MOSCOU - O presidente da China, Xi Jinping, chegou em Moscou nesta segunda-feira, 20, para uma visita de três dias à Rússia, a primeira desde que o presidente russo, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia. Ao lado do russo, o líder chinês disse que ambos os países têm objetivos similares, em um movimento que analistas interpretam como apoio aberto da China à guerra.
“É verdade que nossos dois países compartilham os mesmos objetivos, ou alguns semelhantes. Temos feito esforços para a prosperidade de nossos respectivos países. Podemos cooperar e trabalhar juntos para alcançar nossos objetivos”, disse Xi, destacando que a Rússia é o primeiro país que visita após sua reeleição para uma terceiro mandato como presidente da China.
Eles sorriram e apertaram as mãos antes de se sentarem e fazerem breves declarações no início do encontro no Kremlin, chamando um ao outro de “querido amigo” e trocando elogios. Putin parabenizou Xi por sua reeleição e expressou esperança de construir laços ainda mais fortes.
A viagem demonstra a nova ambição diplomática de Pequim e deu um impulso político a Putin poucos dias depois que um mandado de prisão internacional foi emitido para o líder do Kremlin por acusações de crimes de guerra relacionados à Ucrânia.
“Sei que a eleição presidencial da Rússia é no ano que vem. O desenvolvimento da Rússia melhorou significativamente sob sua liderança firme. Acredito que o povo russo continuará a apoiá-lo fortemente”, continuou Xi e acrescentou que a China “valoriza muito” seus laços com a Rússia.
‘Amizade sem limites’
A China vê a Rússia como uma fonte de petróleo e gás para sua economia necessitada por energia e como um parceiro para enfrentar o que ambos veem como agressão dos EUA. Enquanto para Putin, a visita de Xi envia um sinal forte às potências ocidentais de que Moscou não está isolado.
Os dois países, entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, também realizaram exercícios militares conjuntos, e as autoridades americanas receberam indícios de que a China está considerando fornecer armas à Rússia para sua guerra na Ucrânia, mas ainda não encontraram evidências do envio.
Pequim afirma que a viagem é o primeiro passo na tentativa da China de liderar uma nova rodada de negociação de paz entre Rússia e Ucrânia. Em um artigo publicado na edição desta segunda de um jornal estatal russo, Xi Jinping disse que sua proposta de paz servirá para “neutralizar as consequências do conflito e promover um acordo político”. Mas ele disse saber que não é uma tarefa fácil. “Problemas complexos não têm soluções simples”, afirmou.
Putin, por sua vez, saudou as propostas da China para um acordo político na Ucrânia e observou que a Rússia está aberta para negociações. “Vamos discutir todas essas questões, incluindo sua iniciativa que respeitamos muito”, disse Putin. “Nossa cooperação na arena internacional, sem dúvida, ajuda a fortalecer os princípios básicos da ordem global e da multipolaridade.”
Xi e Putin declararam que tinham uma “amizade sem limites” antes da invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, mas a China vem tentando se retratar como neutra desde o começo da guerra. Pequim pediu um cessar-fogo no mês passado, mas Washington disse que os termos da proposta chinesa ratificariam os ganhos territoriais do Kremlin no campo de batalha.
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Moscou e Pequim compartilham uma causa: ambos os países acusaram Washington de tentar isolá-los e impedir seu desenvolvimento enquanto o desafiam pela liderança regional e global. Enquanto 141 países condenaram Moscou em uma votação das Nações Unidas marcando o primeiro aniversário das tropas russas entrando na Ucrânia, vários membros do G-20 - incluindo Índia, China e África do Sul - se abstiveram. Além disso, muitas nações africanas se abstiveram de criticar abertamente a Rússia.
A reunião dá a Putin e Xi a chance de mostrar que são “parceiros poderosos” em um momento de relações tensas com Washington, disse Joseph Torigian, especialista em relações sino-russas da American University em Washington.
“A China pode sinalizar que poderia fazer ainda mais para ajudar a Rússia e que, se as relações com os Estados Unidos continuarem se deteriorando, eles poderiam fazer muito mais para capacitar a Rússia e ajudar a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia”, disse Torigian.
As relações de Pequim com Washington, a Europa e seus vizinhos são tensas por disputas sobre tecnologia, segurança, direitos humanos e o tratamento do Partido Comunista a Hong Kong e as minorias muçulmanas.
Alguns comentaristas traçam um paralelo entre as reivindicações da Rússia sobre o território ucraniano e as reivindicações de Pequim sobre Taiwan. O Partido Comunista diz que a ilha autogovernada, que se separou da China em 1949 após uma guerra civil, faz parte do território da China e deve se unir ao continente, pela força, se necessário. O governo de Xi tem intensificado os esforços para intimidar a ilha, enviando caças às proximidades e disparando mísseis no mar.
A China intensificou as compras de petróleo e gás russos, ajudando a aumentar a receita do Kremlin diante das sanções ocidentais. Mas evitou qualquer sinal visível de apoio que cruzasse as linhas vermelhas estabelecidas por Washington e pelos governos europeus em relação a sanções financeiras e ao fornecimento de ajuda militar.
A reunião desta semana vem logo depois do mandado de prisão contra Vladimir Putin emitido pelo Tribunal Penal Internacional na sexta-feira. Putin é acusado de ser pessoalmente responsável pelos sequestros de milhares de crianças da Ucrânia. Os governos que reconhecem a jurisdição do tribunal seriam obrigados a prender Putin se ele visitasse o país. Putin ainda não comentou a ordem de prisão, mas o Kremlin rejeitou a medida como “ultrajante e inaceitável”.
“O TPI deve manter uma postura objetiva e imparcial, respeitar a imunidade jurisdicional de que possui o chefe de Estado e evitar a politização e a duplicidade de critérios”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin.
Mais ajuda militar
Enquanto Xi chegava a Moscou, os países ocidentais se uniam em uma nova rodada de ajuda militar para a Ucrânia. Os ministros das Relações Exteriores e da Defesa da União Europeia concordaram em gastar até 2 bilhões de euros (R$ 11 bilhões) para fornecer à Ucrânia projéteis de artilharia, reabastecer seus próprios estoques nacionais e aumentar a produção de munição da Europa.
Mas os detalhes do acordo ainda precisam ser elaborados e ainda há dúvidas sobre a velocidade da resposta – uma questão crucial enquanto a Ucrânia se prepara para uma contraofensiva na primavera.
O ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, e seu colega da Estônia, Hanno Pevkur, disseram após uma reunião inicial que houve um acordo sobre o objetivo de fornecer um milhão de cartuchos de munição de artilharia à Ucrânia e instituir algumas aquisições conjuntas de novos estoques.
Já o governo de Joe Biden está autorizando um pacote adicional de US$350 milhões (R$ 1,8 bilhão) de ajuda militar para a Ucrânia, disse o secretário de Estado, Antony Blinken, em um comunicado. Ele disse que a assistência inclui foguetes guiados, armas antitanque e outros equipamentos.
Blinken se pronunciou sobre a visita de Xi a Putin, dizendo que mostra a intenção da China de fornecer “cobertura diplomática” para supostas atrocidades russas na Ucrânia.
“O fato de o presidente Xi estar viajando para a Rússia dias depois que o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão para o presidente Putin sugere que a China não sente necessidade de responsabilizar o Kremlin pelas atrocidades cometidas na Ucrânia e, em vez de condená-las, prefere fornecer cobertura diplomática para a Rússia continuar a cometer esses mesmos crimes”./NYT, AP e AFP
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