Sextilhões de flocos de neve tombaram no inverno. Bilhões de trilhões deles, que derreteram com a chegada da primavera. Poucas pessoas os olham de perto, um a um.
Kenneth Libbrecht, professor de física no California Institute of Technology passou um quarto de século tentando compreender como uma substância tão simples - água - conseguia congelar e adquirir tamanha profusão de formas.
“Como os flocos de neve se formam?”, perguntou ele durante uma palestra on-line em 23 de fevereiro coordenada pelo Bruce Museum, em Greenwich, Connecticut. “E como essas estruturas aparecem, como gosto de dizer, simplesmente do ar rarefeito?”.
Uma das pessoas intrigadas com a pesquisa e as fotos de Libbrecht era Nathan Myhrvold, ex-diretor de tecnologia da Microsoft que desde então explora projetos em múltiplas disciplinas, incluindo a paleontologia, gastronomia e astronomia.
Myhrvold, um ávido fotógrafo, conheceu Libbrecht há mais de uma década e, na primavera de 2018, decidiu que queria tirar fotos dos intrincados cristais de gelo.
Mas como muitos dos seus projetos, as coisas não eram tão simples como imaginava.
“Foi muito mais complicado. Levei 18 meses para criar aquela maldita coisa”. E a “maldita coisa” foi um sistema de câmera customizado para fotografar os flocos de neve. Ele usou os melhores sensores digitais, que capturavam um milhão de pixels. “O floco de neve é muito, mas muito frágil”, disse ele. “É super complexo. E você deseja uma alta resolução”.
Mas esse tipo de sensor é muito maior na área do que as imagens produzidas pelas lentes de microscópios, um resultado de decisões que os fabricantes de microscópios tomaram há quase um século.
O que implicou a necessidade de encontrar uma maneira para alargar a imagem do microscópio para preencher o sensor.
Nos ajustes feitos “encontrei um caminho óptico projetado sob medida que permitiria que ele funcionasse”, disse. Um caminho óptico tipicamente feito de metal, mas o metal expande quando está quente e encolhe quando frio. Deslocar o aparelho de um ambiente quente para um balcão gelado, onde seriam fotografados os flocos de neve “estragaria completamente o microscópio, tornando impossível manter tudo no foco”, disse ele.
Em vez de metal, ele usou fibra de carbono que não expande e nem contrai de modo acentuado.
Myhrvold também encontrou um LED especial, fabricado por uma empresa no Japão para uso industrial que emite raios de luz 1/1.000 tão longos quanto um flash de câmera típico. O que minimiza o calor emitido do flash que pode derreter um pouco o floco de neve.
Para examinar uma coisa com um microscópio, um espécime é tipicamente colocado num slide de vidro. Mas o vidro retém calor. Que também derrete os flocos de neve. Assim, em vez do vidro ele usou safira, um material que esfria mais rapidamente.
Em fevereiro de 2020 ele achou que estava pronto. Mas onde encontrar os mais belos flocos de neve para fotografar? De início, achou que bastava ir a um resort de esqui, talvez Aspen ou Vail, no Colorado, ou Whistler, na Colúmbia Britânica.
Mas esses lugares não eram frios o bastante.
“A neve em pó que um esquiador vai gostar, na verdade contém muito pó. Não há muita beleza nisso”.
Quando as temperaturas estão abaixo do ponto de congelamento, os flocos de neve, no geral, são simples hexágonos. Quando elas chegam a 6 ou 7 graus negativos, a forma que prevalece é de colunas hexagonais. É entre 9 e 15 graus negativos que se formam flocos de neve arquetipicamente belos.
A essas temperaturas, as pontas do hexágono se transformam em ramos, que depois geram outros, e placas hexagonais. Ligeiras variações na temperatura e umidade afetam o padrão e as condições mudam constantemente à medida que a neve cai no solo.
“Como ela tem esse caminho complicado através das nuvens, isto resulta em formas complicadas”, disse Libbrecht. “Os flocos seguem diferentes caminhos e assim cada um parece um pouco diferente do outro, dependendo do caminho”.
Assim, para encontrar belos flocos de neve, Myhrvold foi para o norte e bem mais ao norte. Ele e alguns assistentes carregaram cerca de mil quilos de equipamento até Fairbanks, no Alasca, Yellowknife, a maior comunidade dos territórios no nordeste canadense, e Timmins, Ontário, cerca de 240 quilômetros ao norte do Lago Huron.
Um mês depois, a pandemia do coronavírus provocou uma pausa na empreitada. Mas Myhrvold conseguiu obter imagens de altíssima resolução de flocos de neve jamais conseguidas.
Essa afirmação aborreceu outros envolvidos no mundo dos flocos de neve, entre eles Don Komarechka, fotógrafo canadense que adota um método decididamente menos tecnológico. Ele utiliza uma câmera digital comprada no supermercado com uma lente macro com alta potência. Não usa nem mesmo um tripé - apenas segura a câmera enquanto os flocos de neve caem sobre uma luva preta que sua avó lhe deu.
“Incrivelmente simples”, disse ele. “É acessível para qualquer pessoa com uma câmera na mão”.
Sobre o sistema de Myhrvold ele disse: “acho um pouco técnico demais”.
Para contestar as afirmações de Myhrvold, Komarecka tirou uma foto que, segundo ele, foi de resolução ainda mais alta. Myhrvold respondeu explicando porque suas imagens eram ainda mais detalhadas.
Em termos práticos, as fotos dele são mais marcantes quando impressas em papel em tamanhos ampliados. Estão à venda em tamanhos de até 2 metros por 1,5 metro.
“Nesse sentido mais estrito, sim, é o que Nathan está afirmando, e ele não está errado”, disse Kormarechka. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.