THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Kylie Jenner tem 26 anos e é mãe de dois filhos pequenos. Já não usa peruca e extensão de cabelo, nem maquiagem carregada diariamente. Não publica nas ] sociais logo que acorda. “Maturidade” e “sofisticação” são as palavras que agora guiam sua marca pessoal. Como disse em seu escritório em Calabasas, na Califórnia, no fim de fevereiro, com os joelhos próximos ao peito durante uma entrevista de uma hora: “Estou me despojando um pouco. Não tenho mais aquele cabelo denso até a cintura, extensão nos cílios, nem aquelas unhas enormes.”
Ela mostrou as unhas pintadas de vermelho, reluzentes como amêndoas. Para ela, esses traços eram marcas de sua juventude; para outros, sinalizavam a apropriação cultural das mulheres negras.
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Pode ser que você tenha notado essa evolução. Talvez fique cansado com qualquer menção da família Kardashian-Jenner. Mas ainda assim está lendo isso, e ninguém está mais consciente desse fenômeno – um olho a observa, o outro a julga – do que a irmã mais nova, enigmática e talvez a mais famosa da família. Jenner tem 400 milhões de seguidores no Instagram. Essa cifra, que ultrapassa a população dos Estados Unidos, pode incluir robôs ou perfis falsos, mas ainda supera os seguidores de todos os seus irmãos.
Desde a infância, a personalidade pública de Jenner tem sido definida pelo consumo. Ela se cerca daquilo que remete ao estrelato e à riqueza: roupas e carros, jatos particulares e procedimentos estéticos. Enquanto isso, consumimos as mídias que ela compartilha, os boatos que cria e, mais importante para o negócio da família, os produtos que vende.
No dia 5 de março, ela anunciou a Sprinter, linha de refrigerantes enlatados com vodca. No dia 7, lançou o Cosmic, primeiro perfume da Kylie Cosmetics, empresa que cofundou aos 18 anos e foi avaliada em US$ 1,2 bilhão em 2019. Também continua lançando roupas da Khy, sua nova marca que oferece “peças de alta-costura por menos”, segundo ela.
Foi uma semana movimentada para Jenner, mesmo para os padrões empresariais das Kar-Jenner – cada irmã está ligada a pelo menos um produto, incluindo tequila, suplementos em goma, jeans inclusivo para todos os tamanhos e a joia da coroa: roupas modeladoras.
Mas, se está cansada, ela não demonstra. Se sente alguma pressão – porque nem todas as marcas familiares são um sucesso instantâneo, como demonstrou a Kylie Swim, linha de roupas de banho, em 2021 –, também não deixa transparecer. De fato, Jenner não se expõe muito ultimamente. Em 2020, revelou a uma criadora de conteúdo relacionado à beleza, do YouTube, que doía mais ser criticada quando mostrava sua “verdadeira personalidade” do que quando estava “interpretando um personagem, e não mostrando tudo às pessoas”.
Foi assim que aprendeu a viver publicamente como uma adulta: estando alerta, sendo reservada e usando um tom de voz suave. “Quando você compartilha muito, fica suscetível a mais comentários e opiniões das pessoas sobre sua vida”, disse em seu escritório, com o rosto inescrutável.
Sim, esse mesmo rosto que as pessoas têm estudado e debatido desde que tinha 16 anos e começou a aumentar os lábios. No início, Jenner afirmava que usava maquiagem para realçá-los, e não injeções, e logo começou a vender o Kylie Lip Kit para ajudar os outros a fazer o mesmo. Uma década depois, as pessoas ainda comentam e opinam.
Se aparece em um evento cuja iluminação é desfavorável, os cirurgiões plásticos fazem vídeos no TikTok explicando o que acham que deu errado e viralizam. O rosto de outra mulher de sua geração foi tão visto e examinado? “São anos e anos sentindo que meu rosto ou minha aparência não são aceitos. Mas agora não existe nada que alguém possa dizer que me machuque”, comentou.
Assuntos pessoais
Os perfumes costumam ser pessoais. Jenner queria que o dela atraísse o público geral. “Quero que todo mundo goste”, disse sobre o Cosmic, que é principalmente doce, com vanilla musk, ou baunilha almiscarada, e jasmim-estrela. Ela queria que parecesse que o frasco tinha caído do espaço em sua mão e depois se moldado ao redor dos dedos. (Lembra o famoso recipiente do perfume Halston, escultural e com a tampa arredondada.)
Jenner pediu opiniões. Contou que ela e uma amiga borrifaram a fragrância antes de ir a uma festa e depois compararam os elogios no fim da noite. E que, da mesma forma, organizou “rodadas e mais rodadas” de degustação com familiares e amigos para o Sprinter, suas novas latas de refrigerante de vodca com sabor de fruta.
Em decorrência dos acordos de confidencialidade, o funcionamento interno das marcas conduzidas por celebridades geralmente não é claro, bem como sua verdadeira gestão. A família Kardashian-Jenner, liderada pela matriarca e gerente Kris, há muito tempo enfatiza que acompanha de perto suas empresas, sobretudo no que diz respeito a conceitos e direção criativa. “Algumas pessoas dizem: ‘É uma ótima ideia, quero colocar meu nome nisso.’ Mas Kylie quer ter o controle de suas decisões”, observou Kris Jenner.
Em outubro, Jenner anunciou sua marca de roupas Khy, fundada com Kris e com Emma e Jens Grede, o casal de empresários que se associou a Kim Kardashian na Skims e com Khloe Kardashian na Good American. (Os Grede não estavam disponíveis para comentar.) Jenner disse que esteve envolvida em cada detalhe desde a criação: na escolha de colaboradores, na montagem de quadros de inspiração, na seleção de tecidos e cores e na direção das sessões de fotos. Ela também publica diretamente nas redes sociais da Khy. No dia de sua entrevista ao The New York Times, teve de resistir à vontade de excluir uma postagem feita por outra pessoa, que achara muito brilhante e ampliada.
Até o momento, a Khy lançou quatro coleções. A primeira foi focada em roupas de couro falso, todas com preço abaixo de US$ 200 (as vendas atingiram US$ 1 milhão em uma hora, de acordo com a empresa). A quarta, lançada em 28 de fevereiro, foi delicada e sensual: peças leves que se ajustam ao corpo, em cores neutras, com mangas assimétricas, alças torcidas e recortes – tudo por menos de US$ 100. Vários modelos se esgotaram em questão de minutos.
Kylie Jenner afirmou que seu estilo pessoal começou a mudar há quase um ano. Aumentou suas aparições na Semana de Moda de Paris, incluindo um desfile da marca Schiaparelli, no qual usou uma cabeça de leão falsa no peito. Seu filho, Aire, completava um ano.
Ela falou abertamente sobre sua luta contra a depressão pós-parto: “Depois de ter um bebê, demora um pouco para que eu volte a me sentir eu mesma. Com o tempo, você recupera seu corpo e pensa: ‘Olha só, as tendências mudaram.’”
Alguns seguidores de Jenner ficaram surpresos quando ela compartilhou em suas férias, no verão setentrional passado, uma foto usando um vestido longo de manga bufante que incorpora elementos do movimento estético “cottagecore”, que remete a algo simples e pastoral. Estava muito longe da identidade popular de “King Kylie”, que tinha em meados dos anos 2010, quando era uma adolescente com uma abordagem experimental na plataforma Tumblr, cujo estilo contraditório ao das Kardashians a tornava mais acessível ao público. Comentaristas especularam que seu novo estilo de “menina recatada” era resultado de seu novo relacionamento com o ator Timothée Chalamet.
Jenner tinha visto algum desses comentários? Na verdade, não, ela respondeu (Só acompanha as publicações relacionadas aos seus negócios.) O assunto estava se aproximando de Chalamet, de maneira desconfortável. “Não sei como me sinto em relação a isso. É que não quero falar sobre assuntos pessoais”, disse, tocando as pontas dos papéis com anotações apoiados sobre os joelhos.
‘Sem arrependimentos’
Durante a entrevista, sua filha de seis anos entrou algumas vezes na sala. Quando me despedi, ela ficou surpresa por eu saber seu nome. “Todo mundo sabe. Você é uma superestrela”, disse Jenner a ela.
Depois, ela me pediu que as falas de sua filha não fossem citadas. “Não podemos fazer isso com ela. Ela é inocente. Vem aqui sem saber que estamos em uma entrevista, solta frases, e depois as publicam. Tem seis anos. É minha responsabilidade protegê-la.”
Informações recentes da Kardashian Data Koalition, grupo de profissionais de tecnologia e dados, descobriram que Jenner reduziu as postagens a respeito de seus filhos em 47% de 2022 a 2023, mesmo que tenham lhe rendido, em média, o maior número de curtidas.
Jenner não parou totalmente de compartilhar fotos de família ou de levar os filhos a eventos públicos – ela e a filha compareceram a dois desfiles de moda em janeiro. “Mas quero que essa exposição esteja sob meu controle. Desde meus nove anos, as pessoas se metem na minha vida”. E ao longo dos 17 anos seguintes se deparou com toda uma vida de escândalos.
Reprovações por ser chamada de bilionária e depois por perder esse título. Críticas por sua resposta à tragédia do Festival Astroworld, em Houston. Acusações por “apropriação da cultura negra” e por plágio de outras marcas, e repreensões similares feitas às suas irmãs. O julgamento por ser relacionada a um homem mais velho quando era menor de idade, por contaminar o planeta com seu avião e por promover padrões de beleza irreais – por mais que ela também tenha sofrido a pressão desses ideais inalcançáveis.
“Desde o início, seu atrativo era o espetáculo”, comentou MJ Corey, psicoterapeuta que usa um pseudônimo e aplica a teoria da mídia – campo de estudo que analisa a forma como a mídia de massa afeta a sociedade e é afetada por ela, pela cultura, pela política e pelos indivíduos – aos assuntos da família no Kardashian Kolloquium – contas no Instagram, no TikTok e, mais recentemente, no YouTube, nas quais ela ajuda a desmistificar os Kardashians de uma perspectiva acadêmica.
“Não vimos a puberdade passar. Vimos um antes e depois muito marcantes. Acho que isso foi muito impactante, essa transição tão radical da infância para a idade adulta, que talvez também tenha incentivado as pessoas a se sentirem no direito de consumi-la”. É provável que o processo de envelhecimento de Jenner se torne um espetáculo semelhante – e isso já está acontecendo.
Durante nossa entrevista, Jenner contou que vira seu sobrinho mais velho completar nove anos e reexaminara a própria experiência de ser filmada nessa idade. “Para ser justa, minha família não sabia o sucesso que isso faria. Acho que, se pudesse prever, talvez pensasse duas vezes em minha aparição tão jovem no programa”, comentou, referindo-se ao reality show Keeping Up with the Kardashians.
Na manhã seguinte, em uma ligação com Kris Jenner, pedi sua opinião. “Não me arrependo de nada. Acredito que tudo acontece por uma razão”. Ela passou os últimos seis anos admirando a abordagem de sua filha da maternidade, dizendo a ela: “‘Gostaria de ter sido tão presente quanto você'”, contou Kris.
Dada a avalanche de novos produtos de Kylie Jenner – e os que suas irmãs certamente lançarão ao mundo inteiro este ano –, perguntei à sua mãe se a família poderia chegar a um ponto de “já chega”, no que diz respeito a acordos de marca e à construção de um império. “Minha opinião pessoal sobre trabalho e carreira é que isso realmente te mantém jovem”, respondeu. E mencionou Iris Apfel, a personalidade da moda de 102 anos que, segundo seu entendimento, acreditava que o segredo da longevidade é nunca parar de trabalhar. (Apfel morreu no dia seguinte à nossa conversa.) “Não existe limite para o que podemos fazer”, afirmou Kris Jenner.
Há oito anos, Kylie Jenner disse à revista Interview que, aos 30 anos, queria viver em uma fazenda em Malibu, criando galinhas. Desde então, comprou galinhas – e fez uma horta mantida por “senhoras muito simpáticas” que abastecem sua cozinha com a “bênção” de frutas e de legumes, incluindo a quincã cortada em fatias que foi colocada na minha água com gás. No espírito de sua mãe, Kylie Jenner desde então mudou de ideia. “Tenho muitos anos pela frente”, disse.
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