PEQUIM - O presidente da China, Xi Jinping, encontrou-se com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em Pequim, nesta quarta-feira, 14, conforme o líder chinês se esforça para expandir a influência de seu país no Oriente Médio e o coloca como alternativa aos Estados Unidos enquanto liderança na diplomacia global.
Anteriormente à visita de quatro dias de Abbas, que começou na terça-feira, autoridades chinesas vinham sugerindo repetidamente que poderiam ajudar a pavimentar o caminho para negociações de paz entre Israel e a Autoridade Palestina. Os meios de comunicação estatais chineses também vinham criticando duramente os EUA por fracassar em intermediar um acordo entre israelenses e palestinos.
E nesta quarta-feira Xi revelou uma proposta em três partes para uma solução de dois Estados para o conflito, de acordo com a mídia estatal chinesa. O plano pareceu em grande medida similar a uma proposta apresentada por Xi em 2013, que fracassou em alcançar qualquer avanço.
“A justiça deve ser devolvida para a Palestina assim que possível”, afirmou Xi, segundo a agência de notícias estatal Xinhua. “A China está disposta a desempenhar um papel positivo no sentido de ajudar a Palestina a alcançar a reconciliação interna e promover negociações de paz.”
Xi tem trabalhado para lapidar sua imagem como uma força em favor da paz global nos meses recentes, especialmente à medida que a China emerge de três anos de isolamento decorrentes da pandemia de coronavírus e tem buscado reafirmar sua posição de grande potência na arena global. Xi recebeu uma série de líderes mundiais este ano, incluindo de França, Brasil e Irã. Pequim tem sugerido que poderia ser capaz de mediar o fim da guerra na Ucrânia, mas líderes ocidentais têm se mostrado céticos a respeito da afirmação.
Vitória diplomática
E talvez em sua maior vitória diplomática, a China facilitou negociações secretas entre Arábia Saudita e Irã, em março, que ocasionaram sua surpreendente reaproximação diplomática — um papel que, segundo analistas, poderia tornar Pequim uma grande potência no Oriente Médio e desafiar a antiga influência dos EUA na região.
É claro que pôr fim ao conflito aparentemente intratável entre israelenses e palestinos é uma tarefa muitíssimo diferente de prover mediação entre Arábia Saudita e Irã, que já vinham buscando reduzir as tensões. A China também mantém fortes relações econômicas com sauditas e iranianos.
Faz tempo que a China é amigável a líderes palestinos, e esta é a quinta visita de Abbas a Pequim em suas quase duas décadas como presidente da Autoridade Palestina. A China expressou apoio ao Estado palestino com frequência e apoiou posições pró-palestinos nas Nações Unidas. Nesta quarta-feira, Xi disse a Abbas que a China e os palestinos são “bons amigos e bons parceiros”, de acordo com a mídia estatal chinesa. Os líderes também anunciaram uma parceria estratégica entre a China e a Autoridade Palestina.
Mas a relação da China com Israel não é assim tão robusta. E a aliança de Israel com os EUA significa que os israelenses seriam muito mais relutantes em conceder à China uma participação em qualquer negociação. Israel já é pressionado por Washington a limitar o investimento chinês no país.
Nesse sentido, o encontro entre Xi e Abbas tratou menos de caminhar para uma resolução do conflito do que demonstrar a intenção da China de vir a ser uma presença maior no Oriente Médio no futuro, afirmaram analistas.
“A China deveria ser e será bastante cautelosa — porque muitas superpotências desperdiçaram recursos, tempo e energia” em conflitos prolongados na região, afirmou Da Wei, professor de relações internacionais da Universidade Tsinghua, em Pequim. “Mas eu considero que a China quer ser mais proativa em regiões como o Oriente Médio.”
Ele continuou, “Nós podemos afirmar que se trata de um processo de aprendizado para a China: a China está aprendendo a ser uma potência importante naquela região, ou uma potência no mundo. E se você quer desempenhar um papel na arena internacional, obviamente o Oriente Médio á uma das regiões para isso.”
De fato, a China tem aumentado seu envolvimento com o Oriente Médio de maneira geral. Xi visitou a Arábia Saudita em dezembro. Chineses e sauditas também têm aprofundado relações de investimento, e as autoridades do país árabe rejeitam diretamente preocupações de que sua relação crescente com Pequim poderia causar problemas com os EUA.
Os meios de comunicação do governo chinês vinham mencionando a possibilidade de um avanço entre Israel e a liderança palestina. Mas a proposta recente não suscitou muita esperança no Oriente Médio.
“No cenário de uma onda de reconciliação no Oriente Médio, há grande expectativa a respeito da possibilidade desta visita trazer mais esperança para a paz na região”, afirmou em editorial o jornal Global Times, do Partido Comunista Chinês, na terça-feira. O veículo também acusou Washington de “culpabilidade profunda” na questão palestina.
A China já se ofereceu para mediar relações entre israelenses e palestinos antes, incluindo em 2013, 2017 e 2021. O plano em três partes de Xi revelado nesta quarta-feira não parece desviar muito de propostas anteriores: inclui a criação de um Estado palestino plenamente soberano; um pedido de ajuda internacional para o futuro Estado palestino; e a convocação de uma “conferência de paz internacional com mais autoridade e influência” para promover negociações — mas não foram fornecidos detalhes.
Após as negociações entre israelenses e palestinos colapsarem em 2014, parece haver pouca chance de sua retomada no futuro próximo, com ou sem o envolvimento chinês: tanto os israelenses quanto os palestinos estão profundamente divididos internamente a respeito de como lidar com o conflito, quem dirá buscar consenso com o outro lado. O atual governo de Israel é o mais à direita de todos os tempos, poucos de seus membros apoiam a ideia da soberania palestina, e a intervenção chinesa dificilmente alterará esse panorama.
Ainda assim, o papel da China em intermediar o acordo saudita-iraniano e sua crescente estatura global em geral mudaram as apostas no seu possível envolvimento, afirmou Robert Mogielnicki, pesquisador-residente sênior do Arab Gulf States Institute, em Washington, que estuda as relações China-Oriente Médio. O envolvimento chinês na região vinha sendo principalmente econômico, afirmou ele; agora Pequim sinaliza que “superou” aquele nível de apoio. “O contexto particular do que muita gente percebe como uma ordem global em mudança potencialmente dá mais significado a esta visita”, afirmou ele. / NYT
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