NOVA YORK – Em uma doca no Queens, a gangue musical de ciclistas liderada por David Byrne estava se preparando para partir. "Todos preparados?", perguntou Byrne.
Era um sábado no fim de agosto, e a gangue – três percussionistas, um guitarrista, um baixista e eu, além de um fotógrafo ousado e de um assistente de iluminação – estava de bicicleta, enquanto Byrne, nosso destemido líder sobre duas rodas, traçava o caminho.
Ele usava um capacete com aba e demonstrava a confiança relaxada de um guia turístico: já havia feito essa rota antes. O destino era o Queens Night Market, paraíso de barracas com comidas de todo o mundo, no local em que foi promovida a Feira Mundial de 1964. Ele já tinha falado de uma barraca de ceviche e de uma bateria de escola de samba só para mulheres, que viu da última vez que foi para lá de bicicleta.
Em toda a sua diversidade, o mercado "é realmente extraordinário", disse ele – o tipo de empreendimento que parece um antídoto para nossa atual divisão social. "Nesse contexto, você pensa que isso não é impossível, que vamos conseguir." É uma mensagem em favor da transcendência por meio da vida em comunidade, algo que Byrne, o ex-vocalista do Talking Heads, tem apontado nos últimos tempos, com o sucesso de American Utopia, passeio principalmente alegre por suas composições. Mesmo o clima extremo que acabou prejudicando nosso passeio não o impediu de encontrar algo especial por ali.
Naturalmente, Byrne é um ciclista dedicado: escreveu um livro sobre isso e até projetou bicicletários. Antigamente, às vezes eu conseguia medir a velocidade e o entusiasmo de minha vida noturna pela frequência com que cruzava com ele correndo de bicicleta para algum evento. Era fácil localizá-lo, muitas vezes vestido de um branco ainda imaculado – como estava naquela noite, saindo da balsa do East River, com calças brancas, uma camisa guayabera azul e sandálias marrons de pescador. Toda a sua equipe, colegas de elenco de American Utopia, também estava a bordo.
No cais, ele deu algumas instruções gerais e então partimos. Dividido em pares ou espalhado, nosso grupo ocupava meio quarteirão. "Andar de bicicleta em Nova York é... uh-hu!", vibrou a guitarrista Angie Swan, que havia se mudado para cá para trabalhar com Byrne e agora costurava por uma ciclovia lotada.
Era o fim de semana anterior ao início dos ensaios para o retorno de American Utopia à Broadway. Mas o elenco já vinha se reunindo durante a pandemia para dar esses passeios de bicicleta pela cidade, liderados por Byrne, que tem 69 anos, a força de um atleta e a curiosidade de um onívoro cultural. Queens, Bronx, Staten Island: ele cruzava a cidade algumas vezes por semana, tendo ao lado seus companheiros de banda.
"O espírito pioneiro que ele tem na música é o mesmo que ele tem nos passeios de bicicleta", comentou Jacquelene Acevedo, percussionista vinda de Toronto, que mora em Manhattan, enquanto pedalávamos. Ela contou que conheceu a cidade nesses passeios socialmente distanciados. "Fazíamos aventuras. Era ótimo. Você volta seis horas depois, exausto e se perguntando: 'Aonde fui?'"
Naquele sábado, passamos por Jackson Heights em direção a Corona – dois bairros que foram duramente atingidos no início da pandemia, Byrne observou mais tarde – e vimos o ritmo da cidade mudar. Passamos por famílias fazendo churrasco na calçada e tocamos o sino da bicicleta ao som da cumbia e do reggaeton. Resumindo: foi maravilhoso.
Talvez tenhamos atravessado alguns sinais vermelhos e causado alguma confusão enquanto Cole Wilson, o fotógrafo, e seu assistente, Bryan Banducci, pedalavam à frente do grupo, mas olhavam para trás para tirar a foto. Byrne sempre estava na liderança; assim que o trânsito acabou, ele tirou o capacete, revelando sua cabeleira prateada.
Quando paramos no Parque Flushing Meadows Corona, o sol estava se pondo. Byrne nos levou para comer ceviche. Momentos depois, o tempo fechou: a tempestade tropical Henri chegou muito antes do previsto. Em pouco tempo estávamos muito, muito encharcados.
Uma noite que deveria ser uma celebração onírica desta cidade multicultural e de suas conexões fortuitas, vivida no selim de bicicleta, terminou com todos (muito) encharcados voltando de metrô para casa. Mas até isso foi um momento para maravilhas byrnianas, graças a um pastor do metrô e seus seguidores e a uma dança inesperada e extasiante – o cívico e o divino a bordo do trem 7. Byrne assistia a tudo, cercado por seus companheiros de bicicleta.
Esse grupo de músicos havia viajado com American Utopia quando ainda era um show de rock mais tradicional, há alguns anos, e as bicicletas todas iguais – um modelo dobrável feito pela Tern – também tinham ido com eles. Elas tinham um compartimento próprio no ônibus da turnê: "Mesmo quando íamos para o exterior, as bicicletas iam conosco", contou o baterista Tim Keiper. Às vezes pedalavam 40 quilômetros antes da passagem de som, acrescentou Daniel Freedman, outro baterista: "David descobria alguma coisa legal, e falava de um restaurante, um museu ou algo bizarro e engraçado em Cumming, Iowa! Então íamos para lá."
Para Byrne, os passeios o mantiveram "com a cabeça boa na estrada, mais inspirado e estimulado", ele me disse mais tarde. Também deu ao elenco e à equipe uma conexão rara entre artistas.
A primeira temporada de American Utopia terminou em fevereiro de 2020, pouco antes que o coronavírus fechasse os espaços para apresentações ao vivo em Nova York. Durante o lockdown, Annie-B Parson, a coreógrafa do show, viu a equipe de American Utopia muito mais do que qualquer outra pessoa. "A proximidade emocional do elenco no palco? Não é encenada", observou ela, acrescentando: "Andar de bicicleta é uma boa metáfora, porque existe um relacionamento. O grupo se move junto, mas cada um está em seu espaço. Existe um uníssono. É uma dança, com certeza."
Na recente carreira eclética de Byrne, American Utopia ocupou uma fatia maior do que outros projetos. Talvez porque isso o torne mais feliz. "É um show muito comovente e muito divertido", definiu – até porque o público dança livremente com algumas músicas.
Além disso, o show se baseia nos interesses diversificados de Byrne. Tem neurociência, história cívica e instrumentação brasileira, africana e latina. As referências visuais e de movimento abrangem o mundo: o artista Oskar Schlemmer, da Bauhaus; filmes japoneses dos anos 70; a coroação de um rei tailandês; e, depois de nossa odisseia no Queens, uma cena do trem 7, quando uma mulher puxou um microfone e um amplificador, plugou e começou a fazer proselitismo religioso.
Byrne, que não foi reconhecido sob a máscara, estava perto dela, segurando a bicicleta. Do outro lado, sua companheira começou a fazer movimentos apaixonados com as mãos, que lembravam alguns movimentos da American Utopia, acenando e batendo os pulsos em volta do rosto. "Annie-B deveria ver isso!", Byrne disse, quase para si mesmo. Alguém gravou um fragmento e ele o enviou à coreógrafa.
"Não há palavras para descrever como David é aventureiro. Em sua bicicleta, ele sempre encontra a forma mais profunda de interagir com um lugar e sempre convida outras pessoas, gentilmente, para participar", comentou Parson.
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