Artista afegã que fugiu do Taleban mostra Cabul sob nova luz

Hangama Amiri era criança quando saiu do Afeganistão e sua nova mostra recupera espaço para mulheres com trabalhos têxteis coloridos

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Por Ted Loos
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Num momento em que o Taleban está revertendo os direitos das mulheres no Afeganistão, a artista afegã canadense Hangama Amiri criou uma forma de resistência a distância por meio de suas obras têxteis meticulosamente costuradas, agora em exposição no Museu Aldrich de Arte Contemporânea em Ridgefield, Connecticut, nos Estados Unidos.

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As imagens de suas instalações de tecido colorido são inspiradas no passado - baseadas, em parte, em suas memórias de infância em Cabul, no Afeganistão, antes que sua família fugisse para viver como refugiada durante quase uma década. Também são visões de um futuro melhor para as mulheres em seu país natal, que ela visitou quando adulta em 2010 e 2012. “Como artistas da diáspora, estamos sempre em busca de alguma coisa que faça com que nos lembremos de casa”, disse Amiri em seu estúdio em New Haven em uma tranquila manhã de domingo em janeiro.

A criação de suas composições grandes e complexas - processo trabalhoso que, em seus estágios iniciais, envolve muitos alfinetes e pedaços de tecido - também foi uma construção, ou uma reconstrução, do eu: “Estou prendendo e costurando minha identidade.”

Hangama Amiri diz que enfatiza os rostos das mulheres para combater seu “apagamento” pelo Talibã, que não querem imagens femininas exibidas em público. Foto: Sasha Rudensky/The New York Times

Hangama Amiri: A Homage to Home é a primeira exposição individual de Amiri, num momento em que suas obras estão sendo notadas por colecionadores e curadores de outras instituições; seu trabalho de 2022 Still-life With Jewelry Boxes and Red Roses foi recentemente adquirido pelo Museu de Arte de Denver.

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Quem é Hangama Amiri?

Amiri, de 33 anos, é cidadã canadense, mas mora há quatro anos em New Haven, onde fez mestrado em belas-artes pela Universidade Yale. Quieta e tranquila, ela frequentemente responde a perguntas com um sincero “absolutamente”.

A artista não tem medo de ocupar espaço. Várias de suas peças na mostra têm três metros de largura - um dos panos mede oito metros -, envolvendo o espectador na sensação de estar em Cabul.

A maior obra, Bazar (2020), é uma paisagem colorida de lojas, placas e toldos feitos de panos em diversas texturas e brilhos, do tecido do sári ao chiffon e à camurça. Amiri estende cabos entre as obras para dar a sensação de fios telefônicos presentes em um bazar da vida real. “Isso cria um efeito trompe l’oeil. Quero que o público sinta que está lá.”

Em seu estúdio, uma frota de desenhos a lápis de cor estava disposta em uma mesa - o primeiro estágio de sua criação artística. Do outro lado da sala havia recipientes de plástico cheios de amostras de tecidos, muitos dos quais ela encontra em viagens a Nova York, no distrito da moda, onde compra em duas lojas afegãs especializadas em têxteis daquele país.

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Em seguida, ela prende pedaços de tecido à musselina, para ver como sua composição vai se encaixar. Mais tarde, uma assistente a ajuda com a costura, e ela trabalha em seções que abrangem a extensão de um braço estendido, transmitindo sutilmente uma sensação de seu corpo para as obras. Algumas das áreas mais detalhadas, especialmente o rosto das mulheres retratadas, são bordadas à máquina. “Quando você vê isso com milhares de alfinetes, percebe como o processo é trabalhoso. A abordagem geral de Amiri é uma forma de pintar com tecidos”, comentou Amy Smith-Stewart, curadora-chefe do Aldrich e organizadora da exposição.

A colecionadora Carla Shen, de Nova York, viu pela primeira vez o trabalho de Amiri em 2021 na feira de arte Nada Miami, mas tudo que queria já fora vendido. No ano seguinte, na mesma feira, viu Reclining Woman on a Sofa, de Amiri, no estande da Galeria Cooper Cole de Toronto. “Parei na hora”, contou Shen, que é curadora do Museu do Brooklyn e se concentra em colecionar trabalhos figurativos de mulheres e pessoas de cor. Comprou a obra e depois emprestou a peça para a exposição do Aldrich. “Adoro a ideia de que Hangama cria essas obras pessoais, mas elas também desafiam silenciosamente a regra totalitária e opressiva.”

Os desenhos a lápis de cor de Amiri em seu estúdio, a primeira etapa de sua produção artística. Foto: Sasha Rudensky/The New York Times

Trajetória

Amiri tinha sete anos quando sua família deixou Cabul depois da tomada da cidade pelo Taleban, cena que inspirou uma das obras da mostra, Departure, que retrata uma perua com bagagens amarradas no capô. “Tenho péssimas lembranças daquela época, quando fui tirada da escola.”

Quando seu pai partiu para a Europa à procura de trabalho, Amiri, sua mãe e seus irmãos se mudaram primeiro para o Paquistão, e depois para o Tajiquistão, durante um total de nove anos. Todos se reuniram depois de imigrar para Halifax, na Nova Escócia. “Não passei a infância com lápis ou pincel na mão. Éramos uma família pobre de imigrantes. A única coisa que tínhamos era tecido e pedaços de madeira para fazer bonequinhos. Meu material é esse, e essa é minha atividade fundamental.” Sua mãe também costurava, e um tio em Cabul era alfaiate.

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Depois do ensino médio em Halifax, onde um professor a encorajou a seguir a arte, Amiri frequentou a Universidade NSCAD (também chamada Faculdade de Arte e Design da Nova Escócia). Depois de se formar, conseguiu uma bolsa de estudos Fulbright, que usou para fazer pesquisas em Yale.

Quando começou seu MFA (mestrado em belas-artes) em Yale, imaginava que seria pintora. Mas logo percebeu que precisava mudar. “Tive dificuldade em dominar a linguagem da pintura”, confessou. Agora, costuma pintar alguns dos tecidos em suas obras têxteis.

Amiri tem alguns dos maiores artistas contemporâneos modernos entre suas influências, incluindo a lenda pop Claes Oldenburg, que morreu no ano passado. Três das obras no Aldrich são “esculturas suaves”, lembrando o pioneirismo de Oldenburg; no caso de Amiri, elas retratam uma caixa de frutas secas e dois sacos de arroz.

Mas o tom lúdico de Oldenburg está a um mundo de distância do clima das obras de Amiri, com sua combinação de saudade e provocação, especialmente à luz do retorno do Taleban ao poder em 2021. “É o pior país hoje em dia para uma mulher. E vivi essa história.”

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