DJUGU, REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO — A violência não é novidade neste país, mas uma recente onda de combates brutais teve início na província de Ituri, na fronteira com Uganda, aumentando a preocupação com uma possível catástrofe humanitária.
Mais de 260 pessoas morreram e mais de 200 mil abandonaram seus lares desde dezembro num conflito iniciado por uma briga entre jovens de duas comunidades étnicas locais, os Lendu e os Hema.
A missão de paz das Nações Unidas, com 20 mil homens, é a maior mobilizada pela organização no mundo, e descobriu cinco locais onde desconfia-se da existência de valas comuns perto de vilarejos atacados em fevereiro e março, quando a violência chegou ao auge.
Em Ituri, os Lendu e os Hema convivem como vizinhos, com casamentos entre as duas etnias, que falam a mesma língua. Mas há também um histórico comum de conflitos sangrentos.
Uma disputa envolvendo terras há quase 20 anos fugiu do controle, e Ituri se tornou o epicentro de uma grande guerra regional, envolvendo vizinhos estrangeiros como Ruanda e Uganda.
A região de Ituri se manteve pacífica por mais de uma década, mas os ressentimentos locais (especialmente envolvendo a questão das terras) nunca foram resolvidos.
Embora muitas das vítimas dos ataques deste ano sejam Hema, especialistas dizem que esta onda de violência não segue o padrão habitual de assassinatos com motivação étnica e represálias.
“Não se trata de um conflito étnico tradicional no sentido de não serem duas comunidades que sempre se detestaram e seguirão matando, mutilando e estuprando uma à outra por serem Lendu e Hema”, disse Séverine Autesserre, especialista em assuntos do Congo da Barnard College, em Nova York.
De acordo com os sobreviventes, em alguns casos os atacantes falavam idiomas de outras regiões. Em outras situações, os atacantes eram Lendu, mas ninguém sabe qual é a motivação deles.
Muitos dos ataques foram realizados com armamento novo e equipamento de comunicação caro, indicando que os agressores recebem algum tipo de apoio.
Uma explicação popular para a violência diz que o presidente Joseph Kabila e seus aliados querem desestabilizar a região para adiar as eleições nacionais marcadas para dezembro. O mandato de Kabila se encerrou há dois anos, e ele permaneceu no cargo ilegalmente.
Outra teoria diz que participantes estrangeiros renovaram seu interesse pelos recursos da região. O que está claro é o grau da destruição. Até meados de março, homens armados tinham incendiado pelo menos 120 vilarejos, saqueando e estuprando durante os ataques, de acordo com a ONU. A maioria dos moradores conseguiu fugir.
Grace Mave, 12 anos, sobreviveu por pouco ao ataque ao seu vilarejo, localizado perto de Bunia, capital da província, em meados de fevereiro. Grace testemunhou homens armados estuprando e matando sua mãe, grávida.
Os homens também mataram os irmão de Grace, que tinham 3 e 4 anos, deceparam sua mão esquerda e cortaram a nuca dela com um facão. Durante quase 24 horas, ela permaneceu no chão, fingindo-se de morta.
Nas margens do Lago Albert, 42 pessoas foram mortas em três vilarejos em um único dia no mês passado. De acordo com relatório recente da missão de paz da ONU, as forças de segurança do Congo responderam a apenas 10 dos 70 ataques realizados entre fevereiro e meados de março.
Singo Lodja, 54 anos, que vive no maior campo de desabrigados de Bunia, disse temer que os agressores ainda estejam armados. “Não podemos voltar", disse ele.
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