A Venezuela comunicou ao Brasil que vai revogar a custódia do País sobre a embaixada da Argentina, que abriga opositores à ditadura de Nicolás Maduro, em Caracas. O Itamaraty se disse surpreso com a decisão e afirmou que só deve deixar a representação quando um substituto for designado.
Opositores do chavismo denunciaram um cerco à embaixada por homens armados e encapuzados do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), além de cortes ao fornecimento de energia. Há seis asilados venezuelanos na embaixada, de acordo com o governo brasileiro.
Ao Estadão, uma fonte da oposição venezuelana, que pediu anonimato por questões de segurança, descreveu a situação é delicada e preocupante. Disse que o regime violou a convenção sobre asilo diplomático por não conceder salvo-conduto ao grupo abrigado na embaixada quando expulsou a missão diplomática argentina. E que esse é mais uma exemplo da tirania do chavismo.
Alguns dos principais assessores de María Corina Machado e Edmundo González estão abrigados no prédio há quase seis meses. Pelo direito internacional, as forças de segurança não podem entrar em embaixadas, consideradas invioláveis pelo Estatuto de Viena, que garante imunidade às representações diplomáticas.
O Itamaraty afirmou ao Estadão que há conversas em andamento, ao assegurar que vai continuar representando os interesses argentinos na Venezuela enquanto não houver um país substituo. Para o ministério das Relações Exteriores, não existe a hipóteses de vácuo.
Em nota divulgada na tarde deste sábado, 7, a pasta se disse surpresa com a decisão da Venezuela. “De acordo com o que estabelecem as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, o Brasil permanecerá com a custódia e a defesa dos interesses argentinos até que o governo argentino indique outro Estado aceitável para o governo venezuelano para exercer as referidas funções”, diz a manifestação.
O governo brasileiro ressaltou, na mesma nota, “a inviolabilidade das instalações da missão diplomática argentina, que atualmente abrigam seis asilados venezuelanos além de bens e arquivos.”
Apesar da troca pública de farpas entre os presidentes Lula e Javier Milei, o Brasil assumiu a proteção da embaixada de Buenos Aires em Caracas no mês passado, quando a Venezuela expulsou os embaixadores argentinos. O rompimento das relações foi uma retaliação da ditadura chavista aos países da região que criticaram a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada como fraude.
No caso argentino, a situação é ainda mais delicada por causa dos opositores abrigados na embaixada. Ao assumir a custódia da sede diplomática, o Brasil se comprometeu com a proteção dos asilados, além da integridade física do prédio e dos seus documentos internos.
Na época, os asilados vinham denunciando cerco à embaixada, com cortes no fornecimento de água e luz depois das eleições, que Edmundo González afirma ter vencido, com base nas cópias das atas, coletadas pela oposição e verificadas por pesquisadores independentes.
Para entender
Pressionada pela denúncia de fraude eleitoral, a ditadura da Venezuela intensificou a repressão aos críticos. Escondido, González é alvo de mandado de prisão por parte da Justiça, alinhada ao chavismo.
A escalada autoritária causou atritos na relação entre Brasil e Venezuela. Depois de tentar reabilitar Nicolás Maduro, o presidente Lula passou a fazer críticas inéditas, ainda que não o chame de ditador e adote tom mais brando que outros países da região, como a Argentina de Javier Milei e o Chile de Gabriel Boric.
O Brasil não reconhece o resultado da eleição, que condicionou à divulgação dos dados das urnas pelo Conselho Nacional Eleitoral — o que nunca aconteceu. Embora reconheça que o processo venezuelano não foi correto, o presidente Lula descartou romper relações com a Venezuela e disse que é contra a imposição de bloqueios unilaterais em entrevista à rádio Difusora Goiânia na sexta.
Durante a semana, no entanto, a Coluna do Estadão apontou que, segundo interlocutores do Itamaraty, a decisão não depende apenas do Brasil. Nicolás Maduro tende a promover rupturas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.