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A vida na depressão pós-parto: quatro mulheres contam suas experiências

O ‘The New York Times’ conversou com mulheres que passaram pela doença, que também contam como superaram o processo

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Por Catherine Pearson

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Se você der à luz um bebê nos Estados Unidos em 2023, é provável que receba informações sobre depressão pós-parto no processo - talvez de seu médico ou sua parteira, talvez de uma celebridade ou nas redes sociais.

Mas, para muitas mulheres, a depressão pós-parto é chocantemente isoladora - misto de tristeza, desesperança e sobrecarga que decorre não só do tumulto hormonal da gravidez e do período pós-parto, mas de muitos outros fatores de estresse, como a falta de licença remunerada, a oferta insuficiente de cuidados com os filhos e a responsabilidade impressionante de cuidar de um ser humano novo e indefeso.

Allie Strickland lidou com depressão pós-parto e ansiedade pós-parto desde o nascimento de seu primeiro filho. Foto: Travis Dove/The New York Times

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A condição, que pode surgir a qualquer momento durante o primeiro ano pós-parto - e que é diferente do “baby blues”, que dura relativamente pouco e que a maioria das mulheres experimenta logo depois do nascimento do bebê -, é agora reconhecida como uma das complicações mais comuns do parto. Afeta uma em cada oito novas mães, e os problemas de saúde mental são uma das principais causas de morte relacionada à gravidez nos Estados Unidos, principalmente por suicídio e overdose de drogas.

Hoje, existem mais opções de tratamento para a depressão pós-parto, incluindo o primeiro medicamento projetado especificamente para tratá-la. Mas fatores como o estigma e o diagnóstico inadequado impedem que muitas mães obtenham ajuda. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças estima que cerca de 20 por cento das mulheres não foram questionadas sobre a depressão durante uma consulta pré-natal, e mais da metade daquelas com depressão pós-parto continuam sem tratamento.

Recentemente, o The New York Times passou algum tempo com quatro mães que estavam sofrendo de depressão pós-parto. Em seus depoimentos, elas deram uma ideia nítida e íntima de suas experiências.

As conversas foram editadas e condensadas para maior clareza.

“Sinto que estou funcionando melhor a cada mês que passa”, disse Strickland. “Mas preciso que nossos dias sejam seguros e previsíveis.”  Foto: Travis Dove/The New York Times

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A história de Allie

O nascimento do meu filho estava previsto para o fim de setembro, mas no fim de agosto comecei a ter contrações. Acho que entrei em negação, tipo: não, não é possível que ele esteja nascendo tão cedo. O parto em si não foi uma boa experiência. Eles o aninharam no meu peito e só tive tempo de tocar suas costas e de perceber: “Ah. Esse é o meu bebê.” Então o levaram. Eu estava tão transtornada que fiquei perguntando: “Onde ele está? O que está acontecendo?” Meu corpo inteiro foi tomado pelo pânico. Mas eles o devolveram para mim, e senti sua pele contra a minha.

No nosso segundo dia no hospital, tive o baby blues. Eu começava a chorar ao olhar para o bebê durante muito tempo. Quando tinha de entregá-lo ao meu marido para ir ao banheiro, começava a chorar. Assim que chegamos em casa, coloquei o berço o mais perto possível da nossa cama e, mesmo assim, ficava acordada, só olhando para ele. À noite era pior. Assim que anoitecia, eu começava a sentir uma insegurança intensa: quanto vamos dormir esta noite? E se dormirmos e alguma coisa acontecer? Tínhamos os monitores Owlet e Nanit e, mesmo assim, eu ficava ali ouvindo ele respirar. Não conseguia desviar o olhar.

Comecei a trabalhar com um terapeuta antes de engravidar e eu sabia que corria um risco maior de transtornos mentais pós-parto porque tinha um histórico de ansiedade e depressão. Depois de três semanas, minha medicação foi ajustada. Ajudou um pouco, mas eu sempre ficava com medo de alguma coisa. Será que ele está mamando o suficiente? E se acontecer alguma coisa enquanto estivermos ocupados?

Em sua consulta de um mês com o pediatra, preenchi um daqueles questionários que verificam problemas de saúde mental pós-parto e sabia que minhas respostas seriam um grande sinal de alerta, tipo: “Ah, definitivamente precisamos falar com essa senhora.” Mas nunca disseram nada.

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Há dois meses, encontrei uma nova terapeuta que trabalha especificamente com mães no pós-parto. Eu a vejo duas vezes por mês, e, como seu consultório é adequado para bebês, posso levá-lo. Não foi uma cura total nem nada perto disso, mas ela me deu algumas ferramentas para me ajudar a controlar a ansiedade. Uma delas é uma lista de perguntas que posso fazer a mim mesma para tentar identificar: esse pensamento tem base lógica? Base emotiva? Qual a probabilidade de isso realmente acontecer?

Isso me mostrou que outras mães também experimentam pensamentos intrusivos - elas ficam preocupadas quando chegam na beira de uma escada, achando que vão cair e derrubar o bebê, ou que algo vai acontecer enquanto estão dirigindo. Mas a terapeuta me ajudou a entender que certos sentimentos, só porque são comuns, não são “normais”.

“Duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo: você pode se sentir grato pela vida que recebeu e por criar mais um filho que tanto desejou”, disse Carrie Keefe. “Mas você também pode sentir que é muito, muito difícil.” Foto: Sophie Park/The New York Times

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A história de Carrie

Tentamos, durante cerca de cinco anos, engravidar de Lily. Tive vários abortos espontâneos e incontáveis gestações químicas. Acho que a infertilidade secundária causou um tipo de trauma. Entrei nessa gravidez pensando: estou muito grata por isso. Tenho de absorver cada segundo dessa situação. E, no mês seguinte ao nascimento dela, eu me sentia eufórica. Mas depois - e odeio dizer isso - parecia que a magia dessa coisa toda tinha acabado. Tudo começou a parecer muito, muito pesado.

Comecei a consultar um terapeuta especializado em perda e infertilidade por volta do quarto ou quinto mês de gravidez. Eram sessões on-line, por intermédio da BetterHelp. Nosso seguro não cobria, mas eu tinha um cupom que garantia uma porcentagem de desconto em sete sessões. Em retrospectiva, eu deveria ter continuado, mas me lembro de perguntar ao meu marido: “Podemos pagar US$ 350 por mês?” Era como ter de pagar outra prestação do carro.

Tenho uma empresa de fabricação de gorros de bebê, e nunca parei realmente de trabalhar. Tirei três semanas de folga depois que o bebê nasceu - se eu não voltasse a trabalhar, não conseguiríamos pagar nossa hipoteca. Tive a ideia de levar o bebê comigo para o trabalho, mas não pensei no fato de que, no fim do dia, volto para casa e tenho duas crianças cheias de energia que também precisam de mim.

Carrie Keefe disse que as coisas “melhoraram drasticamente” desde que ela começou a tomar remédios para controlar sua depressão.  Foto: Sophie Park/The New York Times

Eu me sinto exausta, como se não fosse digna da vida que antes amava. No trabalho, a impressão que tenho é que estou fazendo o mínimo. É como se eu tivesse perdido completamente minha paixão por fazer o que amo. Em casa, pareço um zumbi. Minha filha de sete anos adora fazer projetos artesanais comigo, coisa de que eu gostava muito quando estava grávida. Mas, durante a depressão pós-parto, isso parece mais uma obrigação penosa. O fato de eu sentir que não consigo participar totalmente da minha família, ou do trabalho que amo, meio que adiciona outro nível de depressão, além das questões hormonais.

Algumas semanas atrás, muita coisa me passou pela cabeça: tenho esse bebê aqui que está me impedindo de trabalhar, mas, se conseguisse trabalhar, eu poderia ganhar mais dinheiro. Era uma bola de neve de frustração e raiva. Liguei para meu marido: “Preciso que você volte para casa agora.” Ele largou tudo e voltou. Eu estava gritando e chorando, e ele pegou o bebê para me dar um tempo. Dormi durante umas cinco horas. Depois disso, falei com minha mãe e ela me disse que achava que eu precisava falar com alguém.

Consultei meu ginecologista, que me receitou Zoloft e me fez entrar em contato com uma assistente social que disse que me providenciaria uma terapia, mas que isso levaria de quatro a seis semanas. Fiquei chocada, mas também pensei: bom, talvez eu não mereça essa ajuda de fato. Se vai demorar seis semanas, então claramente tem gente por aí que precisa mais do que eu.

Para mim, a depressão parece um peso físico - como se eu pudesse simplesmente tirá-la de mim, arrancá-la do meu peito.

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“É importante que o estigma da depressão e da ansiedade não seja tão negativo”, disse Janelle Jones. “As pessoas recebem tratamento para diabetes, pressão alta, câncer – é a mesma coisa.”  Foto: Natalie Keyssar/The New York Times

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A história de Janelle

Tive um pouco de depressão quando tive meu primeiro filho. Fiz tratamento, mas sinto que meio que demorou - e com a segunda gravidez voltou com força total. Acho que só tive certeza por volta da sexta semana pós-parto. Meu parceiro notou antes de mim - ele comentou: “Janelle, acho que está acontecendo de novo.”

Foi então que também comecei a perceber: meu Deus, em breve vou ter de voltar a trabalhar. Sou enfermeira e isso sempre foi parte da minha identidade, mas comecei a pensar: “Não quero mais exercer a profissão. Esqueça a licença.”

Eu não conseguia me concentrar nas coisas. Estava superestimulada e muito irritada - com meu parceiro e com minha família. Eu pensava: é muita coisa. Será que eu queria mesmo isso? Parecia avassalador. Eu sentava no sofá e só assistia à Netflix. Tentava me levantar e fazer alguma coisa, mas parecia que estava presa.

A Sra. Jones experimentou depressão pós-parto com duas gestações. Seu parceiro reconheceu que isso estava acontecendo novamente após a chegada de seu segundo filho, Ava. Foto: Natalie Keyssar/The New York Times

Comecei a frequentar uma terapeuta que trabalha na clínica do meu obstetra. Não estava indo muito bem, mas ela me falou sobre um lugar chamado The Motherhood Center, que oferece cuidados mais intensivos. Você fica lá das dez da manhã às três da tarde. Eu sabia que precisava de ajuda, mas também pensei: “Será que estou tão mal assim, para recorrer a esse tipo de ajuda?” Foi difícil aceitar que eu necessitava de ajuda para restabelecer a saúde mental. Participei do programa de dezembro a fevereiro.

Alguns meses depois que o bebê nasceu, tive o desejo de não querer mais estar aqui. Era essa sensação de desgraça iminente, como se alguma coisa ruim fosse acontecer. Nunca falei sobre isso quando estava acontecendo porque tinha vergonha. Como você diz isso em voz alta? Um medo que você tem é: “Vão tirar meus filhos de mim?” Há um estigma em tudo isso - mesmo nesta entrevista.

Estou tomando Prozac e continuo a fazer terapia - e estou melhor, embora ainda tenha semanas difíceis. Quero que as pessoas saibam que a maternidade é complexa e linda. Acho que fazer tratamento e estar vulnerável é muito importante. Porque é na vulnerabilidade que você consegue avançar.

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Shivani Hiralal se juntou a um grupo de apoio à gravidez e pós-parto por meio do Postpartum Support International, que ela disse ser uma fonte de conforto, conectando-a com outras mães. Foto: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

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A história de Shivani

Tive muitos problemas de fertilidade: tentamos durante um ano, e então sofri um aborto espontâneo. Em seguida, tive uma gravidez ectópica que levou quase três meses para ser diagnosticada, e depois levamos um ano inteiro para engravidar de novo. Então, um mês antes de nosso filho nascer, meu marido desenvolveu uma pneumonia fúngica. Precisei reanimá-lo, e ele foi internado e intubado. Acho que tudo isso contribuiu para o que vivi no pós-parto.

Tive muita dor no pós-parto, a tal ponto que não conseguia me sentar na cama, e estava muito, muito exausta. Além disso, estava tendo dificuldade para amamentar - o bebê não pegava o bico. Quando chegou a hora da primeira consulta com o pediatra, pedi que meu marido e minha mãe o levassem, porque eu não conseguia me mexer, não conseguia me sentar, estava tudo desconfortável. Chorei o tempo todo em que estive sozinha. Eu me senti uma mãe fracassada.

Toda vez que Rishav mamava no peito, eu começava a chorar. Eu me sentia mal por ter de alimentá-lo a cada duas horas. Sabia que ele dependia de mim para comer, mas estava me machucando e não mamava o suficiente; achava que era demais para mim. Comecei a usar uma bomba de extração de leite, mas tinha muita culpa, dor e vergonha em relação à amamentação. Eu não sentia uma ligação imediata e instantânea com ele. Tive momentos - não longos períodos, e nada que eu achasse que poderia fazer - em que me perguntei se meu filho ficaria melhor sem mim. Será que eu não era uma boa mãe? Não fui feita para ser uma boa mãe?

“A única maneira de priorizar minha recuperação foi porque tive muito apoio em casa de meu marido e de meus pais, que ficaram conosco depois que o bebê nasceu”, disse Hiralal. Foto: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

Por volta de quatro ou cinco semanas depois do parto, consultei minha terapeuta (eu já tinha feito terapia antes, e marquei a consulta quando ainda estava grávida) e disse a ela: “Estou chorando o tempo todo. Não acho que seja o baby blues.”

No meu check-up pós-parto de seis semanas, algo ainda parecia errado fisicamente. Eu ainda sentia muita pressão, e não sabia se eram meus pontos ou outra coisa. Minha ginecologista me encaminhou para um fisioterapeuta do assoalho pélvico e para um uroginecologista. Aí ela começou a se arrumar para sair da sala e eu disse: “Espera! Antes de ir, preciso falar com você sobre uma coisa, que é minha saúde mental.” E foi nesse momento que comecei a chorar. Ela me agradeceu por eu ter tocado no assunto e comentou que, por estar sempre tão ocupada, nem sempre consegue perceber.

Tive uma infecção urinária e o uroginecologista me diagnosticou com prolapso, tanto do útero quanto do reto. Como, felizmente, meu marido tem um ótimo plano de saúde, pude consultar um fisioterapeuta do assoalho pélvico.

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Por volta dos nove meses, comecei a me sentir muito melhor emocionalmente. Acho que muito disso teve a ver com o fato de que eu estava finalmente me sentindo muito melhor do ponto de vista físico. Ainda estou em processo de cura, mas, agora que meu filho está completando um ano, eu olho para trás e encaro toda essa experiência com admiração. Penso: “Uau. Progredi muito. Acho que há uma mensagem de esperança aqui.”

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