O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, criticou a ONU durante o discurso do Conselho de Segurança nesta terça-feira, 20, em Nova York, por ter falhado em evitar a invasão da Rússia na Ucrânia. Primeiro a discursar na reunião, que não contou com a presença do chanceler russo Serguei Lavrov, o líder ucraniano voltou a defender que a Rússia perca o assento permanente e o poder de veto no conselho. “É impossível interromper a guerra porque todas as ações são vetadas pelo agressor”, disse.
A proposta de Zelenski é que a Assembleia-Geral tenha o poder de retirar o veto da Rússia, o que seria uma mudança fundamental na forma como a ONU opera. Hoje, o Conselho de Segurança tem cinco países como membros permanentes e com poder de veto, que, na prática, impede que o conselho tome quaisquer ações contra esses países.
Segundo Zelenski, qualquer esperança de que o Conselho de Segurança ou a Assembleia-Geral acabasse com a guerra foi “destruída” porque a Rússia detém um assento permanente no órgão. Hoje, a ONU possui um mecanismo que permite a Assembleia-Geral de destituir algum membro do Conselho de Segurança, mas ele nunca foi usado.
O embaixador da Rússia na ONU, Vasili Nebenzia, escutou o discurso do ucraniano, mas permaneceu durante a maior parte do tempo com a atenção voltada ao celular. Existia uma expectativa de que a maior autoridade da Rússia presente em Nova York, Serguei Lavrov, estivesse presente na hora do discurso e ficasse cara a cara com Zelenski pela primeira vez desde o início da guerra, mas não aconteceu. Zelenski se retirou do plenário discursar e também não assistiu as declarações de Lavrov.
Plano de paz
O líder ucraniano também apresentou ao Conselho de Segurança o plano da Ucrânia para acabar com a guerra e convidou as nações a aderirem à iniciativa. “Que a paz prevaleça e a nossa instituição e cooperação sejam mais fortes”, disse ele no fim do discurso.
O plano de Zelenski é dividido em dez pontos que precisaria de garantias. São eles:
- Segurança nuclear e radioativa: A Rússia deve retirar imediatamente todos os militares da usina nuclear de Zaporizhzhia. A estação deve ser transferida para o controle da AIEA e da Ucrânia;
- Segurança alimentar: Restauração do acordo de grãos e cereais e exportações agrícolas ucranianas pelo Mar Negro;
- Segurança energética: Introdução de garantias para controle de preços e proteção de infraestrutura energética para que a energia não seja utilizada como arma de guerra;
- Libertação de todos os prisioneiros de guerra e deportados: Libertação de prisioneiros e de crianças e adultos que foram deportados ilegalmente para a Rússia;
- Implementação da Carta das Nações Unidas e restauração da integridade territorial da Ucrânia e da ordem mundial: Restauração do o artigo 2.º da Carta das Nações Unidas, que afirma que os membros da ONU devem abster-se de ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado; e garantia da integridade territorial da Ucrânia, sem condições de negociação.
- Retirada das tropas russas e cessação das hostilidades: Retirada de todas as tropas e formações armadas da Rússia do território da Ucrânia e restauração do controle total da Ucrânia sobre a sua fronteira, reconhecida internacionalmente.
- Justiça: Punir todos os crimes de guerra cometidos pela Rússia no conflito. A Ucrânia estima que até agosto de 2023 havia mais de 100 mil crimes de guerra.
- Proteção imediata do meio ambiente: Garantia de proteção em áreas que sofreram os enormes danos da guerra.
- Prevenção de escalada de guerra: Tomar medidas para evitar qualquer possibilidade de repetição da agressão ou de uma nova escalada do conflito, caso o conflito seja repelido. Ucrânia defende que haja uma arquitetura de segurança renovada no pós-guerra, significando a entrada na Otan.
- Confirmação do fim da guerra: Implementação de todas as medidas anti-guerra mencionadas de maneira rápida. Depois que as hostilidades cessarem e a segurança e a justiça forem restauradas, as partes deverão assinar um documento oficial confirmando o fim da guerra.
Chanceler da Rússia culpa Ocidente pela guerra
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, não esteve presente na reunião do Conselho de Segurança durante o discurso de Zelenski, mas apareceu para fazer o discurso da Rússia. A autoridade russa dirigiu a maior parte do seu discurso para críticas aos Estados Unidos.
No discurso, Lavrov reiterou as afirmações de que o Ocidente é responsável pela invasão na Ucrânia por ter influenciado a política ucraniana e ter “instalado” um presidente pró-Ocidente. O chanceler também afirmou que qualquer governo anti-Rússia na Ucrânia é “fantoche” dos EUA e que, portanto, os EUA poderiam convencer Zelenski a comandar um processo de negociação com a Rússia se quisessem.
Lavrov também disse que os EUA estão utilizando a ONU para lançar acusações contra nações que discordam de Washington, relembrou intervenções militares americanas no Iraque, Afeganistão e Líbia, e afirmou que a França e a Alemanha negligenciaram os acordos de Minsk, feitos para a paz na Ucrânia antes da invasão.
‘Parem a guerra e ele não falará primeiro’
Antes do ucraniano começar a discursar, Nebenzia protestou contra a ordem de discursos, questionando por que o líder de um país que não é membro do conselho iria discursar antes dos outros. O primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, que preside a sessão, justificou que a ordem daria chance aos líderes de responderem às alegações de Zelenski e alfinetou a Rússia. “Parem a guerra e ele não falará primeiro”, declarou.
A sessão foi iniciada com o discurso do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que introduziu o tema da guerra na Ucrânia, que domina as sessões do Conselho pelo segundo ano. Guterres afirmou que a invasão da Ucrânia é uma clara violação da Carta da ONU e do direito internacional que agrava divisões regionais, causa instabilidade em todo o mundo e aumenta as ameaças nucleares.
“A guerra matou ou feriu dezenas de milhares de civis, destruiu vidas e meios de subsistência, traumatizou uma geração de crianças, destruiu famílias, devastou a economia e transformou vastas áreas de terras agrícolas em campos minados mortais”, disse Guterres.
A reunião contou com a presença de dezenas de países que não são membros do conselho, convidados por Edi Rama para discutir a guerra na Ucrânia. Em seu discurso, que se seguiu ao de Zelenski, Rama repudiou a guerra e repreendeu os países que se negam a considerá-la uma agressão. “Esta guerra de agressão deve ser assunto de todos”, declarou.
Reformas do Conselho de Segurança
A pressão por mudanças na estrutura do Conselho de Segurança teve a adesão de mais líderes nesta quarta-feira, 20. Após ser defendido pelo presidente Lula e pelo presidente dos EUA, Joe Biden, o tema voltou a estar presente na Assembleia-Geral da ONU no discurso do presidente de Gana, Nana Addo Dankwa, que afirmou que o poder de veto da Rússia e de outras grandes potências tornou o Conselho eficaz.
Segundo Dankwa, a ONU parece “relutante ou ineficaz” em pôr fim a guerra, repetindo a crítica de Zelenski e de Lula. /Com NYT
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.