O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, baixou o tom no último dia de cúpula da Otan, depois de fazer duras críticas à aliança militar ocidental. Sem um cronograma claro de adesão que buscava em Vilna, Kiev teve que se contentar com as promessas de ajuda militar e aproveitou a viagem para pedir mais armas.
Zelenski agradeceu aos aliados pelo “apoio prático” contra a invasão russa que se arrasta há mais de 500 dias. “A delegação ucraniana está levando para casa uma vitória significativa em defesa para o nosso país, o nosso povo, as nossas crianças”, reconheceu.
O tom é bem mais moderado que o adotado nos últimos dias. Antes de chegar à cúpula como convidado, Zelenski criticou abertamente o que chamou de “fraqueza” da aliança militar ocidental e chamou de “absurdo” a falta de um cronograma para adesão da Ucrânia.
Mudanças na postura de Zelenski
Já no primeiro dia de cúpula, ficou claro que o apelo ucraniano não seria atendido. A organização tem um regra muito clara para garantir a defesa conjunta dos países membros e não pode convidar a Ucrânia agora ou estaria se colocando em guerra contra a Rússia — uma das maiores potências nucleares do mundo.
A cobrança do líder ucraniano por prazos claros dividiu países membros e a saída foi garantir que o país será admitido “quando as condições forem atingidas”. Zelenski então foi abandonando o tom combativo que usou contra os próprios aliados.
O professor de relações internacionais da Faap Vinicius Vieira acredita que Zelenski recuou porque sabe que precisa da Otan durante e, principalmente, depois da guerra. “Em algum momento o conflito vai acabar e a Ucrânia vai precisar de garantias de segurança. No pós-guerra, a Ucrânia sozinha não poderá se defender da Rússia.”.
O secretário-geral da aliança Jens Stoltenberg afirma que a Ucrânia “nunca esteve tão próxima da Otan” e deu alguns sinais dessa aproximação. A aliança estabeleceu um conselho para discutir a crise com autoridades ucranianas, que teve a primeira reunião hoje, aumentando a relação política entre os dois lados. A aliança também confirmou que vai eliminar um entrave burocrático - o chamado Plano de Ação de Adesão - para agilizar a entrada da Ucrânia quando chegar a hora.
Na avaliação professor do departamento de ciência política do Berea College, Carlos Gustavo Poggio, o resultado é bom para Kiev e mostra que a Otan sem mantém firme contra a guerra, contrariando as previsões de Vladimir Putin quando avançou sobre território ucraniano. “É primeira vez desde 2008 se fala com convicção sobre a entrada da Ucrânia na Otan, inclusive com a promessa de acelerar esse processo”.
Outro exemplo desse fortalecimento da aliança, segundo Carlos Gustavo Poggio, é a inclusão da Finlândia e da Suécia, que abandonaram décadas de neutralidade em meio à guerra. No caso sueco, a última barreira era a resistência da Turquia, que deu sinal verde para adesão às vésperas da cúpula da Otan.
Aliados cobram “gratidão”
Durante a cúpula, Zelenski voltou a pedir armas e ouviu de aliados que deveria ter mais “gratidão”. O secretário de defesa do Reino Unido, Ben Wallace, elevou a temperatura da cúpula ao alertar a Ucrânia: não somos a “Amazon” das armas.
“Aqui vai um pequeno aviso: goste ou não, as pessoas querem ver gratidão. Meu conselho aos ucranianos: você tem que persuadir os países a abrir mão de seus próprios arsenais”, destacou o chefe da defesa britânica.
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Para o professor de segurança e defesa do IBMEC, Christopher Mendonça, apesar do interesse em manter a ajuda à Ucrânia, a Otan dá sinais de cansaço. “Nós não temos desde a criação da Otan, durante o Tratado do Atlântico, lá na Guerra Fria nenhuma outra ocasião na qual a Otan tenha investido tanto dinheiro e tantas forças no auxílio de qualquer país em guerra. Então nesse sentido, a Otan chega ao seu limite”.
Outro fator também parece contribuir para o desgaste: a velocidade da contraofensiva, a grande aposta da Ucrânia e seus aliados para reaver ao menos parte do território ocupado pelos russos. “Imaginava-se que nesse momento a Ucrânia teria equilibrado mais o confronto. Nesse sentido, a velocidade reduzida da contraofensiva acabou desgastando um pouco a posição da Otan”, resumiu Mendonça.
Saldo da cúpula
Além da promessa de um dia ser parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Ucrânia também conseguiu mais ajuda para enfrentar a Rússia no campo de batalha. A Alemanha se comprometeu com um novo pacote militar equivalente a R$ 3,7 bilhões, incluindo tanques de guerra e mais de 20 mil munições. A França, por sua vez, anunciou que vai mandar armas de longo alcance para Kiev, os mísseis do tipo SCALP, que chegam a cerca de 250 km.
Paris segue os passos de Londres, que desde maio tem fornecido os mísseis de longo alcance do tipo storm shadow para Ucrânia. Mas os Estados Unidos ainda resistem em atender esse apelo de Kiev temendo uma escalada com a Rússia. O pedido estava na pauta de um encontro entre Zelenski com o presidente americano Joe Biden durante a cúpula da Otan.
Antes do encontro, o líder americano disse que a Casa Branca está “fazendo tudo que pode para garantir que a Ucrânia tenha tudo que pode”. Depois, sem anunciar nenhuma decisão sobre as armas de longo alcance, Biden fez um discurso firme contra a guerra.
Nas palavras do presidente americano, Vladimir Putin apostava que a “Otan se desintegraria no primeiro teste” e continuou fazendo essa “aposta ruim”, mas que a aliança está mais forte que nunca e vai manter o apoio à defesa ucraniana “enquanto for necessário”.
O saldo para Ucrânia inclui ainda uma promessa do G7, as sete maiores potências globais, de fornecer apoio militar de longo prazo à Ucrânia. A assistência deve incluir equipamentos militares para garantir domínio terrestre, aéreo e marítimo com o objetivo de “garantir uma força sustentável capaz de defender a Ucrânia agora e dissuadir a agressão russa no futuro”, afirmou o grupo.
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