CARACAS - A votação para a Assembleia Constituinte na Venezuela neste domingo, 30, foi marcada por uma elevada abstenção, protestos e ao menos dez mortes. Poucas pessoas aguardavam para votar em centros de votação em redutos chavistas de Caracas, que em eleições anteriores registraram enormes filas, em um protesto silencioso dos venezuelanos contra os planos do presidente Nicolás Maduro de reescrever a Constituição.
O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), controlado pelo chavismo, anunciou na madrugada de hoje que 8.089.320 pessoas participaram da votação, 41,53% dos 19,5 milhões de eleitores. Normalmente, as eleições venezuelanas registram uma média de 70% de participação. A oposição, que boicotou a votação, qualificou o processo de fraudulento e assegurou que houve apenas 12% de participação. A oposição, disse que tinha observadores em todos os centros de votação e prometeu redobrar a resistência, convocando novas marchas contra a instalação da Constituinte.
Pesquisas de opinião indicam que 70% dos venezuelanos são contra a Assembleia Constituinte, que a oposição considera uma manobra de Maduro para se perpetuar no poder. A baixa participação prejudicaria a legitimidade da Constituinte. Mais de 7 milhões de pessoas participaram do plebiscito não oficial organizado no início do mês pela oposição e rejeitaram de forma esmagadora a proposta do governo.
Maduro, que tem sido hostilizado em eventos públicos recentes, foi o primeiro a depositar o que chamou de “voto pela paz” em um colégio da zona oeste de Caracas, ao lado de sua mulher, Cilia Flores. “Quis o imperador Donald Trump proibir o povo de exercer o direito ao voto (…) e eu disse chova ou faça sol haverá eleições e Assembleia Constituinte”, declarou.
Com tanques e bombas de gás lacrimogêneo, militares entraram de maneira violenta em algumas áreas de Caracas, Maracaibo (oeste) e Puerto Ordaz (leste), e avançaram contra manifestantes que bloquearam ruas com barricadas, apesar de o governo ter proibido protestos e ameaçado com penas de 5 a 10 anos de prisão. Foram detidas 96 pessoas e pelo menos dez morreram desde a madrugada, elevando a 119 o número de mortos relacionados direta ou indiretamente aos protestos contra Maduro, iniciados em 1.º de abril. Entre os mortos, estão dois jovens – de 17 e 13 anos – atingidos por disparos no Estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia.
Durante um protesto em Caracas, uma explosão deixou ao menos quatro agentes da Guarda Nacional Bolivariana feridos em uma avenida do Bairro de Altamira. O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, disse que “mais de 100 urnas foram destruídas” durante os protestos.
A oposição prometeu redobrar a resistência após a votação e convocou novas marchas contra a instalação da Constituinte. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou impor sanções econômicas mais amplas contra a Venezuela, sugerindo o aumento da crise no país rico em petróleo. Washington impôs na semana passada sanções a 13 funcionários do governo Maduro por seu envolvimento na repressão dos manifestantes, na convocação da Constituinte e em casos de corrupção.
Ao todo, 6.120 candidatos concorreram às 545 vagas da Assembleia Constituinte, boicotada pela coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), que denuncia o projeto de Maduro como uma “fraude” que acabará com a democracia na Venezuela.
O líder opositor Leopoldo López pediu neste domingo à comunidade internacional que rejeite a Assembleia Constituinte e alertou contra a “brutal repressão” aos protestos. “Faço um chamado aos democratas do mundo: que desconheçam essa fraudulenta Constituinte, como o fez o povo venezuelano”, disse no Twitter o opositor, que se encontra em prisão domiciliar.
O vice-presidente da Venezuela, Tareck El Aissami, celebrou a grande participação nas eleições para a Assembleia Constituinte. “Triunfou a paz, podemos dizer, triunfou a democracia. O povo saiu em massa para exercer este direito humano, este direito fundamental”, disse.
Diosdado Cabello, um dos líderes do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), afirmou que a participação foi recorde e disse que a Venezuela deu “um exemplo para o mundo”. Ele lembrou que a assembleia será instalada nos próximos dias e suas decisões deverão ser acatadas por todos os poderes, incluindo o Parlamento, de maioria opositora.
Na Avenida San Martín, a poucas quadras do palácio presidencial, um pequeno grupo de pessoas esperava para votar. “Para ser honesta, estou votando porque tenho medo de perder meus benefícios”, disse Betty, de 60 anos, que mora em uma casa distribuída pelo governo e não quis revelar o sobrenome. “O governo me deu a casa e não quero perdê-la. Estou sobrevivendo em razão dos programas do governo”, esclareceu. / AFP, REUTERS, AP e W.POST
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