Ator de ‘Não Olhe para Cima’, Mark Rylance quase abandonou trabalhos para o cinema

Em entrevista, ele fala sobre frustração que o fez desistir de atuar nas telas e como um convite de Spielberg mudou sua cabeça

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Por Dave Itzkoff

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Nova York - Em uma tarde de terça de maio, Mark Rylance estava sentado em casa, em Londres, com o rosto e o corpo exibindo os apetrechos de Johnny “Rooster” Byron, o desordeiro que ele interpretou em um revival de Jerusalem, de Jez Butterworth. O bigode era longo e desgrenhado; os braços nus saíam de uma camiseta regata, exibindo tatuagens temporárias. Apesar da aparência assustadora, Rylance garantiu durante uma entrevista por vídeo que ainda era o cara tranquilo de sempre. “Não estou no personagem no momento. Ainda sou Mark a esta hora do dia. Ele está aqui em algum lugar”, disse com sua voz gentil.

Mark Rylance, aclamado ator britânico, explica as ligações entre sua turnê de volta ao palco e uma série recente de papéis subjugados no cinema. Foto: Robbie Lawrence/ The New York Times

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Em pouco tempo, Rylance viajaria para o Apollo Theatre em Nova York, faria alguns aquecimentos vocais, jogaria vôlei nos assentos vazios com os colegas de elenco e passaria mais uma noite encarnando o selvagem e enérgico Rooster. O ator ganhou prêmios Olivier e Tony pelas temporadas originais de Jerusalem no West End e na Broadway, há pouco mais de uma década. Agora aos 62 anos, não perdeu o ritmo na retomada do espetáculo: analisando a produção de 2022 para o The New York Times, Matt Wolf escreveu: “Mais do que poderosa, a performance de Mark Rylance em Jerusalem é tão perfeitamente executada que parece quase sobre-humana.”

Isso parece uma mudança radical em relação aos personagens de fala mansa que Rylance interpretou nos últimos anos em filmes introspectivos: o papel vencedor do Oscar do oficial de inteligência soviético Rudolf Abel em Ponte dos Espiões, de Steven Spielberg, ou Peter Isherwell, o bilionário da tecnologia desajeitado do farsesco Não Olhe para Cima, de Adam McKay.

Rylance está mais uma vez no modo discreto para a comédia biográfica The Phantom of the Open, que a Sony Pictures Classics lançou recentemente. Ele interpreta o golfista Maurice Flitcroft, operador de guindaste que entrou em uma rodada de qualificação do Aberto da Grã-Bretanha de 1976 e fez um impressionante jogo de 121 pontos, que o transformou em uma espécie de celebridade instantânea.

Como o mercurial Flitcroft, Rylance gosta de desafiar as expectativas do público e alternar entre papéis em cada extremidade do espectro de energia. Como ele explicou, qualquer personagem - tranquilo ou exagerado - pode ser uma oportunidade para novas descobertas pessoais. “Quando mais jovem, eu era muito mais egoisticamente ligado a conceitos que me ocorriam de como o personagem deveria ser. Agora sei que não há limite para a insanidade profunda que vai vir por meu intermédio.”

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Da esquerda para a direita: Charlotte O'Leary, Mark Rylance, Mackenzie Crook, Kemi Awoderu e Ed Kear em uma remontagem de de 'Jerusalem', no Apollo Theater em Londres, em abril deste ano.  Foto: Simon Annand via The New York Times

Rylance falou mais no seu retorno a Jerusalem, o forte contraste entre seus papéis no palco e no cinema, e sua atuação em The Phantom of the Open. A seguir, trechos editados da conversa.

Como foi voltar a Jerusalem depois de todos esses anos?

É incrível estar no centro disso tudo. A dinâmica central da histórica ficou mais forte na sociedade, a luta entre opostos - ordem e caos, máquina e natureza. Às vezes, durante os ensaios, tive sentimentos de resistência e duvidei de mim mesmo.

O que fez você superar esses sentimentos?

Recobrando os sentidos. Digo literalmente: pare de pensar e sinta o cheiro do ar. Saboreie o que estiver degustando. Ouça os outros atores e olhe para eles. Isso permite que eu me concentre imediatamente em algo muito maior do que meus medos e expectativas. Fazendo longas sequências de peças, você pode entrar em uma rotina de autoconsciência e estar em uma espécie de prisão. Mas, na verdade, quando você volta a si, o pátio da prisão está aberto para o céu.

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Foi difícil evocar de novo o dinamismo que Rooster incorpora - particularmente em comparação com a introspecção dos personagens que você tem interpretado ultimamente no cinema?

Não é sempre que me permito explorar o território da ousadia da expressão. Esse é um personagem cansativo, mas agradável para mim. Tenho de ter muito cuidado com ele. Seu apetite é voraz. No fim do espetáculo, preciso forçá-lo a manter os pés no chão. “O.k., acalme-se. É minha vez de ressurgir por algumas horas.”

Você acha que atuar para o cinema é diferente de atuar no palco, ou as duas atividades são uma coisa contínua para você?

Tudo vem do mesmo lugar, de gostar de fingir ser alguém que você acha que é diferente de quem realmente é. De certa forma, tudo ainda é você. Isso ajuda a tirar coisas diferentes de mim, coisas que estão enterradas no fundo da gaveta. Certamente, no teatro, tenho muito mais acesso a uma consciência coletiva quando estou diante do público e as coisas dão certo. Sou elevado a algo maior que eu. Isso não acontece com o cinema, porque o público não está lá.

Onde você colocaria um personagem como Peter Isherwell de Não Olhe para Cima?

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Suponho que o papel em Não Olhe Para Cima poderia ter sido muito mais expressivo, como Elon Musk. Mas, nas conversas com Adam, estávamos interessados na incapacidade do personagem de se comunicar. Existe algum tipo de barreira entre esse tipo de pessoa e uma conexão verdadeira, íntima e satisfatória com outros seres humanos - ou plantas, animais, qualquer coisa no planeta. Ele só não sabia como fazer isso.

Sally Hawkins, à esquerda, e Mark Rylance como Jean e Maurice Flitcroft em 'The Phantom of the Open'. Foto: Nick Wall/Sony Pictures Classics
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Houve um momento em sua carreira em que você virou as costas para o cinema e a TV?

Com certeza. Quando vim a Nova York para Boeing-Boeing, na Broadway, fiquei amigo de Fran McDormand e Joel Coen, e eles me testaram para Um Homem Sério. Eu estava muito apaixonado pelo roteiro e por seus filmes, e realmente queria participar. Quando não consegui o papel, fiquei surpreso com o tamanho da minha tristeza. Foi uma sensação incomum para mim. Consigo me imaginar sentado em um café, pensando que de fato eu queria aquilo.

Então, procurei um agente em Nova York e comecei a fazer audições. Eram coisas incrivelmente maçantes e ruins. Finalmente, por me sentir culpado, fiz um filme em que acabava deitado no chão, sendo espancado com um martelo, com um misto de peixe e batata frita sendo derramado em meu rosto coberto de sangue. O diretor estava jogando videogame, nem estava olhando para a cena. E desisti daquilo.

Você estava pronto para se afastar completamente da atuação na tela?

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Durante toda a minha carreira, agentes me disseram que, a menos que eu tivesse tempo para fazer cinema e TV, eu não seria um ator sério. Pensei em meus atores prediletos do kabuki e do kathakali e me lembrei de que eles não se preocupam com cinema e televisão. Tenho uma carreira fabulosa no teatro, ganho bem fazendo isso, tenho ótimos papéis. Eu me livrei de todos esses agentes e decidi que nunca mais trabalharia no cinema, a menos que alguém realmente me pedisse e eu tivesse tempo. Acho que a natureza abomina o vácuo, porque, alguns anos depois, Spielberg me chamou para fazer Ponte dos Espiões.

O que atraiu você para The Phantom of the Open?

Já fiz muitas comédias no teatro e gostei. Isso sempre foi uma surpresa para mim, porque eu era muito tímido quando adolescente e ficava completamente surpreso quando fazia as pessoas rir. Mesmo em Jerusalem, esta noite, vai haver momentos em que vou pensar: por que eles estão rindo? E vou demorar um pouco para descobrir o que é.

Essa é uma das poucas comédias que me chamaram para fazer no cinema, com muitos aspectos de Dom Quixote, lutando contra moinhos de vento, acreditando na própria identidade, não sendo persuadido pela percepção de outras pessoas de quem ele é. Não estou falando de um sociopata ou psicopata, que nem ouve o que os outros estão dizendo - há uma dignidade em Maurice, que o leva a honrar o próprio desejo, e adorei isso.

Interpretar uma figura da vida real interessou você?

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Tenho medo de interpretar pessoas muito famosas. Mesmo William Kunstler (que Rylance interpretou em Os 7 de Chicago) não se assemelha muito ao indivíduo que as pessoas realmente conhecem. Os comentários de alguns personagens reais dos sete de Chicago, quando viram o filme, e as coisas desagradáveis que disseram sobre nossa tentativa de retratar esses personagens, me machucaram muito. Pediram que eu interpretasse Truman e pessoas diferentes assim. Mas, para mim, esse sapato é um pouco apertado.

Você sabia alguma coisa sobre Maurice Flitcroft antes de fazer o filme?

Não. Felizmente, há muitas coisas maravilhosas no YouTube. Suas entrevistas são incríveis; você pensa: “Ele não pode estar falando a sério. Não pode realmente dizer isso. Ele é brilhante no modo como estressa os repórteres para obter um efeito cômico. Mas assisti a esses vídeos centenas de vezes e não consigo ver uma brecha na sinceridade. Percebi que, na minha interpretação, esse cara tinha de ser sincero.

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