Baladas, danças sensuais e karaokê: os locais clandestinos em NY na era da covid

Restrições impostas pelos estados nos EUA e o policiamento reforçado levaram alguns bares a ir para a clandestinidade. Muitos foram autuados por violações e enfrentam um inverno difícil

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Por Mihir Zaveri

NOVA YORK — Em dezembro, no Brooklyn, os investigadores chegaram num bar e se depararam com shows de danças eróticas para entreter os clientes; o local estava funcionando com as portas fechadas e música muito alta, segundo as autoridades.

Num bar de karaokê no Queens, os policiais encontraram oito salas repletas de pessoas e o gerente, todos sem máscara. Três dias antes, a polícia registrou uma cena quase idêntica no mesmo local.

El Chicanito, um bar e restaurante no Bronx. Foto: Michelle V. Agins/The New York Times

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Por toda a cidade de Nova York, as restrições em vigor para conter o coronavírus deram origem a um número desconhecido de boates e bares operando ilicitamente – locais clandestinos da era da covid-19 – com bares e restaurantes antes legalizados agora operando furtivamente para conseguirem sobreviver.

Bares e restaurantes que desobedecem às regras que proíbem servir alimento ou bebida em local fechado aumentam o risco de mais infecções num momento em que o vírus vem se intensificando. Na quarta-feira, o governador Andrew Cuomo afirmou que 8.600 pessoas estavam hospitalizadas por causa da covid, mais do que o dobro do número registrado no início de dezembro.

Numa cidade em que mais de 25 mil pessoas morreram por causa do vírus, os riscos potenciais de um maior contágio são claros. Uma grande maioria de empresas da cidade tem obedecido às regras e mesmo os proprietários de alguns locais acusados de violação reconhecem que bares e restaurantes apresentam um alto risco de transmissão da covid-19.

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“Não tinha problema com as regras”, disse Kristian Kane, dono de um bar no Brooklyn onde os investigadores encontraram pessoas que não respeitavam o distanciamento social.

Embora uma taverna em Staten Island, Mac’s Public House, tenha despertado ampla atenção ao tornar a resistência às normas uma questão política, os proprietários de outros estabelecimentos pegos violando as diretrizes disseram que seu objetivo não tem nada de ideológico. O fato, afirmaram, é que estão tentando fazer frente às dificuldades e se manterem em atividade durante a pandemia uma vez que o apoio para o debilitado setor de restauração é quase inexistente.

Vários proprietários disseram que não auferem nenhuma renda, têm dificuldade para entender como e quando as regras mudaram e é difícil convencer os poucos clientes que ainda aparecem a usarem máscaras e respeitarem o distanciamento social.

Com o inverno no hemisfério norte, a situação é ainda mais precária, com o atendimento em ambiente fechado proibido na cidade e é menos possível jantar em espaço ao ar livre num clima mais frio.

Jose Chiqui, dono de um bar e restaurante em Bronx, o El Chicanito, foi autuado pela autoridade responsável por três vezes diferentes por violar as regras da pandemia. Em dezembro, a polícia chegou ao seu bar pouco antes da uma hora da madrugada e o estabelecimento continuava aberto violando a norma de fechamento às 22 horas.

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Chiqui não nega a transgressão. Mas segundo ele, fechar antes das 22 horas destruirá o seu negócio.

“Nossa clientela é latina, mexicana; eles trabalham no centro de Manhattan. Quando eles chegam aqui, já deveríamos estar fechados”.

Chiqui disse que as multas recebidas somam US$ 10 mil. E que fechou seu estabelecimento para sempre no mês passado depois que as últimas cobranças chegaram.

“Não tem sentido continuar operando sendo atacado pelas autoridades da cidade”, afirmou.

As novas regras sobre como e quando bares e restaurantes podem operar também tornou a fiscalização muito mais agressiva.

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O bar de esportes Déjà Vu em Staten Island. Foto: Michelle V. Agins/The New York Times

A Liquor Authority, órgão do Estado que fiscaliza e sanciona a oferta de bebida alcoólica, normalmente tem 30 investigadores, mas este ano trouxe mais funcionários de outros departamentos e conta agora com uma força de quase 200 homens. A partir de dezembro, o órgão suspendeu 279 licenças, em comparação com 29 no ano passado.

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Com a chegada do inverno, as autoridades esperam que a repressão continue em meio à proibição de servir comida e bebida em ambiente fechado. Observando que as regras impostas não eliminaram as violações, elas acham que possivelmente o policiamento se tornará ainda mais ofensivo.

“O clima frio pode motivar mais os donos a infringirem a lei e atenderem as pessoas que desejam comer e beber dentro da casa, violando as regras de saúde pública”, disse Gary Meyerhoff, procurador da Liquor Authority.

Segundo Andrew Rigie, diretor executivo da New York City Hospitality Alliance, as transgressões podem gerar multas de até US$ 50 mil e se tornarem um problema financeiro importante para bares e restaurantes.

“Você fica sabendo de donos de restaurantes que não conseguem dormir por causa das inspeções. Eles estão tentando com dificuldade atender às incontáveis diretrizes numa situação impossível e os inspetores estão ali prontos para pegá-los”.

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Mas segundo Meyerhoff as empresas que vêm operando desde março “deveriam saber onde encontrar a informação que precisam sobre de que maneira operar”.

No C.J’s Bar, no Queens, que teve sua licença para servir bebida alcoólica suspensa duas vezes este ano, Bobby Abru, funcionário da casa, disse que o proprietário teve de pagar uma multa de US$ 35 mil para ter a autorização de volta. Ele disse que o bar foi multado quando os policiais viram duas ou três pessoas saindo do local sem máscaras.

“Posso entender isto se eles estivessem entrando no bar, mas estavam saindo; o que poderíamos fazer, correr atrás deles?” No bar Dejà Vu, em Staten Island, os investigadores descobriram que o bar ainda estava aberto em torno de 12h15 com 40 pessoas dentro, um número bem maior do que o permitido. E que a porta de entrada estava baixada numa tentativa de fazer parecer que o estabelecimento estava fechado. A licença do bar foi suspensa.

O proprietário, Jose Luis Juarez, admitiu que havia mais pessoas do que o permitido, mas que eram 28 e não 40. Disse ter baixado as portas para indicar para os clientes que estavam dentro que o bar estava fechado e que deveriam deixar o local.

Os clientes não se sentem à vontade em seguir as normas de distanciamento social e uso de máscaras, o que torna difícil para os proprietários dos bares imporem as regras. Além disso, têm de pensar de que maneira despachar os clientes que pagam e ajudam o estabelecimento a se manter em pé.

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Segundo Juarez, antes da pandemia ele faturava entre US$ 10 mil e US$ 12 mil por semana. Quando passou a servir os clientes na parte externa, a receita caiu mais da metade. Mesmo antes de o serviço no espaço interno ser proibido já não conseguia pagar o aluguel e outras contas por causa da capacidade limitada, especialmente com as pessoas evitando se sentar do lado de fora.

Juarez, que ainda deve três meses de aluguel para o proprietário do imóvel desde quando fechou seu estabelecimento na primavera do ano passado, encerrou seu negócio. Disse que reabrir o restaurante vai depender de quanto será multado pelo estado.

As autoridades podem estabelecer diferentes níveis de punição, desde emitir uma advertência até suspender a licença do estabelecimento. Mas segundo algumas empresas, as regras da pandemia não são aplicadas corretamente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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