Quando a Marvel divulgou o trailer de Pantera Negra: Wakanda para Sempre em julho, obteve 172 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas - quase o dobro da audiência do teaser original de Pantera Negra em 2017. Ao longo desses anos, muita coisa tinha mudado. O primeiro filme, dirigido por Ryan Coogler, bateu não só recordes de bilheteria, mas também superou expectativas e estereótipos quanto a uma questão: se o público estrangeiro assistiria a filmes com um elenco predominantemente negro. Pantera Negra também se tornou o primeiro filme de super-herói indicado a melhor filme no Oscar.
Ao mesmo tempo, T’Challa, o rei de Wakanda, e seu alter ego, Pantera Negra, ambos brilhantemente interpretados por Chadwick Boseman, tornaram-se os favoritos dos fãs na batalha com Killmonger (Michael B. Jordan). A singularidade da atuação carismática e lúdica de Boseman ajudou a moldar o legado de Pantera Negra, transformando o papel e o ator quase em sinônimos e inspirando milhões de crianças em todo o mundo a se ver em um super-herói negro.
Mesmo assim, pensei que a substituição mais óbvia para o trono de T’Challa não seria Killmonger, mas as Dora Milaje, as guerreiras que protegem lealmente o líder de seu país. Okoye, interpretada pela maravilhosa Danai Gurira, era a principal estrategista militar da nação mais rica do mundo. No teaser de Pantera Negra: Wakanda para Sempre, vemos as Dora Milaje, incluindo Ayo (Florence Kasumba reprisando seu papel) e Aneka (Michaela Coel, juntando-se ao elenco), assumindo um papel ainda mais proeminente e confrontando um novo inimigo, Namor, o Príncipe Submarino, interpretado por Tenoch Huerta. Há também a inclusão de sua prima, a mutante híbrida Namora, com a atriz mexicana Mabel Cadena no papel.
Mas, além de proteger Wakanda, as Dora Milaje também devem proteger o trono sem T’Challa. Depois que Boseman morreu em 2020, na sequência de uma batalha contra o câncer de cólon, Kevin Feige, o presidente da Marvel Studios, anunciou que o personagem não seria reformulado, levantando especulações sobre o destino de Shuri (Letitia Wright), que é irmã e herdeira de T’Challa, além de cientista-chefe de Wakanda. Essa parecia ser a situação até o trailer chegar, e a hashtag #recastTChalla se tornou viral, seguida de uma petição em Change.org com mais de 60 mil assinaturas afirmando: “Se a Marvel Studios remover T’Challa, vai ser contra as expectativas do público (especialmente meninos e homens negros) que se vê nele.”
O que corre o risco de se perder nesse debate são as poderosas mulheres de Wakanda - Okoye e Shuri, claro, mas também Nakia, a espiã interpretada por Lupita Nyong’o, e Ramonda, a rainha (a lendária Angela Bassett). No trailer, você pode ver que elas são guerreiras, enlutadas, curandeiras, mães, líderes, irmãs e defensoras do legado de T’Challa (e, nesse caso, de Boseman). Elas também podem expandir o significado das imagens de super-heróis dos Panteras Negras para além de um homem ou mesmo de um momento no tempo.
Antes do lançamento da sequência em 11 de novembro, com a trama ainda em segredo, conversei com várias mulheres de Wakanda para Sempre, incluindo Bassett, Cadena, Gurira, Kasumba, Nyong’o e Wright. Embora tenham experimentado a feitura do filme de forma diferente uma da outra, juntas encontraram maneiras de superar as lesões espirituais e físicas (Wright sofreu uma fratura crítica no ombro e uma concussão grave).
Estes são trechos editados de nossas conversas.
Vocês se surpreenderam com o sucesso de ‘Pantera Negra’ em 2018?
Angela Bassett: Fiquei agradavelmente surpresa com a demonstração de amor pela história, pelos atores, pela interpretação, pelo entretenimento. Mesmo não sendo uma pessoa dos quadrinhos, quando vim para o projeto eu esperava que aqueles que amam o Universo Marvel se apresentassem. Mas, quando o resto da humanidade apareceu aos montes, foi algo alucinante.
Dado o sucesso passado, como vocês se prepararam para essa sequência, tanto em relação aos fãs como à perda de Chadwick Boseman?
Lupita Nyong’o: Houve muita tranquilidade, reflexão, oração e meditação para me fortalecer emocional, mental e espiritualmente. Foi uma experiência única voltar a esse mundo sem nosso líder. Quando há um segundo filme, muita expectativa é criada. Mas acho que a perda de Chadwick meio que mudou tudo. Eu me vi tendo de aceitar radicalmente que seria diferente, e que participar com o máximo de abertura possível era fundamental.
Letitia Wright: O processo de preparação para a volta foi definitivamente espiritual. Eu me lembro de me conectar muito com Danai. Quando chegamos a Atlanta [onde as filmagens foram feitas], fomos dar uma volta no parque e nos sentamos, conversando sobre o que significava começar de novo e o que seria preciso. Uma coisa bonita que descobri foi que eu não estava sozinha. Ao voltar ao mundo de Wakanda, senti que eu tinha uma família que me entendia.
Danai Gurira: Existem maneiras de você, como artista, tentar ter algum controle sobre seus novos projetos. E, para mim, muito disso é o treinamento que fazemos como Dora Milaje. Mas também ficou claro que tínhamos outra jornada a fazer. Eu me lembro de conversar com Ryan, que me ajudou a processar o que parecia diferente dessa vez: era a dor. O luto se misturou ao nosso processo.
Florence Kasumba: Tive de aprender que ainda não estou pronta para falar sobre tudo com todo mundo. Eu não sabia quando seria o momento, mas, quando viesse, eu sabia que havia pessoas com quem eu poderia me abrir; ir para o trabalho era como voltar para casa.
Mabel, você é a mais nova integrante do elenco. Como foi fazer parte dessa ‘comunidade Pantera Negra’?
Mabel Cadena: Foi incrível. Eu não falava a mesma língua no início, e o treinamento de luta também foi muito difícil para mim. Em alguns momentos me senti muito cansada, mas também me inspirei nessas mulheres todo dia. Eu pensava: “Se elas podem, também posso perseverar mais um dia.” E então eu falava com Ryan, que me deu a oportunidade de construir minha personagem como uma mulher mexicana. Assim, fui capaz de confrontar meus medos e, ao mesmo tempo, me senti totalmente segura e grata por essas mulheres.
Foi muito intenso o treinamento para suas cenas de batalha?
Kasumba: Você tem de ser física e mentalmente afiada. Comecei a treinar para esse papel em maio de 2021 porque, mentalmente, é preciso entender que seu corpo precisa funcionar bem durante cerca de um ano. E, como trabalhamos com armas e podemos nos machucar, também tivemos de adquirir confiança suficiente para dar nossos golpes e, ao mesmo tempo, garantir que não machucaríamos nossos colegas. O treinamento do primeiro filme nos ajudou porque há muita memória muscular.
Wright: Minha experiência foi diferente. Houve muitos desafios físicos também, mas ao lado disso me senti muito orgulhosa, diante das adversidades, de poder me recuperar e dar vida e força extras à minha personagem. Acho que Mabel explicou isso muito bem. Ver todo mundo dar 110 por cento inspira você diariamente. Houve momentos de dor, mas dá para você vencer e provar que conseguiu. Espero que isso seja percebido no filme, e que o público saia extasiado e empoderado, porque foi definitivamente assim que nos sentimos ao fazê-lo.
Essa é uma imagem muito poderosa. Você acha que as pessoas são mais receptivas às mulheres negras como super-heroínas?
Bassett: Acho que precisamos esperar para ver. Wakanda para Sempre está prestes a ser o próximo filme que vai realmente mexer com muita gente. Espera-se que todo mundo vá ao cinema e que o filme gere mais de US$ 1 bilhão. E quem os espectadores vão ver além da gente? Mulheres negras. Adoro isso. Hoje em dia, você não precisa esperar que algumas pessoas em alguns escritórios no topo de alguns prédios façam com que isso se concretize. Entende? Nossa voz é tão convincente que deve fazer a diferença.
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De pé, da esquerda para a direita: Florence Kasumba, Dominique Thorne, Letitia Wright, Danai Guira. Sentadas, Lupita Nyong’o (esq.) e Mabel Cadena, membros do elenco de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” cast, em San Diego, na Califórnia, 23 de julho de 2022. (Simone Niamani Thompson/The New York Times)
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