SÃO PAULO-O presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, de centro-esquerda, derrotou o candidato governista, Álvaro Delgado, de centro-direita, neste domingo, 24, com um discurso moderado e centrista, que captou uma parte do eleitorado do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, apesar dos campos políticos distintos.
“O candidato governista não conseguiu obter todos os votos dos eleitores que pensam que Lacalle Pou foi um bom presidente”, explica o analista e estrategista político uruguaio Daniel Supervielle, em entrevista ao Estadão.
Com 99,94% das urnas apuradas, Yamandú Orsi tem 49,84% contra 45,87% de Álvaro Delgado. De acordo com um levantamento da consultoria Equipos, Orsi tem 49% dos votos e Álvaro Delgado tem 46,6%. Outras duas pesquisas também indicam a vitória do candidato da Frente Ampla. No Uruguai os levantamentos de boca de urna tem grande credibilidade e indicam o provável resultado eleitoral.
Embora prometa forjar uma “nova esquerda” no Uruguai, Orsi não planeja mudanças drásticas. O novo presidente deve assumir no dia 1º de março e irã receber uma economia forte que deve crescer 3,2% este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Orsi teve um discurso sólido, muito centrista e moderado, avalia Supervielle. “Este discurso tranquilizador contribuiu para acalmar a classe empresarial. O presidente eleito prometeu uma mudança segura e a população considerou suas propostas melhores”.
O candidato da centro-esquerda saiu das urnas à frente no primeiro turno, no dia 27 de outubro, com 43,9% dos votos, insuficiente para evitar uma nova votação contra Delgado, que obteve 26,8%. No entanto, o governista recebeu apoio de quase todos os outros candidatos, que somados representariam 47,7% dos votos do primeiro turno.
Ele devolve a presidência para a Frente Ampla, após a derrota para Lacalle Pou em 2019, após 15 anos da coalizão no poder – com dois mandatos de Tabaré Vázquez e um de Mujica.
Governabilidade
Mesmo com a vitória de Yamandú Orsi, o país segue dividido no Legislativo, o que deve levá-lo a algumas negociações. Nenhum partido tem maioria na Câmara dos Deputados, com 48 deputados para a Frente Ampla, 29 para o Partido Nacional, de Lacalle Pou e Delgado, 17 para o Partido Colorado, dois para o Identidad Soberana, dois para o partido Cabildo Abierto e um deputado independente.
No Senado, a Frente Ampla tem maioria, com 16 senadores, contra nove do Partido Nacional e cinco do Partido Colorado.
“Yamandú Orsi não deve ter dificuldades para governar. Os partidos de oposição devem negociar com ele na Câmara dos Deputados e no Senado ele tem maioria”, diz Supervielle.
Desde a campanha, os dois candidatos ressaltaram a necessidade de buscar acordos para que o país avance em questões como segurança pública e educação.
Saiba mais
O candidato governista Álvaro Delgado afirmou antes dos resultados saírem que iria “tomar um mate” com Orsi para buscar acordos caso fosse eleito.
Orsi, que foi prefeito do departamento de Canelones durante uma década, afirmou ter a “governança” para promover “as transformações que o país precisa”. “Todos concordamos com a necessidade de acordos”, disse ele após votar.
De acordo com o analista, a segurança pública foi o principal tema destas eleições. “A segurança pública ligada à ameaça do narcotráfico se transformou em um problema para os uruguaios, apesar de não estarmos próximos do Equador ou de cidades como Rosário, na Argentina, onde este problema é maior”, apontou Supervielle.
O segundo tema mais importante para os eleitores foi a pobreza infantil no Uruguai. “Em ambos os temas existe um pacto de todos os partidos de que é importante melhorar”. De acordo com dados da UNICEF, mais de 25% das crianças do país vivem em uma situação de pobreza.
Mercosul
Quando o tema é Mercosul, o presidente eleito deve ter uma posição diferente de Lacalle Pou, que buscava um acordo de livre comércio com a China, sem a necessidade de incluir todos os membros do bloco. Orsi prefere negociar um acordo com Pequim que inclua todos os países do Mercosul.
“Veremos que Orsi terá uma posição mais parecida com a de Lula, ele deve se alinhar com o presidente do Brasil”, afirmou Supervielle. “A nova chancelaria uruguaia vai ressaltar suas posições distintas com as políticas de Donald Trump e Javier Milei, mas sempre com pragmatismo”.
O atual presidente chegou a colocar em cheque até a participação do Uruguai no Mercosul e acusou os membros do bloco de protecionismo.
Mesmo com um discurso em sintonia com o de Lula, Orsi deve ser pragmático e manter boas relações com a Argentina de Javier Milei. “O Uruguai precisa pensar em seus interesses e deve manter boas relações com Buenos Aires e Brasília”.
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