Casas à prova de desastres? Crise climática faz designers buscarem uma solução

A indústria de construção residencial tem demorado a adotar mudanças que possam oferecer uma proteção melhor contra condições climáticas extremas. Alguns arquitetos estão mostrando o que é possível

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Por Christopher Flavelle

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - John duSaint, um engenheiro de software aposentado, comprou recentemente uma propriedade perto de Bishop, Califórnia, em um vale acidentado a leste de Sierra Nevada. A área corre o risco de incêndios florestais, calor intenso durante o dia e ventos fortes - e também fortes nevascas no inverno.

Mas duSaint não está preocupado. Ele está planejando morar em uma cúpula.

A casa de Joel e Deborah Veazey, no sudoeste da Louisiana, uma cúpula geodésica construída para resistir a ventos com força de furacão. Foto: Bryan Tarnowski/The New York Times

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A estrutura de 29 pés será revestida com telhas de alumínio que refletem o calor e também são resistentes ao fogo. Como a cúpula tem menos área de superfície do que uma casa retangular, o isolamento contra o calor ou frio é mais fácil. E pode suportar ventos fortes e neve pesada.

“A cúpula em si é basicamente impermeável”, disse duSaint.

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À medida que o clima se torna mais extremo, as cúpulas geodésicas e outros designs de residências resilientes estão ganhando mais atenção de compradores de imóveis mais conscientes com relação ao clima - e dos arquitetos e construtores que os atendem.

A tendência pode começar a mudar a inércia subjacente à luta dos Estados Unidos para se adaptar às mudanças climáticas: existem tecnologias para proteger as casas contra o clima severo - mas essas inovações demoraram a se infiltrar na construção residencial convencional, deixando os americanos cada vez mais expostos aos choques climáticos, dizem os especialistas.

A cúpula “Weatherbreak” em construção após 40 anos armazenada no Museu Nacional Smithsonian de História Americana. Foto: Jason Andrew/The New York Times

O resultado não é apenas um risco maior de morte ou ferimentos, mas também uma calamidade financeira, pois os proprietários lutam contra o declínio dos valores das propriedades, a incapacidade de obter seguro ou a perda do que costuma ser seu bem mais valioso. E o custo emocional e social de perder casas para desastres está apenas começando a ser compreendido.

Desastres relacionados ao clima expulsaram mais de 3,3 milhões de adultos americanos de suas casas em 2022, mostram dados do censo. Desses, pelo menos 1,2 milhão de pessoas ficaram fora de casa por um mês ou mais; mais de 500.000 nunca retornaram, alimentando uma crescente diáspora de refugiados climáticos domésticos.

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Enfrentando as dificuldades

No átrio do Museu Nacional de História Americana do Smithsonian, voluntários recentemente terminaram de remontar a “Weatherbreak”, uma cúpula geodésica construída há mais de 70 anos e usada brevemente como residência em Hollywood Hills. Era vanguardista na época: cerca de 1.000 suportes de alumínio aparafusados em um hemisfério, 25 pés de altura e 50 pés de largura, evocando um iglu de metal de grandes dimensões.

A estrutura ganhou nova relevância com o aquecimento da Terra.

Técnicos ajudaram estudantes da Faculdade de Arquitetura e Planejamento da Universidade Católica a instalar a cúpula do museu. Foto: Jason Andrew/The New York Times

“Começamos a pensar em como nosso museu pode responder às mudanças climáticas”, disse Abeer Saha, o curador que supervisionou a reconstrução da cúpula. “Cúpulas geodésicas surgiram como uma forma de o passado oferecer uma solução para nossa crise imobiliária, de uma forma que realmente não recebeu atenção suficiente.”

As cúpulas são apenas um exemplo da inovação em andamento. Casas feitas de aço e concreto podem ser mais resistentes ao calor, incêndios florestais e tempestades. Mesmo as casas tradicionais com estrutura de madeira podem ser construídas de forma a reduzir bastante as chances de danos graves causados por furacões ou inundações.

Mas os custos dessa resistência adicional podem ser cerca de 10% maiores do que a construção convencional. Esse valor, que muitas vezes se paga por meio de custos reduzidos de reparo após um desastre, ainda assim representa um problema: a maioria dos compradores de imóveis não sabe o suficiente sobre construção para exigir padrões mais rígidos. Os construtores, por sua vez, relutam em adicionar essa resistência, por medo de que os consumidores não estejam dispostos a pagar mais por recursos que não entendem.

Joel e Deborah Veazey, de Pecan Island, Louisiana. “As pessoas vieram à minha casa, pediram desculpas e disseram: 'Nós zombamos de você por causa da aparência da sua casa'”, disse Veazey. Foto: Bryan Tarnowski/The New York Times

Uma maneira de preencher essa lacuna seria endurecer os códigos de construção, que são definidos em nível estadual e local. Mas a maioria dos lugares não usa o código mais recente, se é que existe algum padrão de construção obrigatório.

Alguns arquitetos e designers estão respondendo por conta própria às crescentes preocupações com desastres.

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Em um pedaço de terra que se projeta no rio Wareham, perto de Cape Cod, Massachusetts, Dana Levy está assistindo a construção de sua nova fortaleza em forma de casa. A estrutura será construída com formas de concreto isoladas, ou ICF, criando paredes que podem suportar ventos fortes e detritos voadores, e também manter temperaturas estáveis se houver queda de energia - o que é improvável de acontecer, graças aos painéis solares, baterias de reserva e gerador de emergência. O telhado, janelas e portas serão resistentes a furacões.

O objetivo, de acordo com Levy, um aposentado de 60 anos que trabalhava com energia renovável, é garantir que ele e sua esposa não tenham que sair da próxima vez que uma grande tempestade acontecer.

Detalhe da casa de Joel e Deborah Veazey. Foto: Bryan Tarnowski/The New York Times

Construindo com Aço

Onde o risco de incêndio florestal é grande, alguns arquitetos estão se voltando para o aço. Em Boulder, Colorado, Renée del Gaudio projetou uma casa que usa uma estrutura e revestimento de aço para o que ela chama de casca resistente ao fogo. Os decks são feitos de pau-ferro, uma madeira resistente ao fogo. Abaixo dos decks e ao redor da casa há uma barreira para ervas daninhas coberta por brita para evitar o crescimento de plantas que possam alimentar um incêndio. Uma cisterna de 2.500 galões poderia fornecer água para mangueiras no caso de um incêndio se aproximar demais.

Essas características aumentaram os custos de construção em até 10%, de acordo com del Gaudio. Esse valor poderia ser reduzido pela metade usando materiais mais baratos, como estuque, que forneceriam um grau de proteção semelhante, disse ela.

Del Gaudio tinha motivos para usar os melhores materiais. Ela projetou a casa para seu pai.

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Mas talvez nenhum tipo de projeto residencial resiliente inspire devoção como as cúpulas geodésicas. Em 2005, o furacão Rita devastou Pecan Island, uma pequena comunidade no sudoeste da Louisiana, destruindo a maioria das poucas centenas de casas da região.

Max BegueÕs geodesic home, built to withstand hurricane-force winds, in St. Bernard, La., July 9, 2023. The homebuilding industry has been slow to adopt changes that can better protect against extreme weather, but some architects are showing whatÕs possible. (Bryan Tarnowski/The New York Times) Foto: Bryan Tarnowski/The New York Times

A cúpula de 2.300 pés quadrados de Joel Veazey não foi uma delas. Ele só perdeu algumas telhas.

“As pessoas vinham à minha casa, pediam desculpas e diziam: ‘Nós zombamos de você por causa da aparência da sua casa. Nunca deveríamos ter feito isso. Este lugar ainda está aqui enquanto nossas casas se foram’”, disse Veazey, um trabalhador petroleiro aposentado.

O Dr. Max Bégué perdeu sua casa perto de Nova Orleans para o furacão Katrina. Em 2008, ele construiu e mudou para uma cúpula na mesma propriedade, que sobreviveu a todas as tempestades desde então, incluindo o furacão Ida.

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Duas características dão às cúpulas a capacidade de resistir ao vento. Primeiro, as cúpulas são compostas por muitos triângulos pequenos, que podem suportar mais carga do que outras formas. Em segundo lugar, a forma dos canais da cúpula canaliza o vento ao seu redor, privando-o de uma superfície plana para exercer força.

“Ela não brinca na hora do vento”, disse Bégué, um veterinário de cavalos de corrida. “Ela balança um pouco - mais do que eu gostaria. Mas acho que isso faz parte de sua força.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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