Provavelmente, Pablo Picasso não estava pensando em degeneração macular quando disse: “Toda criança é um artista. O problema é como permanecer crianças enquanto crescemos”.
Mas a afirmação aplica-se perfeitamente a Serge Hollerbach, 94, artista de origem russa de Manhattan, que não parou de pintar apesar da perda da visão causada por degeneração macular.
Acredita-se que, até 2020, a doença deverá afetar cerca de 200 milhões de pessoas no mundo todo - normalmente reduzindo sua visão central e deixando a maioria legalmente cega, mas com alguns resquícios de percepção visual.
Quando a visão de Hollerbach começou a se deteriorar em 1994, sua obra passou do realismo, com uma dose de expressionismo, para algo mais abstrato. Formas definidas deram lugar a algo mais fluido. As cores mudaram, de esmaecidas tornaram-se brilhantes. Ele foi abandonando o perfeccionismo rígido à medida que sua vista se tornava mais embaçada, “como água nos olhos depois de nadar”, ele disse.
“É uma espécie de segunda infância”, observou Hollerbach, explicando a mudança de sua pintura. “Você não tem nada a perder em brincar. Nada a perder é uma espécie de nova liberdade.”
As obras anteriores e posteriores à degeneração macular de oito artistas, incluindo Hollerbach, Lennart Anderson e Hedda Sterne, são o foco em “The Persistence of Vision”, na universidade de Cincinnati. A mostra, que vai até 29 de julho, explora a versatilidade de artistas que adaptaram os seus estilos à perda da visão.
“As últimas obras são belas”, disse Brian Schumacher, um curador da mostra. “Elas se destacam por si mesmas como obras de arte visual viáveis, legítimas, maravilhosas”.
Uma tarde, em seu ateliê, Hollerbach segurou uma caneca de plástico bem perto do seu rosto. “Este é azul, não é?” perguntou a si mesmo. E continuou criando uma cena de praia. Foi um processo de idas e vindas enquanto ele colocava a tela sobre uma mesa plana para aplicar tinta acrílica de modo a não escorrer. “Na realidade, não sei o que estou fazendo”, admitiu, acrescentando: “Vou ver isto mais tarde”.
Entre os outros artistas da mostra está David Levine, cujo quadro “The Last Batttle” é uma obra incompleta que se seguiu à perda de visão do pintor. Em lugar de rostos detalhados como os dos seus primeiros trabalhos, ele se ateve às silhuetas, e abandonou os detalhes.
Ele usou traços e mais traços de carvão, lutando com suas novas limitações, disse o filho Matthew, que viu a peça tomar forma por volta de 2004, enquanto a visão do pai declinava.
A mostra é uma extensão do Projeto Visão e Arte, financiado pela Fundação Americana da Degeneração Macular. “É bom para os outros artistas saberem que estes recursos estão disponíveis para que eles não se sintam isolados”, disse A’Dora Phillips, a diretora do projeto. “A Persistência da Visâo” é a prova de que a perda da vista não acaba necessariamente com a obra de um artista.
A visão de Thomas Sgouros se deteriorou rapidamente em seis meses, em 1992, e houve vezes em que ele pensou em pôr fim à vida, segundo o catálogo da mostra. Mas nos 20 anos de vida que lhe restaram, acabou adaptando o seu estilo. Para criar a série “Remembered Landscapes”, horizontes de sonho com cores crepusculares, ele sentia onde devia usar o pincel na tela usando fita adesiva e um esquadro e encontrava as cores mantendo-as na mesma formação na paleta.
Quando William Thon se tornou legalmente cego, em 1991, havia pintado tantos barcos, aves e árvores que pôde continuar fazendo isto “com o tato e o instinto”, disse Carl Little, um crítico de arte que o viu trabalhar em 1997. Em lugar dos pincéis, ele usava os dedos para sentir enquanto produzia, e simplificou sua paleta, deixando apenas o preto e o branco, criando gradações consideráveis.
Quando a degeneração macular afetou Lennart Anderson, no início dos anos 2000, as linhas da sua obra se abriram, e os detalhes se reduziram. A gradativa adaptação à perda de visão pode ser vista em sua pintura acrílica em larga escala “Idylls 3”, que está na mostra. Ele começou a peça em 1979 e a concluiu em 2011, muito depois de não poder mais distinguir as cores de sua paleta porque sua visão se apagara.
Revendo a série “Idylls”, o crítico de arte, Hilton Krmer, falecido, escreveu em 2001, “Em um mundo da arte mais saudável do que o nosso, os museus brigariam pela honra de montar uma grande retrospectiva da obra de Anderson”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.