Será difícil para Gabriel Boric governar. O êxito de sua gestão vai depender de sua capacidade de alcançar acordos políticos, fora e dentro do Congresso. As eleições de pouco mais de um mês atrás não deixaram nenhuma maioria clara no Parlamento. Tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados, os partidos estão praticamente com o mesmo peso, e o desempate ficará nas mãos das novas forças que emergiram, com poucas definições ideológicas, o que só aumenta a incerteza.
Um Congresso mais equilibrado poderia ter tornado mais fácil a tarefa para o candidato conservador, mas com certeza será algo mais complicado para Boric, que foi eleito com o slogan de um programa transformador .
A vida política de Boric, intensa apesar de seus 35 anos, foi centrada na ideia de recuperar espaços para a justiça social no Chile. Em sua opinião, e aparentemente na opinião da maioria que ganhou no domingo, essa justiça social foi postergada por um modelo que entrou em crise e estava na origem dos protestos sociais que marcaram a agenda chilena nos últimos anos.
O segundo elemento de complicação para Boric serão os temidos “poderes fáticos”, ou seja, os dispositivos de poder que não integram a institucionalidade republicana, mas que frequentemente operaram em outros momentos históricos. Esses poderes operam hoje como um fantasma. Entre eles, estão as Forças Armadas, o empresariado e a imprensa.
Esses foram os atores que operaram ativamente durante o governo do presidente Salvador Allende, que culminou no brutal golpe de Estado de 1973. Mas também foram os atores que operaram nos primeiros anos da democracia, principalmente durante o governo de Patricio Aylwin, e em graus diversos para a eleição do socialista Ricardo Lagos ou o segundo governo de Michelle Bachelet.
É esperado que o temor destes poderes rondará o ambiente durante todo o governo Boric e estará condicionado ao avanço que o novo Executivo conseguir em sua agenda transformadora.
É sabido que o programa de Gabriel Boric não agrada ao empresariado, ao mundo militar, ou à parte importante dos grandes meios de comunicação. Sem dúvida, seu governo terá que ter um olho nesses atores se quer passar de forma eficiente pelos desafios que lembram o passado.
Por essa razão, será chave a capacidade de Boric em construir alianças políticas, fortalecer a coalizão que o levou ao poder, fazer concessões a setores políticos que o apoiaram, apoiar o processo constituinte que ocorre em paralelo para colocá-lo a seu favor, e, claro, fortalecer sua rede de apoios internacionais para legitimar as medidas que tomar.
Para a maioria que saiu vitoriosa no domingo, esse foi o triunfo da esperança sobre o medo. Dá a impressão de que surge uma nova visão de futuro que recorre ao fato de que o Chile mudou, e, para isso, se deve colocar um ponto final no pacto político social que emergiu nos anos 1990 e 2000, ou seja, nos anos seguintes à ditadura.
O governo de Boric representa sem dúvida a chegada de um novo ciclo político para o Chile. E a sua gestão estará na mira das esquerdas democráticas de boa parte das repúblicas que passam por situações semelhantes.
* É professor da Universidade Bernardo Ohiggins
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.