PUBLICIDADE

A vida dos barbeiros influenciadores que lucram mais de R$ 480 mil por ano com fama nas redes

Esses autoproclamados “arquitetos do estilo” trabalham em estreita colaboração com celebridades, postam regularmente no Instagram levando o que pode ser um trabalho monótono a novos níveis

PUBLICIDADE

Por Kurtis Lee

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu me sento em uma cadeira de couro confortável neste espaço movimentado ao lado de uma pequena loja de pisos. O som das tesouras ecoa pela sala inteira. Jay Organez passa uma capa pelos meus ombros e pega um pente, passando-o pelo meu cabelo enquanto descrevo o corte que quero: um pouco mais curto no topo com um degradê nas laterais.

O Sr. Harris cortando o cabelo do astro do Golden State Warriors, Draymond Green, no Chase Center, onde os Warriors jogam. Foto: Jim Wilson/The New York Times

PUBLICIDADE

Examino a barbearia do norte da Califórnia - 22 cadeiras em semicírculo ao redor da sala, algumas das estações individuais com a conta do Instagram de um barbeiro escrita acima do espelho. Uma foto emoldurada do ex-presidente Barack Obama está pendurada em uma parede, e a TV exibe os destaques de um recente jogo de basquete do Golden State Warriors.

Mas o volume está baixo e, por isso, ouço trechos de conversas - descrições rápidas dos cortes desejados, seguidas de referências leves à política (Donald Trump concorrendo à presidência - de novo!), aos esportes (LeBron James ultrapassando Kareem Abdul-Jabbar no recorde de pontos na carreira na NBA) e à vida (um jovem de 20 e poucos anos se mudando para a casa da namorada).

Reconheço instantaneamente a atmosfera - uma confiança construída ao longo do tempo nas cadeiras aqui da KJ’s Barber & Hair Creationz que soa quase idêntica ao que aconteceu alguns dias antes nos vestiários da NBA e nas suítes de hotéis cinco estrelas.

Bem-vindo ao mundo dos barbeiros influenciadores, no qual um pequeno grupo de empresários habilidosos e experientes, como Lionel Harris, o dono da KJ’s, conhecido como Brownie Blendz, construiu a confiança de uma clientela exclusiva e muitas vezes extremamente discreta e usou esse acesso para formar a própria marca e fechar acordos de patrocínio. Harris, por exemplo, tem um papel recorrente em The Shop Uninterrupted, programa do YouTube que apresenta convidados em uma barbearia fictícia falando sobre sua vida pessoal e o mundo ao seu redor; James é um dos produtores executivos. (Além disso, um programa semelhante está disponível no HBO Max.)

Impulsionados pelas redes sociais e recomendações boca a boca entre os VIPs, os barbeiros transformaram o que antes era um trabalho fixo, monótono e com salário modesto - um grupo comercial estima que os barbeiros nos Estados Unidos ganham US$ 36 mil por ano, em média - em um salário de seis dígitos (ao menos US$ 100 mil, mais de R$ 480 mil), muitas viagens e uma trajetória da periferia para o mundo das celebridades e dos atletas profissionais.

Para observar como essa profissão evoluiu com o estrelato nas redes sociais, ao longo de um mês segui três barbeiros famosos - Harris, de 44 anos, Marcus Harvey, de 40, e Vince Garcia, de 36 - em compromissos em Salt Lake City, Atlanta, San Francisco e Los Angeles, observando como entravam e saíam da vida de seus clientes famosos. Embora seus clientes, como os de muitos barbeiros, possam querer vê-los semanalmente ou duas vezes por mês, a diferença é que eles vão até sua clientela VIP, de modo que, essencialmente, estão sempre de plantão.

Publicidade

Mesmo que as redes sociais tenham mudado o escopo e a localização do trabalho de barbeiros famosos, eles afirmam que sua busca ainda se fundamenta no desejo de abrir um caminho econômico próprio.

Só que, agora, esse caminho não está preso a um único local. Harvey, que vive a quatro horas de avião de Atlanta, pendurou uma capa de barbeiro em uma cadeira de frente para o espelho, no banheiro forrado de mármore, e meticulosamente colocou suas tesouras e lâminas de barbear no balcão. Era o início do NBA All-Star Weekend em Salt Lake City, e ele estava montando uma barbearia improvisada em sua suíte no Grand America Hotel.

Lionel Harris, um barbeiro conhecido como Brownie Blendz, no set de “The Shop Uninterrupted”. Foto: Kim Raff/The New York Times

Enquanto mexia em suas tesouras douradas, ouviu uma batida suave à porta e, então Grant Hill, membro do Hall da Fama, entrou na sala. “E aí, meu irmão? Está pronto para a ação?”, perguntou Hill, cumprimentando seu barbeiro de longa data. “Sim. Vou dar um trato em você”, respondeu Harvey, guiando-o em direção ao banheiro.

Poucas horas antes, Harvey havia feito uma audiência no saguão do hotel, cumprimentando Spike Lee e gravando vídeos que mais tarde postaria para seus 96 mil seguidores no Instagram.

PUBLICIDADE

Um dos vídeos mostrava uma visão de picos cobertos de neve e logo depois cortava para uma foto em close-up de tesouras pretas da Bevel, empresa de produtos de cuidados para homens que tem um contrato com Harvey há uma década. Em outra publicação no Instagram do All-Star Weekend, ele escreveu: “Um barbeiro não se limita a cortar cabelo: muda os processos de pensamento. Engenheiro da elegância, arquiteto do estilo, doutor em valores.”

Quando viaja - em geral, pelo menos uma vez por semana -, Harvey segue uma rotina precisa. Voa na Delta Air Lines e escolhe um assento à janela, normalmente na primeira classe. Usa o FaceTime no hotel para conversar toda noite com seus filhos pequenos, Nova e Kingsley, e sempre acomoda seus suprimentos na mesma bagagem de mão: “Minha barbearia está na minha mala.”

Brincando com seu filho, Kingsley. Harvey disse que seu trabalho lhe rendeu cerca de US$ 500.000 por ano. Foto: Audra Melton/The New York Times

Harvey, que cresceu em Atlanta, conseguiu seu primeiro emprego na adolescência varrendo uma barbearia nos arredores da cidade. Por fim, começou a cortar cabelo e a construir um nome entre os barbeiros locais. Em 2010, teve sorte. Um mentor em cuja barbearia ele trabalhava, Ramsey Shepherd, fez com que entrasse em contato com Nasir Jones, rapper vencedor do Grammy mais conhecido como Nas. Era uma e meia da manhã, e Shepherd, que geralmente cortava o cabelo de Nas quando o rapper ficava em Atlanta, não estava disponível, de modo que Harvey assumiu o trabalho. “Esse momento realmente abriu muitas portas”, disse ele, que viajou com Nas este mês em uma turnê na Austrália.

Publicidade

Chris Webber, ex-All-Star da NBA, havia se mudado recentemente para Atlanta para iniciar uma carreira como comentarista na TNT e precisava de um corte de cabelo. Nas, amigo próximo, indicou Harvey, que rapidamente conquistou Webber com suas habilidades precisas, sua oferta infinita de piadas e sua compreensão inata de que as pessoas famosas querem um corte longe dos holofotes. “Essa foi minha introdução ao mundo dos atletas da NBA. A ideia é realmente cultivar e construir essas conexões”, comentou Harvey.

No ano passado, passou várias semanas na Europa com Nas durante sua turnê mundial e, atualmente, às vezes atende o rapper em Nova York e em Los Angeles. É uma realidade além do que imaginava. “Um sonho”, resumiu Harvey.

“The Shop” costuma apresentar convidados famosos como LeBron James, que é produtor executivo. Foto: Kim Raff/The New York Times

Portas abertas

Quando cheguei ao set de “The Shop Uninterrupted”, na gravação de um episódio em Salt Lake City durante o All-Star Weekend, Garcia e Harris já estavam trabalhando.

Para Harris, que é uma figura influente na cultura negra da barbearia na Área da Baía há anos, foi seu principal cliente - Draymond Green, o astro dos Warriors - que ajudou a abrir muitas portas. Green encorajou os produtores a colocar Harris em “The Shop Uninterrupted”, no qual ele já apareceu ao fundo cortando o cabelo de celebridades que participaram do programa, incluindo Jimmy Kimmel e Jack Harlow.

Em uma manhã recente, de volta à Área da Baía, Harris percorreu os corredores estreitos do Chase Center, a arena dos Warriors na cidade. Faltavam seis horas para o início da partida dos Warriors contra os New Orleans Pelicans, e Green estava sentado em uma minibarbearia do lado de fora do vestiário. “Como negro, ter um barbeiro de quem você é próximo significa o mundo. Conversamos sobre tudo: casamento, paternidade, ser uma pessoa melhor”, disse Green.

"A exposição do programa eleva tudo", disse Garcia, que trabalha em Maverick Carter, produtor executivo de "The Shop". Foto: Kim Raff/The New York Times

A KJ’s, que significa Keeping Jesus (Guardando Jesus), fica a cerca de uma hora de carro do luxuoso Chase Center, em Tracy, na Califórnia. Harris abriu a loja em 2009, um ano antes da criação do Instagram. “Estas são minhas raízes”, comentou enquanto me mostrava a loja uma tarde.

Harris estava com pressa, mas deu uma olhada na sala, no semicírculo de cadeiras que marcou sua vida profissional pré-Instagram, nas paredes que agora exibem fotos em que promove seus produtos para o cabelo. Apontou para a cadeira de Jay Organez e me sentei.

Publicidade

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.