ASBEST, RÚSSIA - Atacada durante anos pelas autoridades de saúde, a teimosa produtora russa de amianto - substância tida como mortífera e proibida em 60 países - acredita ter encontrado aquela que pode ser a figura perfeita para a reabilitação da imagem manchada do produto: o presidente Donald Trump.
“Trump está do nosso lado", disse Vladimir V. Kochelayev, presidente do conselho da Uralasbest, uma das últimas produtoras mundiais de amianto, citando o que ele descreveu como reportagens segundo as quais o governo Trump relaxaria as restrições ao uso do amianto.
Os Estados Unidos interromperam a mineração do amianto em 2002, mas a substância ainda chega ao mercado mundial extraída de uma mina nas Montanhas Urais, na Rússia. A cidade mais próxima, onde o ganha-pão de quase todas as famílias depende do material, é chamada de Asbest, que significa amianto em russo.
Há no Canadá uma cidade chamada Asbestos, que deixou de produzir a substância e considera a ideia de um novo batismo. Asbest, onde os moradores raramente questionam a prudência de usar explosivos na mineração do amianto, produzindo nuvens de poeira saturadas de fibras de amianto, não vê motivo para medidas desse tipo.
A Uralasbest se esforçou bastante para afastar a ligação do amianto com o câncer de pulmão e outras doenças ao rebatizar a substância como “crisótilo", nome do mineral que a empresa extrai. Kochelayev insistiu que o crisótilo, um cancerígeno, seria menos perigoso que outras formas de amianto, nome genérico comercial usado para descrever diferentes materiais fibrosos que, até os anos 1970, eram usados em todo o mundo no isolamento térmico, telhados, roupas resistentes ao fogo e muitos outros produtos.
Ainda que algumas evidências científicas apontem que o crisótilo seria menos perigoso, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer disse que “há evidências suficientes das propriedades cancerígenas de todas as formas de amianto para os humanos". No ano passado, a Uralasbest recebeu com bons olhos informes de que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA relaxaria as rigorosas restrições ao uso do amianto no país.
A agência negou a informação, mas, mesmo assim, a Uralasbest publicou em sua página do Facebook uma imagem mostrando fragmentos do seu amianto marcada com um carimbo mostrando o rosto de Trump e as palavras: “Aprovado por Donald Trump, 45º presidente dos EUA".
Com Brasil e Canadá, que forneciam a maior parte do amianto usado nos EUA, fora do mercado, a Rússia enxerga uma abertura. No ano passado, a Uralasbest aumentou sua produção de amianto de 279,2 mil toneladas para 315 mil toneladas, das quais 80% foram vendidas para o exterior, principalmente para a Ásia e a África.
Mas foram vendidas apenas 67 toneladas para os EUA. A decisão de rebatizar o amianto como crisótilo em Asbest, cidade 1.450 quilômetros a leste de Moscou, ajudou a desacelerar o colapso da espinha dorsal da economia local e evitou os apelos pela proibição global de todas as formas de amianto.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o amianto mata mais de 107 mil pessoas por ano, mas até os médicos de Asbest assumem uma postura defensiva em relação à substância. O doutor Igor Bragin, diretor do complexo hospitalar da cidade de Asbest, disse que um estudo de 2016 indicando uma elevada incidência de câncer de pulmão na cidade “não correspondia à realidade”.
Viktor Stepanov, 88 anos, que passou décadas trabalhando na fábrica de amianto, disse que sua própria idade avançada e boas condições de saúde comprovam que toda a “histeria” em torno do produto pode ser falsa. “Em algum nível, tudo é perigoso", disse ele. “Não existe substância 100% segura.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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