Venezuela permite a empresas privadas administrar companhias estatais de alimentos

Governo Maduro mantém propriedade de empresas de alimentos, mas licencia operações a terceiros em troca de pagamento, um recuo das políticas de Chávez

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Por Mayela Armas/Reuters
Atualização:

CARACAS — O governo da Venezuela está permitindo que empresas privadas administrem pelo menos 13 companhias de alimentos que foram nacionalizadas há uma década, segundo mais de dez pessoas cientes da situação, em uma tentativa de melhorar as operações que sofreram sob a gestão do Estado.

O governo do presidente Nicolás Maduro manteve a propriedade de empresas em dificuldades que produzem alimentos que vão desde farinha de milho e laticínios a atum em lata e sementes, mas licenciou as operações a terceiros em troca de pagamento, de acordo com fontes e documentos consultados pela Reuters.

Um trabalhador após participar de um protesto ao lado de colegas do lado de fora da usina de açúcar estatal Pio Tamayo, em El Tocuyo. Foto: REUTERS/Keren Torres

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Este é o mais novo exemplo de como Maduro reverteu elementos-chave do modelo econômico estatal de seu antecessor Hugo Chávez, como parte da liberalização econômica que começou em 2019 em resposta às sanções americanas e a um colapso econômico. No entanto, parece improvável que a mudança impacte drasticamente a produtividade agrícola após uma década de pouco investimento e uma economia quebrada por anos de hiperinflação, afirmaram economistas.

“Com a crise econômica, o modelo de gestão está sendo alterado para aumentar a receita ou reduzir os gastos do Estado”, disse o economista Richard Obuchi, diretor da consultoria local ODH. “O controle do governo está perdendo o significado.”

As operadoras privadas devem assumir os custos da folha de pagamento, financiar os investimentos e alocar parte de sua produção para programas estaduais de distribuição de alimentos, segundo explicaram as fontes.

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Uma das empresas agora sob administração privada é a Industria Venezolana Maicera Pronutricos, fabricante de farinha de milho que foi nacionalizada há 11 anos. Em 2021, suas operações foram arrendadas por cinco anos por uma empresa chamada Alimentos El Maizal pelo equivalente a cerca de US$ 16 mil por mês, segundo uma cópia do acordo vista pela Reuters.

Esses acordos são cobertos por uma "lei antibloqueio" que visa renovar a economia em resposta às sanções. A lei foi aprovada em 2020 pela Assembleia Constituinte, um órgão paralelo pró-governo que foi dissolvido em dezembro. Criado em 2017, o órgão assumiu poderes para formular e aprovar leis ordinárias e teve sua legitimidade questionada desde o início porque Maduro o convocou sem referendo prévio, tomando ações consideradas inconstitucionais pela oposição.

As autoridades do país descrevem os acordos como um aluguel de instalações industriais ou, às vezes, como "alianças estratégicas".

“As alianças estratégicas são criadas para que [empresas privadas] sejam as encarregadas da gestão das [empresas estatais]”, disse em entrevista Rafael Calles, governador do estado agrícola da Portuguesa. “Nenhuma dessas alianças envolve venda de ações. A empresa continua nas mãos do Estado.”

Segundo ele, o estado da Portuguesa recebe cerca de US$ 60 mil por mês de empresas que operam companhias nacionalizadas, o que é somado aos recursos para pagar a compra de bombas d'água e transformadores elétricos.

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Procurados, o Ministério da Informação, o Ministério da Agricultura, a Industria Venezolana Maicera Pronutricos e a Alimentos El Maizal não se manifestaram.

Em 2007, Chávez deu início a um grande processo de nacionalização de empresas que colocou centenas de companhias sob controle estatal em setores descritos como "estratégicos" — indo desde operações da indústria petrolífera a empresas agrícolas e companhias de processamento de alimentos.

Essas firmas sofreram com a corrupção desenfreada e também com controles de preços que diminuíram a receita, muitas vezes deixando-as dependentes de financiamento governamental. Por outro lado, o esquema de terceirização não quer dizer sucesso obrigatoriamente.

A Agropatria, que vende sementes e insumos agrícolas, instalou escritórios em dois estados sob gestão privada, de acordo com duas fontes, que disseram que a empresa ainda luta para entregar os produtos de que os agricultores precisam. Procurada, a Agropatria não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.

Quatro fábricas de açúcar localizadas no coração agrícola — parte de um grupo de 10 nacionalizadas na era Chávez — permanecem ociosas, apesar de terem suas operações contratadas por empresas privadas.

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Uma delas é a usina Pio Tamayo, administrada por uma empresa chamada Consorcio Veinca desde o primeiro trimestre de 2021. Seus trabalhadores reclamam da paralisação das operações e do atraso no pagamento de salários.

“Eles iam investir nas instalações e na matéria-prima, o que não aconteceu”, disse o funcionário Noel Quetel em entrevista. Procurado, o Consorcio Veinca também não respondeu aos pedidos de comentários.

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