Chamando a atenção para a língua maori a partir da música

'Waiata / Anthems', o EP 'Te Ao Marama' de Lorde e uma série de outros projetos visam revitalizar a língua indígena da Nova Zelândia através da música

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Por Brian Ng

Em agosto, Lorde lançou seu terceiro álbum, Solar Power. Três semanas depois, ela lançou um EP chamado Te Ao Marama, com cinco músicas do álbum traduzidas para o maori, a língua indígena da Nova Zelândia. O segundo lançamento não foi uma mera reflexão posterior - foi parte de conversas de longa data em seu país natal sobre a valorização de uma linguagem que há pouco tempo os especialistas temiam que pudesse desaparecer.

A cantora neozelanesa Lorde lançou um EP com cinco músicas do seu último álbum, 'Solar Power', em maori. Foto: Reprodução

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“Artistas pakeha têm apoiado o movimento de revitalização da língua há anos e, como alguém com reconhecimento global, eu sabia que em algum momento faria o mesmo”, escreveu Lorde por e-mail, referindo-se aos neozelandeses não maoris. “Mas Te Ao Marama não veio de um lugar de obrigação. Sou mais rica por ter cantado em te reo” - que é o significado maori para “a língua” - “e também por ter feito as conexões que tornaram isso possível.”

Quando a música e produtora Dame Hinewehi Mohi, um dos principais motores por trás do renascimento musical maori, tocou o hino nacional da Nova Zelândia na Copa do Mundo de Rugby de 1999 em maori, em vez de em inglês, ela recebeu “uma reação bem adversa de uma minoria de pessoas”, lembrou-se em uma entrevista recente. Vinte anos depois, ela montou Waiata / Anthems (waiata significa “canção”), um álbum de faixas em inglês tocadas em maori que inclui uma tradução de Soaked de Benee e Don't Worry’ Bout It de Kings.

“Antes disso”, disse Mohi, “havia apenas um punhado de artistas gravando em te reo maori”.

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A resposta do público ao álbum a surpreendeu: Waiata / Anthems estreou em primeiro lugar nas paradas da Nova Zelândia em 2019. O trabalho e o interesse pela música maori não diminuíram. Este ano, a emissora pública TVNZ lançou uma série de documentários que acompanhou diferentes artistas traduzindo e gravando suas músicas em maori para uma segunda edição do projeto. Mais de 30 faixas em maori foram lançadas como playlist, oito delas no Top 40 local e duas no Top 10.

A consciência e a celebração da música maori estão refletindo uma mudança nas atitudes com a língua na Nova Zelândia. O governo colonizador europeu do país suprimiu os maoris a partir de meados da década de 1850, punindo crianças que falavam sua língua na escola e dispersando deliberadamente famílias maoris em bairros brancos para assimilá-los, criando um whakama de longo alcance, ou vergonha, ao seu redor. Em 1987, quando o maori foi finalmente declarado uma língua oficial, a grande maioria de seus falantes remanescentes estava velha.

Nos últimos anos, houve um ressurgimento de apoiadores, incluindo a primeira-ministra Jacinda Ardern, que disse em 2018 que sua filha recém-nascida aprenderia maori e inglês. Os âncoras de jornal agora cumprimentam em maori; repórteres meteorológicos chamam os lugares por seus nomes maori originais; as placas dos supermercados informam onde está o “frango / heihei”. Kotahi Rau Pukapuka, um empreendimento que visa publicar 100 livros em maori nos próximos 25 anos, já está muito adiantado em seu cronograma. A ideia de Mohi de chamar a atenção para a linguagem por meio da música contemporânea foi pragmática: mais da metade da população maori, que representa quase 17% da população total, tem menos de 30 anos.

Sir Timoti Karetu em Waimarama Beach, Nova Zelândia; artistas estão usando a música para resgatar a lingua maori no país. Foto: Cameron James McLaren/The New York Times

Mas quem canta em maori, e como canta, também se tornou um alvo de debate. Lorde foi criticada após o lançamento de seu EP por aqueles que argumentam que os falantes brancos têm o privilégio de falar na língua sem ter que lidar com o trauma do povo maori; ou dizem que o EP é um lembrete doloroso de quantos maori não tiveram acesso à sua própria língua. Outros observadores chamaram seu projeto de "um marco da cultura pop que devemos acolher" e "uma declaração internacional muito poderosa sobre a vigência do idioma". Mohi havia abordado Lorde sobre o trabalho no Waiata / Anthems original porque "você quer que o maior público" seja exposto ao maori, ela disse.

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Cantar sempre foi uma grande parte da cultura maori: em reuniões formais, é obrigatório cantar depois de sua fala (essas “canções” são como cantos). Músicas são usadas para transmitir informações, incluindo “contar ao neto quais mortes ele precisa vingar, de que ele precisa se lembrar, as características importantes da história da tribo”, disse Sir Timoti Karetu, um especialista na língua e cultura maori.

O povo maori canta outras canções - canções de amor, canções picantes, canções de insulto - na vida cotidiana também. “Cantamos onde quer que estejamos”, disse Karetu. A música ajudou a manter a linguagem viva, mesmo quando as restrições do governo estavam valendo. O povo maori se adaptou com o tempo, escrevendo novas músicas altamente influenciadas pelas melodias pakeha. “Pegamos a melodia emprestada e fizemos do nosso jeito”, disse Karetu.

Bic Runga, uma cantora maori envolvida em ambos os lançamentos de Waiata / Anthems, disse: "Há uma mudança muito grande na consciência aqui." Ela estava em um processo de se reconectar com suas raízes quando Mohi a abordou para o primeiro álbum, que incluía sua canção Sway, famosa pelo filme American Pie. Embora Runga tenha absorvido apenas trechos de maori na escola primária, fazer Waiata / Anthems fez com que ela se conectasse a falantes mais fluentes e ela está tentando incorporar o maori em seus e-mails, começando o texto com "tena koe" em vez de "oi".

O cantor maori Marlon Williams, que fez uma breve aparição em Nasce uma estrela em 2018, decidiu escrever seu próximo álbum totalmente em maori. Como Runga, Williams também não falava maori até alguns anos atrás - ele frequentou um kohanga reo, uma pré-escola de imersão total, e estudou maori no ensino médio, mas nada ficou.

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Para Williams, aprender a língua do começo ajudou na sua composição. “Não estou ciente dos erros que estou cometendo”, ele disse, então “não se deixa abater por eles”. Ele conta com um colaborador, Kommi Tamati-Elliffe, um artista de hip-hop e professor de maori na Universidade de Canterbury, para verificar seu trabalho e encontrar soluções quando as frases não estão boas.

“Estamos em outro estranho degrau na escada da globalização, onde tudo está se misturando e se fundindo”, disse Williams. Mas ele acredita que os ouvintes não precisam entender as letras das músicas para que elas se tornem grandes sucessos. “Não sei mais espanhol depois de ouvir Despacito”, disse Williams. “As coisas que existem no mundo pop às vezes são muito específicas.”

A revitalização da linguagem é “uma batalha sem fim”, disse Karetu. “Todos nós que fomos colonizados estamos lutando para que nossas línguas sobrevivam.” Mas, quando se trata de músicas, ele é mais positivo. “Waiata nunca morrerá. Acho que waiata continuará para todo o sempre. ” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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