Se você já reparou em uma película viscosa formada por algas sobre uma pedra, é provável que não tenha prestado muita atenção nela. Mas os cientistas descobriram que algumas dessas espécies ignoradas guardam pistas para solucionar um dos maiores mistérios da evolução: como as plantas chegaram à terra firme.
Recentemente, pesquisadores publicaram os genomas de duas algas que estão entre as parentes vivas mais próximas das plantas terrestres. Elas já apresentavam alguns dos genes fundamentais dos quais as plantas precisariam para prosperar em terra.
Os autores do novo estudo descobriram que os antepassados das plantas obtiveram a capacidade de sobreviver em terra ao emprestar genes de outras espécies - especificamente, de bactérias.
Até cerca de meio bilhão de anos atrás, a superfície dos continentes tinha pouca cobertura, exceção feita a conjuntos de bactérias e talvez alguns fungos. Uma vez que as plantas se adaptaram à terra, surgiram florestas, matas e pântanos. Elas cobriram o solo, inundaram a atmosfera de oxigênio e possibilitaram que os animais deixassem o oceano.
“Elas transformaram para sempre a superfície do planeta", disse Stefan Rensing, biólogo botânico da Universidade de Marburg, na Alemanha. Hoje, as plantas formam a maior parte da biomassa do mundo.
Há mais de um bilhão de anos, os ancestrais das algas começaram a metabolizar a energia da luz do sol, e as algas verdes evoluíram para novos formatos. Algumas permaneceram no oceano, enquanto outras se adaptaram à água doce. As algas de água doce deram origem às plantas terrestres.
Inicialmente, um grupo de algas verdes chamadas charophytes emergiu como parente mais próximo das plantas terrestres. A descoberta parecia fazer sentido. “Elas parecem plantas subaquáticas", disse o Dr. Rensing.
Mas, conforme os pesquisadores analisaram mais algas, outra linhagem, chamada Zygnematophyceae, se revelou a ancestral viva de parentesco mais próximo com as plantas. Elas são muito simples do que as charophytes, parecidas com plantas, e existem somente como células individuais.
“Faz tempo que sabemos da existência dessas algas, mas não imaginamos que fossem parentes próximas das plantas terrestres porque supomos uma progressão linear na complexidade", disse o genomicista Gane Ka-Shu Wong, da Universidade de Alberta, no Canadá, e coautor do novo estudo.
O Dr. Wong e seus colegas escolheram duas espécies de Zygnematophyceae para estudar. Ambas podem sobreviver fora de poças e córregos. Uma espécie foi coletada em uma rocha de uma floresta alemã; a outra crescia no musgo em Portugal.
Os pesquisadores sequenciaram o genoma completo de ambas e descobriram uma série de genes partilhados entre as algas e as plantas terrestres, mas ausentes em espécies de algas de parentesco mais distante. Alguns desses genes provavelmente evoluíram a partir de genes mais antigos. Ao duplicar seu DNA, as algas antigas faziam cópias adicionais. Ao longo de milhões de anos, as duplicatas sofreram mutação, transformando-se nos novos genes que deram aos organismos novas capacidades.
Mas um conjunto fundamental de genes das Zygnematophyceae surgiu de maneira radicalmente diferente. As algas parecem tê-los roubado de bactérias.
Esses genes ajudam as plantas a sobreviver a secas e outros tipos de desgaste. Mesmo hoje, as plantas terrestres dependem desses genes para criar esporos e sementes capazes de sobreviver meses ou anos em estado dormente.
Os pesquisadores não encontraram versões semelhantes desses genes em outras algas, mas eles estão presentes em bactérias que habitam o solo.
O especialista em algas Michael Melkonian, da Universidade de Colônia, na Alemanha, e coautor do novo estudo, descobriu algumas pistas de como as algas antigas poderiam ter emprestado genes bacterianos.
As algas formam um revestimento esponjoso para absorver água, e algumas bactérias se alimentam dos carboidratos que formam o revestimento. “Em troca, produzem vitaminas que podem ser necessárias às algas", disse o Dr. Melkonian.
Mas ele disse que uma coisa é clara: as plantas terrestres se valeram de adaptações de suas ancestrais.
“A superfície do planeta era verde centenas de milhões de anos antes das primeiras plantas terrestres", disse o Dr. Melkonian. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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