PEQUIM - O presidente da China, Xi Jinping, conversou por telefone nesta quarta-feira, 26, com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, o primeiro contato oficial entre eles desde que a invasão russa na Ucrânia começou, em 24 de fevereiro do ano passado.
Em tom ameno e por cerca de uma hora, os dois líderes debateram sobre uma aproximação e a abertura de um diálogo para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, segundo as duas partes.
Pequim, que se manteve neutra no ano passado, começou a se aproximar de Moscou, e os principais estudos da guerra da Ucrânia preveem mais protagonismo da China no conflito ao longo de 2023.
Na ligação, Xi disse a Zelenski que enviará representantes a Kiev para tentar iniciar negociações para a paz- a China, assim como o Brasil, tem expressado a intenção de intermediar um diálogo entre Rússia e Ucrânia, que está paralisado desde meados do ano passado.
Novo embaixador em Pequim
Já o líder ucraniano afirmou que enviará um novo embaixador a Pequim e disse que a conversa foi “longa e significativa”.
“Acredito que o telefonema, assim como a nomeação do embaixador da Ucrânia na China, dará um poderoso impulso ao desenvolvimento de nossas relações bilaterais”, declarou.
Xi - que em março visitou o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou - já havia dito que estava disposto a falar com Zelensky, que convidou o líder chinês a visitar Kiev.
A ligação entre os dois líderes foi bem recebida pela comunidade internacional. O porta-voz da Casa Branca para assuntos de segurança nacional, John Kirby, disse que Washington achou bom o telefonema.
Pequim, que se apresentou como um mediador para o conflito e defende neutralidade, é criticada por países ocidentais pelo que consideram ser um apoio tácito dos chineses a Moscou.
“Creio que esta ligação, assim como a indicação do embaixador ucraniano para a China, dará um ímpeto poderoso ao desenvolvimento das relações bilaterais”, tuitou o presidente, referindo-se à nomeação do ex-ministro de Indústrias Estratégicas Pavlo Riabikin para a representação diplomática em Pequim, cargo que estava vazio desde fevereiro de 2021.
China ressaltou possível mediação
De acordo com a imprensa estatal chinesa, os dois líderes discutiram a “crise na Ucrânia”, mantendo a postura de não se referir ao imbróglio como uma guerra e um conflito. Xi disse que a China “está sempre do lado da paz” e que mandará uma delegação à Ucrânia “e outros países a fim de manter uma comunicação profunda com todas as partes em busca de uma solução política”.
“A China não é responsável pela crise na Ucrânia nem parte dela”, Xi teria dito, segundo os registros da imprensa estatal. “O respeito mútuo à soberania e integridade territoriais é a fundação política das relações entre Ucrânia e China.”
A menção à soberania territorial veio dias após o embaixador chinês na França, Lu Shaye, afirmar que as ex-repúblicas soviéticas não são nações independentes — ignorando um reconhecimento oficial que Pequim faz desde 1991. A declaração atraiu fortes críticas de países na Europa e levou os chineses a emitir uma retratação.
Comentando o telefonema, a Chancelaria russa disse em comunicado que “as autoridades ucranianas e seus aliados ocidentais já demonstraram sua capacidade de estragar quaisquer iniciativas de paz”. Reconhecendo os “esforços do lado chinês para estabelecer um processo de paz”, a nota diz que Kiev “rejeitou qualquer iniciativa sensata que buscava uma solução política e diplomática”.
Saiba mais sobre a guerra na Ucrânia
“O eventual consentimento às negociações é condicionado ao ultimato com demandas evidentemente irreais”, disseram os russos, citando a condição ucraniana de que Moscou deixe os territórios unilateralmente ocupados de Kherson, Zaporíjia, Donestk e Luhansk, além da Crimeia, ocupada em 2014.
Os russos referiam-se ao plano de paz de 12 pontos que Pequim anunciou no primeiro aniversário da guerra. O acordo pede um cessar-fogo, defende a integridade territorial — sem esclarecer como isso se aplicaria aos territórios ucranianos anexados por Moscou — e oferece benefícios à Rússia com a suspensão das sanções. Para os ucranianos, a devolução de Kherson, Zaporíjia, Donestk e Luhansk, unilateralmente anexados no ano passado, e da Península da Crimeia, ocupada em 2014, são inegociáveis.
De imediato, contudo, Kiev e Moscou deram boas-vindas à iniciativa chinesa como um ponto de partida, mas o rechaço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar encabeçada por americanos, foi rápido.
Xi viajou no mês passado à Rússia para promover o plano, sendo recebido por seu “grande amigo” Vladimir Putin, mas era pressionado para falar com Zelensky — ponto reforçado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, durante sua visita a Pequim no início do mês. Há semanas as conversas entre diplomatas russos e ucranianos se intensificaram e o telefonema desta quarta era visto como iminente.
A ligação também coincide com uma passagem do chanceler russo, Sergei Lavrov, pelos Estados Unidos, onde presidiu a sessão do Conselho de Segurança da ONU no início desta semana, na sede da organização em Nova York — a chefia do grupo é rotativa entre os cinco membros permanentes e 10 temporários, mudando a cada mês. Diante de Lavrov, o secretário-geral das Nações Unidas, denunciou a “devastação” no território ucraniano.
A China pode ter um papel-chave para uma saída negociada para o conflito frente à cada vez maior dependência econômica que o Kremlin tem dos chineses: em 2022, o comércio entre os dois países aumentou um terço, chegando a US$ 190 bilhões. Ao mesmo tempo, o crescimento das exportações russas para Pequim cresceu 44% — em grande parte devido ao combustível que antes ia para a Europa, vendido com desconto para os chineses — e as importações, 14%.
Para os chineses, o Kremlin é um aliado-chave contra o que considera ser um cerco ocidental a seus interesses estratégicos, em especial na Ásia, e no desejo de fazer frente à hegemonia americana com a defesa de uma ordem multipolar. Com relações complicadas durante a Guerra Fria, China e Rússia se aproximaram nos últimos anos em meio ao acirramento das tensões sino-americanas.
Em fevereiro de 2022, pouco antes da invasão da Ucrânia, Xi e Putin se reuniram e anunciaram uma “parceria sem limites” — com a eclosão do conflito, no entanto, a embaixada chinesa nos EUA esclareceu que há um “limite” para a parceria. / AP, AFP e NYT
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