Como a Estação Espacial Internacional se tornou base para lançar o futuro da humanidade

Outrora ridicularizado como mera propaganda do desperdício governamental, este posto avançado em órbita hoje é visto como um elemento fundamental da futura atividade econômica no espaço

PUBLICIDADE

Por Kenneth Chang

De certo modo, para a Estação Espacial Internacional, Leroy Chiao estava lá antes do começo. Em outubro de 2000, ele foi um dos sete astronautas do ônibus espacial Discovery, que levou em órbita partes da incipiente estação espacial. A construção havia começado alguns anos antes, mas ninguém ainda a habitara. Uma grande parte do trabalho no voo de Chiao foi realizada fora da estação, durante as caminhadas espaciais.

Mas os astronautas também ficavam brevemente no seu interior. “Tinha o cheiro de um carro novo”, lembra Chiao. Naquela época, era uma estação nanica. A parte habitável consistia de apenas três módulos, não os 16 hoje em órbita. Mas estava pronta para as pessoas tomarem conta dela.

A Estação Espacial Internacional e o ônibus espacial Endeavor acoplados em 2011. Foto: NASA/ESA via The New York Times

PUBLICIDADE

A Discovery se separou e voltou para a Terra no dia 20 de outubro. Onze dias mais tarde, três astronautas – William Shepherd da Nasa e dois russos, Sergei Krikalev e Yuri Gidzenko – partiram em um foguete russo Soyuz do Cosmodromo de Baikonur, no Cazaquistão. No dia 2 de novembro de 2000, eles aportaram na estação espacial e começaram sua estada de quatro meses e meio em órbita. E desde então há seres humanos vivendo fora do planeta. 

O projeto foi lançado como uma cooperação espacial depois da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a Rússia, embora para muitos o seu custo – muito acima de US$ 100 bilhões - ela fosse considerada um cartaz de propaganda de ineficientes megaprojetos do governo. Entretanto, na década passada, a estação, de certo modo inesperadamente, se transformou em um elemento fundamental que estimularia o capitalismo no espaço, levando potencialmente a novos setores de atividade e à possibilidade de que mais pessoas se dirijam para a órbita.

A pesquisa realizada na estação espacial ainda não descobriu uma cura para o câncer ou a osteoporose. E não gerou uma inovação tecnológica capaz de transformar a vida na Terra. Mas proporcionou à Nasa e a outras agências espaciais o conhecimento e a experiência que lhes permitiram construir uma máquina complexa no espaço, e uma visão profunda de como a microgravidade afeta o organismo humano.

Leroy Chiao (ajoelhado) com membros da tripulação de missão de um ônibus espacial que iria entregar partes da Estação Espacial, em outubro de 2000. Foto: KSC/NASA

“Tudo isto é um experimento: poderão os seres humanos viver no espaço por longos períodos de tempo, operar em seu ambiente complexo, e fazê-lo em em segurança, e com sucesso?”, disse Scott Kelly, um dos hóspedes mais destacados da estação, que passou aproximadamente um ano em órbita, começando em março de 2015. “Se este é um dos principais objetivos do programa, acho que tem sido um grande sucesso”.

Cinzas da Guerra Fria

Publicidade

Uma estação espacial em órbita é considerada há muito tempo um trampolim para o restante do sistema solar. Depois do esplendor do pouso da Apollo 11 na Lua em 1969, uma força tarefa chefiada pelo vice-presidente Spiro Agnew recomendou que se seguissem ambiciosos objetivos espaciais como um ônibus espacial reutilizável e uma estação espacial com finalidade de enviar astronautas a Marte já nos anos 1980.

O presidente Richard Nixon, que procurava conter o orçamento federal, deu à Nasa o sinal verde para o ônibus. O estágio superior de um dos foguetes Saturno 5 de uma missão lunar que fora cancelada foi transformado no Skylab, uma estação espacial para três missões da Nasa em 1973 e 1974. Mas se espatifou na volta à Terra na época em que os ônibus espaciais começaram a voar, em 1981.

Em 1984, o presidente Ronald Reagan anunciou planos para a construção de uma estação espacial que mais tarde batizou de Freedom. Mas depois de anos gastos em projetos e mais projetos, nenhuma peça da Freedom chegou a ser construída. Em junho de 1993, a Câmara dos Deputados aprovou por uma estreita margem a retomada do programa. Naquele ano, o governo Clinton começou a transformar a Freedom na Estação Espacial Internacional.

E em setembro de 1993, a Rússia, que tinha dezenas de anos de experiência operando seus postos avançados Salyut e Mir em órbita, formou uma parceria. As nações membros da Agência Espacial Europeia, com o Canadá e o Japão, também passaram a integrar o programa. “A Estação Espacial Internacional saiu das cinzas da Guerra Fria”, segundo Jeffrey Manber, diretor executivo da Nanoracks, uma companhia que fundou uma sociedade lucrativa para o transporte de carga comercial para a estação espacial.

Astronauta Karen Nyberg aprecia a vista de dentro da Estação Espacial Internacional em 2013. Foto: JSC NASA via The New York Times

PUBLICIDADE

Houston, nós não temos problema

O primeiro módulo, Zarya, construído pela Rússia, mas financiado pela Nasa, foi lançado em novembro de 1998. Poucas semanas mais tarde, o ônibus espacial Endeavour transportou a Unity, a primeira peça construída nos EUA, que conecta os segmentos chefiados pelos russos e pela Nasa.

Um módulo russo, Zvezda, foi lançado em julho de 2000. Estes foram os únicos que estavam lá quando Shepherd, Krikalev e Gidzenko passaram a morar na estação. “Em todo o voo, não houve realmente um dia típico”, afirmou Shepherd. A série de seres humanos no espaço não começou de maneira grandiosa em 20 anos. “As duas ou três semanas iniciais foram muito apertadas, porque a estação tinha de ser aberta de maneira gradativa”, contou Shepherd, um ex-integrante do corpo dos SEALs da Marinha, que foi o comandante da primeira tripulação.

Publicidade

“No começo, não podíamos ligar tudo e nem ir em todo lugar na estação”. Eles elaboraram sistemas como purificadores para impedir que os níveis de dióxido de carbono aumentassem, acondicionaram a carga, prenderam os componentes trazidos pelos ônibus espaciais, consertaram coisas que quebraram e inclusive fizeram alguns experimentos.

Quando os três astronautas regressaram à Terra, em março de 2001, Shepherd declarou que as condições na estação espacial eram realmente muito boas. “Ficamos confortáveis”.

Além dos pioneiros

Mais dez anos se passaram antes que a construção da Estação Espacial Internacional fosse considerada concluída, com uma pausa de mais de dois anos em que os ônibus espaciais não subiram depois da perda do Columbia em 2003.

“Todas as terríveis catástrofes ocorridas com o ônibus, significaram que todos nós, americanos e russos, ficamos muito tempo fazendo apenas a manutenção da estação”, disse Pavel Vinograd, um astronauta russo que chegou à estação em 2006, quando ela estava operando com uma tripulação de apenas duas pessoas, o que ele chamou de “modo de sobrevivência”.

Mas quando os ônibus espaciais foram liberados para voar novamente, a construção recomeçou. “Eu diria que, olhando para trás, tudo funcionou muito, mas muito melhor do que jamais poderíamos esperar”, disse Michael T. Suffredini, que foi gerente do programa da estação espacial por dez anos, de 2005 a 2015.

Astronauta Stephen Robinson ancorado no Canadarm2 da Estação Espacial Internacional em 2005. Foto: Nasa via The New York Times

Isto não significa que tudo tenha sempre transcorrido sem problemas. Os computadores quebraram, os sistemas de resfriamento falharam, apareceram vazamentos e o toalete quebrou. Em 2007, um incidente particularmente grave quase paralisou a estação. Quando os astronautas estavam tentando abrir um painel solar de 34 metros, ele rasgou. “Isto foi algo muito preocupante porque não tínhamos nada para substituí-lo”, disse Suffredini.

Publicidade

Uma solução seria descartar o painel danificado. Mas sem outro para pôr no lugar, a estação ficaria com pouca energia durante anos. Os engenheiros improvisaram uma solução que reparou o rasgo e permitiu que o painel fosse estendido completamente. Usando materiais da própria estação, os astronautas fizeram o que foi chamado de “abotoaduras” – pedaços de arame com uma espécies de flaps prendendo ambas as extremidades. Eles foram instalados durante uma caminhada espacial por um astronauta da Nasa, Scott Parazynski, de mais de sete horas de duração.

As três viagens de Peggy Whitson para a estação espacial permitiram que ela conquistasse o recorde de tempo cumulativo passado no espaço por um americano: 665 dias. Durante este tempo, ela testemunhou a evolução da estação de um local de construção para um laboratório de primeira linha em órbita onde os astronautas puderam dedicar mais tempo aos experimentos. A estação deverá permanecer em órbita até pelo menos 2024, e Suffredini agora procura aplicar o que foi possível aprender a estações espaciais comerciais. Ele é presidente e diretor executivo da Axiom Spave, uma companhia de Houston que a Nasa selecionou em janeiro para a construção de um módulo comercial que será acrescentado à Estação Espacial Internacional.

Quando a estação atual for retirada, o módulo da Axiom se tornará o coração de uma estação espacial Axiom. “A nossa companhia foi fundada com esta premissa, a de que podemos fazer isto com um custo muito menor”, disse Suffredini.

A Nanoracks, a companhia de Manber, também está desenvolvendo um conceito para um posto comercial avançado que operaria por meio de robôs na maior parte do tempo, e portanto de maneira mais barata. Também possibilitaria a realização de experimentos e manufaturas no espaço que poderiam ser demasiado perigosos com pessoas ao redor. Astronautas poderiam visitá-la periodicamente.

Segundo Suffredini, a trajetória atual da vida em órbita seguiu o caminho da exploração anterior de novos territórios. “Em toda exploração oficial na história da humanidade são enviadas apenas algumas pessoas financiadas pelo governo para fazer uma coisa relativamente arriscada, para ver o que há além”, ele disse.

Se houver alguma coisa de valor, a eles se seguirão os pioneiros e depois os colonizadores. “Para estabelecer isso”, disse Suffredini, “precisamos chegar ao estágio do pioneirismo, que é exatamente o que estamos fazendo”. / TRADUÇÃO DA ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Publicidade