Após avanços do #MeToo, o medo durou pouco em Hollywood

Movimento levou a uma maior diversidade e representação na indústria do entretenimento, mas agora existe a preocupação de que executivos tenham voltado sua atenção para outros lugares

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Por Brooks Barnes

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - O segundo julgamento dos crimes sexuais de Harvey Weinstein começou em outubro em Los Angeles. She Said, filme sobre a investigação jornalística que o derrubou e ajudou a inflamar o movimento #MeToo, chega aos cinemas em 8 de dezembro. A Mulher Rei estreou com sucesso de bilheteria em setembro, com Viola Davis dizendo que pensou no homem que a agrediu sexualmente para potencializar seu desempenho visceral como líder de um grupo feminino de guerreiras africanas.

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A convergência é um lembrete de como o #MeToo abalou Hollywood.

Isso ajudou a desencadear um acerto de contas mais amplo na indústria do entretenimento em torno da diversidade, equidade e inclusão em ambos os lados da câmera - quem pode fazer filmes, quem pode ser o assunto deles. Os ativistas dizem que os estúdios e os sets de filmagem foram permanentemente alterados para melhor. A tolerância zero para assédio sexual e discriminação no local de trabalho é real.

Nos últimos meses, no entanto, a cultura empresarial de Hollywood começou a regredir de maneiras sutis.

Novos problemas - cortes de custos generalizados à medida que as bilheterias continuam lutando, negociações de contratos sindicais que os produtores temem que resultem em uma paralisação das filmagens - tornaram-se uma prioridade mais alta. Temendo uma retaliação, as empresas de mídia que falaram sobre o #MeToo e o Black Lives Matter ficaram mais quietas em debates políticos mais recentes sobre questões culturais.

Tudo como antes...

Executivos pela diversidade, equidade e inclusão dizem que estão exaustos por uma rede de homens velhos que está continuamente tentando se reconstituir: mulheres que foram contratadas para grandes empregos e consideradas exemplos triunfantes de uma nova era foram deixadas de lado, enquanto alguns dos homens que foram marginalizados por acusações de má conduta estão trabalhando novamente.

Se solicitados a falar oficialmente sobre sua contínua dedicação à mudança, os executivos de Hollywood se recusam ou correm aterrorizados para os termos “continuamos firmemente comprometidos” escritos por publicitários. Mas o que eles dizem em particular é diferente. Alguns voltam à linguagem sexista e racista. Certamente, muito do fervor se foi.

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Este artigo é baseado em entrevistas com mais de duas dúzias de líderes da indústria - incluindo altos executivos de estúdios, agentes, ativistas, profissionais de marketing e produtores - que falaram sob condição de anonimato para discutir abertamente o estado atual do negócio do entretenimento. Eles variam em idade, raça, etnia e gênero.

Acusações de abuso contra o ex-produtor Harvey Weinstein deu origem ao movimento #MeToo, em Hollywood.  Foto: Etienne Laurent/AFP

“Durante três anos, só contratamos mulheres e pessoas não brancas”, disse um executivo sênior de cinema, que, como muitos líderes do setor, é um homem branco. Ele acrescentou que não achava que alguns deles fossem capazes de fazer os trabalhos que conseguiram.

Em conversas silenciosas durante um almoço no Toscana Brentwood e coquetéis no San Vicente Inn, alguns produtores e agentes poderosos começaram a questionar a viabilidade comercial de filmes e séries voltados para a inclusão.

Eles destacaram a fraca venda de ingressos para filmes como Mais que amigos, a primeira comédia romântica gay de um grande estúdio, e Easter Sunday, uma comédia apresentada como um divisor de águas para a representação filipina. Ms. Marvel, uma série realmente adorada do Disney+ sobre uma super-heroína muçulmana adolescente, foi vista com pouca atenção, de acordo com as medições da Nielsen.

“Houve uma correção excessiva”, disse um chefe de estúdio.

Em outro grande estúdio, um alto executivo de produção apontou a implosão da Time’s Up, a organização antiassédio fundada por mulheres influentes de Hollywood, como um ponto de virada. “Por um tempo, todos nós vivemos com medo total”, ele disse. “Esse medo permanece, mas diminuiu. Há mais espaço para o cinza e mais benefício da dúvida e um pouco de acanhamento sobre a pressa dos julgamentos que aconteceram no auge do #MeToo.”

O pêndulo está voltando aos velhos tempos ruins?

“Houve um progresso incrível que não vai desaparecer, e isso não deve ser menosprezado ou negligenciado”, disse Amy Baer, produtora, ex-executiva de estúdio e presidente do conselho da Women in Film, uma organização de advocacy. “Mas há cansaço. É difícil manter o ritmo.”

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As empresas de entretenimento não estão recuando das duras políticas de assédio sexual que foram introduzidas nos últimos anos, em parte porque os membros do conselho estão preocupados com o fato de enfrentarem ações judiciais de acionistas. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas recentemente voltou a se comprometer com sua campanha de diversificação. Apesar de anos de esforços agressivos para convidar mulheres e pessoas não brancas para se tornarem membros, a academia é 66% masculina e 81% branca.

Os estúdios continuam focados em um elenco inclusivo, principalmente a Disney, que tem um filme live-action da Pequena Sereia a caminho com uma atriz negra interpretando o papel-título e um filme da Branca de Neve em produção com uma protagonista latina.

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O momento, no entanto, é enervante, disse Sarah Ann Masse, atriz que aparece em She Said - que é baseado em um livro das repórteres do New York Times Jodi Kantor e Megan Twohey - e que atua em dois comitês de prevenção de assédio sexual para o SAG- AFTRA, o onipotente sindicato dos atores. Em 2017, Masse acusou Weinstein de agredi-la sexualmente em 2008. Ele negou o delito.

“Não sou ingênua o suficiente para pensar que um sistema desigual e muitas vezes opressivo - sim, ainda assim, muito - vai mudar da noite para o dia”, disse Masse. “Ao mesmo tempo, acho incrivelmente frustrante. As pessoas no topo da cadeia alimentar, em particular, parecem ter se distraído com novas preocupações”.

Em agosto, a Warner Bros. Discovery engavetou Batgirl, um filme quase finalizado estrelado por uma atriz latina, apresentando uma atriz transgênero em um papel coadjuvante, escrito por uma mulher, produzido por mulheres e dirigido por dois homens muçulmanos. A Warner Bros. Discovery nunca explicou publicamente sua decisão, mas sinalizou que achou Batgirl sem criatividade.

Dan Lin, produtor cujos créditos incluem Aladdin (2019) e The Lego Movie, estava entre os que inferiram outra coisa. “Não se trata mais de ótica”, disse Lin. “Uma recessão está chegando, os orçamentos estão apertando e estou realmente preocupado que a diversidade seja a primeira coisa a desaparecer.”

Recentemente, a Warner Bros. Television, como parte de um corte de custos mais amplo, encerrou programas de “novas vozes” para escritores e diretores emergentes, provocando uma reação feroz da Directors Guild of America. “A D.G.A. não ficará de braços cruzados enquanto a WB/Discovery busca reverter décadas de avanço para mulheres e diretores negros”, disse a associação em um comunicado.

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Em um dia, a Warner Bros. Discovery se esforçou para esclarecer que, embora os programas de “novas vozes” realmente terminassem, ela planejava expandir os programas de talentos em seu departamento de diversidade, equidade e inclusão.

De volta

Não há mais banimento geral para homens que foram acusados de má conduta. Johnny Depp está dirigindo um filme e ganhou um processo judicial no qual sua ex-esposa, a atriz Amber Heard, o acusou de violência sexual e doméstica. John Lasseter, o titã da animação da Disney e da Pixar, foi derrubado em 2018 por alegações sobre seu comportamento e abraços indesejados e pediu desculpas por “erros” que fizeram alguns membros da equipe se sentirem “desrespeitados ou desconfortáveis”. Ele agora está fazendo filmes de grande orçamento para a Apple TV+. A carreira de ator de James Franco implodiu em 2018 em meio a acusações de má conduta sexual. Quatro anos depois, após um acordo de US$ 2,2 milhões no qual ele não admitiu nenhum delito, ele tem pelo menos três filmes em andamento.

Os estúdios também começaram a correr mais riscos com o conteúdo - através de roteiros, por exemplo, que seriam radioativos em 2018, no auge do #MeToo, ou em 2020, quando o Black Lives Matter estava em destaque na cultura.

Os exemplos incluem Blonde, o drama da Netflix sobre Marilyn Monroe que foi ridicularizado pelos críticos como explorador e misógino. (Apresenta um feto abortado que fala.) A Paramount Pictures está trabalhando em uma comédia musical live-action sobre as reparações do tráfico de escravos; vem de Trey Parker e Matt Stone, as forças criativas politicamente incorretas por trás de South Park e O Livro de Mórmon.

Dois reality shows que glorificavam a polícia, Cops e Live PD, e foram cancelados após o assassinato de George Floyd sob custódia policial, foram reconstituídos. Cops foi escolhido pela Fox Nation, um serviço de streaming da Fox News, e On Patrol: Live, uma cópia mal disfarçada de Live PD, estreou no verão na Reelz, uma rede a cabo.

Ao mesmo tempo, alguns filmes e séries que mostram abertamente a diversidade e a inclusão tiveram dificuldades no mercado ou não conseguiram decolar. A conclusão, pelo menos para alguns agentes e executivos de estúdio: Nós tentamos - esses projetos “conscientes” não funcionam. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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