THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Anthony Carrigan subiu ao palco pela primeira vez aos sete anos. E estava apavorado. O medo debilitante do palco, com o qual lutaria durante décadas, faria com que a maioria das crianças pensasse em outra carreira. Mas Carrigan, astro da série cômica Barry, da HBO, não era como a maioria das crianças.
Porque, mesmo naquela primeira vez, ele sentiu algo além do terror. Diagnosticado aos três anos com alopecia areata, doença autoimune que ataca os folículos pilosos, ele muitas vezes via que o observavam com espanto, mesmo na escola primária. “As pessoas olhavam para a minha alopecia, não para mim. É um tanto estranho e desumano quando alguém fica olhando para uma parte de você.” Mas, no palco, ele sentiu que conseguia controlar a maneira como as pessoas o viam - o que significava que poderia ter certeza de que o viam por inteiro, ou pelo menos o personagem que estava interpretando.
Ele está sendo visto agora. Em Barry, que retornou para a quarta e última temporada em abril, Carrigan, de 40 anos, interpreta o gângster NoHo Hank. Originalmente destinado a morrer no episódio piloto, ele sobrevive a várias tentativas de assassinato e a um suposto ataque de pantera por causa do desempenho arrebatador e radiante do ator, que foi indicado ao Emmy. O personagem virou um favorito dos fãs, incluindo frases de efeito (“ei, cara”, “superótimo!”) e vários GIFs de uma dança folclórica no telhado na segunda temporada.
Dois dias antes que eu o conhecesse, uma jovem o parou na rua. “Ela chorou, como uma fã maníaca dos Beatles. Mas era um amor, muito meiga”, contou.
Conversamos em uma tarde de segunda-feira do início de abril no Tin Building, praça de alimentação na Baixa Manhattan. (Ele mora em Los Angeles, onde Barry é filmada, mas a namorada mora nas proximidades.) A alopecia, que o deixou careca e sem sobrancelhas ou cílios, causa um choque neural momentâneo, até que a força de sua personalidade - vibrante, sincera, autorrealizada - assume o controle. Carrigan vem sempre aqui. Talvez não o suficiente.
Ele não tinha feito reserva no bar de ostras e, por um momento, pareceu que não conseguiria um lugar. Brinquei que ele poderia lançar mão de um “você sabe quem eu sou?”, e Carrigan teve a decência de parecer chocado: “Nunca fiz isso!” Já sentado, ouviu o garçom descrever as ostras do dia, recusando as de Massachusetts. “Sou de Massachusetts, sei como somos salgados”, disse, e pediu uma dúzia do Canadá e do Maine.
Carreira
Depois do ensino médio em Massachusetts, ele estudou interpretação na Universidade Carnegie Mellon. A perda capilar ainda era restrita a partes isoladas naquela época, e os professores muitas vezes o escolhiam para o papel de bad boy de cabelo comprido, visual que determinou a maioria de suas primeiras atuações. O cabelo e a preocupação de perdê-lo eram fontes de ansiedade. E, depois de conseguir seu primeiro papel importante, como um detetive amador na série de uma temporada The Forgotten, de Jerry Bruckheimer, a alopecia progrediu e se consolidou. No início, ele a disfarçava com perucas e maquiagem para as sobrancelhas, imprescindível para a continuidade do personagem. Mas, com o fim da série, guardou as perucas. “Eu realmente não tinha nada a perder naquela altura, porque não tinha ideia de como seria minha carreira. Eu só sabia que tinha de tentar com minha aparência, ou teria de encontrar uma nova profissão”, comentou, enquanto punha creme de rábano em uma ostra.
Assim, prosseguiu sem perucas ou cílios falsos, mesmo contra os argumentos de seus agentes (agora, seus ex-agentes). Temia que essa nova aparência limitasse os papéis para os quais era considerado. E assim foi. Mas suspeitava que essa nova autoaceitação o libertaria como ator. Quaisquer que fossem os papéis que chegassem, daria o máximo que pudesse.
Os papéis chegaram. O bad boy foi embora. Descobriu que, no lugar dele, tinha ficado o vilão. Começou a interpretar vilões. Victor Zsasz foi o principal deles, psicopata que apareceu em 20 episódios da série de super-heróis Gotham, da Fox. Às vezes, preocupava-se com o fato de estarajudando a reforçar o estereótipo de homens carecas como sinistros. Mas isso o manteve no Screen Actors Guild. E lhe rendeu um teste para Barry.
NoHo Hank, concebido como um antagonista menor, é membro de uma máfia tchetchena. Carrigan tinha pouco interesse em interpretar outro vilão. Mas o humor violento do roteiro o encantou. Voltou aos exercícios formais dos tempos de faculdade. Como Hank deveria se mexer? Que animal ele seria? Um escorpião, decidiu, o que explica o peito estufado, as mãos nos quadris, o gingado. “Ele é um escorpião adorável, não quer picar nem machucar ninguém, mas essa é a natureza dele”, explicou Carrigan no bar de ostras.
Ele gravou o teste e o enviou. Alec Berg, cocriador de Barry, lembrou-se de ter se impressionado, primeiro, com a aparência atípica de Carrigan, e, depois, com a habilidade e a dedicação. “Esqueci que era um cara sem cabelo. Ele assumiu completamente o personagem”, declarou Berg em entrevista recente por telefone.
Quando ele e Bill Hader, o astro e cocriador da série, conheceram Carrigan pessoalmente, constataram que não poderiam matar Hank tão depressa. “Ele era simpático e muito imaginativo, entendeu o humor direitinho. Fiquei, tipo: ‘Eu gostaria da opção em que esse cara vive’”, afirmou Hader em entrevista separada.
Hader descreveu NoHo Hank como “pesado”. Mas, nas mãos de Carrigan e nas camisas polo encolhidas do departamento de figurino, ele se tornou o pesado mais leve que se possa conceber. Agrada às pessoas, é charmoso. Durante uma experiência de quase morte na segunda temporada, ele diz a seus subordinados, desnecessariamente, em um inglês com sotaque tchetcheno: “Sei que vocês olham para mim e veem um criminoso durão, um assassino frio, um homem de gelo. Mas, uh, isso é mentira.” Segundo Carrigan, “Hank deveria ter trabalhado na área de hospitalidade”. O próprio Hank disse isso.
Ao interpretar os dois lados de Hank - o Hank animado, o Hank pernicioso -, Carrigan complica o estereótipo do vilão careca, permitindo que “Barry” questione o bem e o mal, a ação e a intenção. Hank, o tipo simpático dos sucos de caixinha, matou muita gente.
As complicações que Carrigan traz para o papel chamaram a atenção de outros diretores. Ele interpretou um robô na comédia de 2020 “Bill & Ted: Encare a Música”. Paul Weitz o escalou como elemento cômico do filme “Paternidade”, de 2021, estrelado por Kevin Hart, atraído, segundo Weitz, pelo “amor de Carrigan pela atuação e pela excentricidade humana”.
Até agora, nenhum papel fez frente à complexidade e à alegria respingada de sangue de Hank. Carrigan sabe disso melhor do que ninguém. Quando Barry acabou, pouco antes do Dia de Ação de Graças, ele pendurou a roupa de Hank pela última vez e, em seu trailer, despediu-se dele, agradecendo-lhe a chance de brincar, experimentar, cometer erros. Depois, roubou o relógio do personagem, um Rolex falso.
Se Carrigan teme que nenhum papel posterior seja tão amado quanto NoHo Hank, preocupa-se menos do que antes: “Quando consigo reduzir minha ansiedade o suficiente para me sentir livre e solto, posso seguir em qualquer direção.”
Enquanto ele comia as ostras, reparei no anel de sinete em um dos dedos, presente recente da namorada. O anel mostra um coelho, animal notoriamente medroso. Mas aquele, apontou Carrigan, corria livre. “O medo já não está ocupando espaço”, explicou.
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