Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, estão se reunindo nesta quinta-feira, 14, em um encontro que, segundo analistas, ajudará a reduzir as tensões, mas que terá pouco impacto para a resolução da antiga controvérsia territorial entre os dois países.
“Venho buscar pela única via que existe, a via do diálogo e da negociação, soluções efetivas”, disse Maduro à imprensa depois de ser recebido pelo primeiro-ministro do país anfitrião do encontro, Ralph Gonsalves.
O encontro em São Vicente e Granadinas é promovido pela Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos Caribe (CELAC) e pela Comunidade do Caribe (CARICOM), que expressaram preocupação com as declarações cada vez mais duras entre os dois governantes sobre Essequibo, uma área de 160.000 quilômetros quadrados rica em petróleo e em recursos naturais que é administrada por Georgetown e reivindicada por Caracas.
As tensões estão altas desde que o regime de Maduro anunciou que faria um plebiscito para a anexação da região de Essequibo, que pertence ao país vizinho. No dia 3 de dezembro, os venezuelanos aprovaram a anexação do território de quase 160 mil quilômetros quadrados com 95% dos votos, apesar do baixo quórum no dia da votação. Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, 10,5 milhões de pessoas compareceram de uma população eleitoral de 20,7 milhões.
Georgetown avalia que a posição de Caracas é uma ameaça direta a soberania de seu país. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, apontou que tem buscado os aliados para assegurar a defesa da região no “pior cenário possível”, referindo-se a um conflito armado entre ambos países. As Forças Militares dos EUA conduziram exercícios militares de rotina com as Forças de Defesa da Guiana (GDF, na sigla em ingles) na região de Essequibo na semana passada.
Posições
A reunião terá posições antagônicas: Maduro comemorou o encontro desta quinta-feira como “uma grande conquista para abordar de maneira direta a controvérsia territorial”, enquanto Ali negou que a disputa esteja na agenda e insistiu que deve ser resolvida na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que não tem a jurisdição reconhecida pelo governo venezuelano.
“Acredito que não vai sair nada substancial em termos de reivindicação territorial, porque a posição da Guiana é que não há conversações bilaterais sobre o tema, porque isso está na Corte Internacional de Justiça”, declarou à AFP Sadio Garavini di Turno, ex-embaixador da Venezuela no país caribenho.
“Os intermediários provavelmente terão que buscar algo para que Maduro não saia do encontro sem nada”, acrescentou Garavini di Turno, que considera “factível” uma declaração “na qual afirmem que vão diminuir a escalada, que vão continuar conversando para reduzir as tensões”.
Na terça-feira, 12, Ali apontou que a reunião com Maduro tem como objetivo diminuir a tensão entre os dois países, mas não negociar a soberania de Essequibo. “Tenho um mandato da Assembleia Nacional da Guiana, que é unânime em sua decisão de que a fronteira terrestre não é uma questão para discussões bilaterais e a resolução do assunto está nas mãos da Corte Internacional de Justiça (CIJ)”, disse Ali em carta enviada na segunda-feira, 11, ao primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves. Na mensagem, ele prometeu respeitar a decisão da CIJ.
Histórico
A disputa pelo território é centenária e ocorre desde antes da independência dos dois países. Após declarar independência da Espanha, em 1811, a Venezuela avançou em direção ao rio. Acontece que, três anos depois, o Reino Unido assumiu o controle do que hoje é Guiana, em um acordo com a Holanda. A definição das fronteiras ficou em aberto e a coroa Britânica abocanhou o território em disputa.
Nas décadas seguintes, a Venezuela passou a disputar a fronteira e recorreu à ajuda dos Estados Unidos, algo que hoje seria impensável. A saída diplomática veio em 1899, quando foi convocado um tribunal composto por dois americanos (indicados pela Venezuela), dois britânicos e um russo para o desempate. Ficou decidido que o território pertencia a então Guiana inglesa.
Cinco décadas mais tarde, a Venezuela voltou a contestar o território alegando que o juiz russo fez parte de um complô com os britânicos. A discussão se arrastou até 1966, quando um acordo firmado em Genebra, meses antes da independência da Guiana, abriu o caminho para uma solução negociada, mas nunca houve consenso.
Petróleo
Apesar da disputa histórica, o conflito voltou aos holofotes em 2015, depois que a empresa petrolífera americana ExxonMobil descobriu grandes reservas de petróleo bruto na área reivindicada. . A ex-colônia britânica possui cerca de 11 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo bruto, ou cerca de 0,6% do total mundial. A produção começou três anos atrás e agora está aumentando o ritmo.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país cresceu 62% no ano passado e deverá somar mais 37% este ano. Essa é a taxa de crescimento mais rápida em qualquer lugar do mundo.
A situação do país vizinho é bem diferente, com o sucateamento da empresa estatal venezuelana de petróleo PDVSA, devido a diversos casos de corrupção e mau gerenciamento. A capacidade de produção de petróleo da Venezuela caiu de 3.4 milhões de barris para apenas 700,000 por dia.
Saiba mais
A habitual retórica do governo venezuelano acusa o presidente da Guiana de ser “um escravo” da ExxonMobil.
Garavini di Turno destacou que a Venezuela “curiosamente” evita mencionar as outras grandes empresas com participação na maior concessão atribuída pela Guiana na região, a do bloco Stabroek, como os casos da China National Petroleum Corporation e da também americana Chevron, duas empresas que operam no país, alvo de sanções de Washington.
Na segunda-feira, o chanceler venezuelano, Yván Gil, citou a possibilidade e uma “cooperação de petróleo e gás” e recordou os acordos da Petrocaribe, com os quais a Venezuela fornece petróleo a preços preferenciais a países caribenhos, e convênios de gás com Trinidad e Tobago, que chamou de “exemplos concretos” que podem servir de base para futuros acordos com a Guiana. A Venezuela acusa a Guiana de atribuir concessões em águas marítimas que ainda devem ser delimitadas./AFP
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