, duro e direto no sistema cambial venezuelano para ter uma só taxa de câmbio definitivamente e matar o dólar criminoso”.
Maduro disse que a taxa de câmbio única e a nova moeda “bolívar soberano” serão atreladas à criptomoeda petro de seu governo, medida que, segundo economistas, estimularia a hiperinflação no país. O governo da Venezuela está em default de uma dívida de US$ 6 bilhões, enquanto as exportações recuam por causa da queda na produção de petróleo.
Reveja: incerteza na gasolina
Em uma das maiores reformas econômicas do governo de cinco anos de Maduro, o ex-motorista de ônibus e líder sindical também afirmou que aumentará o salário mínimo em 3.000%, elevará a taxa de imposto corporativo e aumentará os preços do combustível nas próximas semanas – só comprará gasolina subsidiada os que tiverem o chamado “carnê cidadão”. “Eu quero que o país se recupere e eu tenho a fórmula. Confiem em mim”, disse Maduro.
Segundo o presidente, cada petro – equivalente a US$ 60 em barril de petróleo venezuelano – valerá 3.600 bolívares soberanos, ou 360 milhões dos atuais bolívares, o que implica uma nova taxa de câmbio de referência bem acima da atual que pode acelerar ainda mais a hiperinflação.
Dúvidas
Economistas têm dúvida de que o governo sem dinheiro da Venezuela, que enfrenta sanções dos Estados Unidos, será bem-sucedido. Os venezuelanos verão seus escassos salários ainda mais reduzidos e as companhias lutarão com os aumentos de impostos e do salário mínimo, disseram.
“Em meio a essa desvalorização agressiva e aumentos monetários em razão dos salários e bônus, estamos esperando um estágio muito mais agressivo de hiperinflação. Ainda mais em um contexto no qual a eliminação da impressão excessiva de dinheiro não é confiável”, disse o economista venezuelano Asdrubal Oliveros, da consultoria Ecoanalitica.
Para especialistas, Maduro deveria abordar problemas econômicos centrais, como a queda da produção de petróleo. O economista da Universidade Johns Hopkins Steve Hanke compara as mudanças a uma “plástica superficial”.
Após uma década de bonança pelo petróleo, que causou um boom de consumo no país membro da Opep, muitos cidadãos pobres agora estão sem comida e medicamentos, enquanto os salários mensais se resumem a alguns poucos dólares por mês. Centenas de milhares de venezuelanos imigraram para outros países da América do Sul em uma das piores crises de migração da região.
Reveja: venezuelanos com HIV protestam por medicamentos
“Campeões mundiais em desastres econômicos!”, disse o líder da oposição, Henrique Capriles, em seu Twitter após o anúncio de Maduro. “Nenhum venezuelano merece viver essa tragédia ou que essas pessoas incapazes destruam nossa nação!”
O principal sindicato patronal da Venezuela, a Fedecámaras, disse que percebe entre comerciantes e empresários um clima de “grande incerteza” sobre a conversão monetária. Para a entidade, o processo foi feito de forma apressada. O anúncio da reconversão causou sinais de pânico e ceticismo, com as pessoas correndo para os mercados, para estocar alimentos, e postos de gasolina.
Os líderes de oposição estão aproveitando a inquietude da população para convocar um protesto nacional para terça-feira. “Será uma greve geral de 24 horas”, disse o ex-líder sindicalista Andrés Velásquez. “As medidas não são nenhum plano de recuperação econômica, pelo contrário, representarão mais fome e mais pobreza.”
Para entender: o que vale é o dólar na mão
Cada vez mais, a linha entre a sobrevivência e a fome na Venezuela é determinada não por se ter um emprego ou educação, mas por algo mais: o acesso a dólares americanos. Há muito tempo condenado como símbolo do imperialismo pelo presidente Nicolás Maduro, as “verdinhas” americanas agora reinam em um país quebrado pela má administração, corrupção e anos de políticas socialistas fracassadas. A importância do dólar subiu à medida que a moeda local, o bolívar, se tornou praticamente inútil.
Recentemente, o preço de uma dúzia de ovos chegou a 2,6 milhões de bolívares – equivalente a duas semanas de um salário mínimo. Mas para um venezuelano que pode trocar dólares à taxa do mercado negro, esses mesmos ovos são uma barganha relativa, custando US$ 0,60. Acredita-se que apenas um terço dos venezuelanos tem acesso regular a moedas estrangeiras, principalmente por meio de remessas ou salários pagos em dólares. / REUTERS, AFP, EFE e AP
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