THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ibiza, Espanha - O sol se pondo e a festa no Ushuaïa estava só começando. Não faz muito tempo, quase oito mil pessoas festejaram ao ar livre em um dos megaclubes o início da primeira temporada de baladas, depois de três anos, e o público, que incluía muitas mulheres de biquíni e homens bronzeados expondo os músculos, parecia disposto a recuperar o tempo perdido.
Enquanto a dupla de DJs ucranianos Artbat tocava uma mistura poderosa de house e techno, as pessoas curtiam em volta da piscina, acompanhadas por palmas pelos hóspedes nas sacadas, que têm vista para a balada. Na área VIP, funcionários desfilando com velas sparkles, anunciando que mais um dos convidados tinha acabado de comprar outra garrafa cara de champanhe.
Tomando um drinque no balcão, Mina Mallet, coberta de tatuagens, financista de Zurique, de 25 anos, disse que a reabertura dos clubes da ilha marca o fim de um período difícil e tedioso na Europa. “Representa um recomeço: voltamos a poder aproveitar a vida, a liberdade e a encher a cara. Acho até que o pessoal curtindo mais que antes.”
Depois de mais de dois anos de incertezas para as casas noturnas, de uns meses para cá os governos da Europa começaram a suspender as restrições impostas pela pandemia, permitindo a reabertura com uma relativa sensação de estabilidade pela primeira vez desde março de 2020.
Em muitos países, incluindo Espanha, Alemanha e Reino Unido, as autoridades agora permitem que os clubes funcionem sem a necessidade de distanciamento social e de verificação de vacinas - e, embora a pandemia não tenha acabado e uma nova variante possa aparecer a qualquer momento para acabar com a folia, os festeiros europeus parecem prontos para retomar a época em que ninguém tinha nem ouvido falar em Covid.
O retorno é também um alívio para muita gente que trabalha no setor, bastante afetado. Antes da pandemia, 45% do PIB das Ilhas Baleares, que incluem Ibiza, vinham do turismo, com as casas noturnas aparecendo como o maior atrativo; segundo o Instituto Estatístico local, no primeiro semestre de 2021 os gastos com turismo em Ibiza e na vizinha Formentera foram equivalentes a um terço dos níveis pré-Covid.
A associação Ocio de Ibiza calcula que 30 mil pessoas foram à ilha em um fim de semana recente para frequentar os clubes, número compatível com um fim de semana de abertura de temporada antes de março de 2020. Sanjay Nandi, CEO do grupo que administra a Pacha, afirmou em entrevista que a pré-venda de ingressos tinha superado a dos anos anteriores.
Dos principais clubes da ilha, só o Privilege não tem planos de reabrir neste verão (setentrional). “Sei que temos muita sorte porque, como outras casas noturnas, a Pacha recebeu ajuda do governo federal por intermédio do programa de afastamento para os funcionários, além da verba de 18 milhões de euros, ou US$ 19 milhões, do Fundo de Recapitalização, que beneficiou as empresas mais afetadas. E conseguiu gerar alguma renda graças aos restaurantes e outras casas. O tamanho desses clubes - para um público médio de três mil pessoas, e tem até os que comportam 7.800 -e a influência política associada a eles ajudaram a driblar a pandemia muito mais que os pequenos conseguiram. Ser grande ajudou muito.”
Nem todos os outros clubes europeus tiveram a mesma sorte. Segundo o canal de TV France24, 200 já tinham fechado as portas de vez na França antes do fim do ano passado. Uma pesquisa divulgada em outubro pela Associação dos Setores de Diversão Noturna, grupo lobista britânico, mostrou que 22 por cento das boates da cidade tinham fechado desde o início da pandemia.
Amy Lamé, “rainha da noite” londrina e funcionária municipal encarregada de fazer a ponte entre as casas noturnas e as autoridades municipais, informou em entrevista que a Prefeitura estava fazendo uma avaliação própria dos prejuízos. “Embora o governo tenha fornecido verba de auxílio, o desafio maior foram as determinações de saúde pública, imprevisíveis, que chegavam a mudar de uma hora para outra. As autoridades também fizeram questão de ajudar o que gosto de descrever como ‘casas vulneráveis’, incluindo as voltadas para o público LGBTQ. Foi graças a isso que todos os estabelecimentos do setor sobreviveram. Se perdermos esse tipo de segmento, parte da essência de Londres vai desaparecer.”
Mas as medidas mais ambiciosas para proteger o setor foram tomadas em Berlim, outra capital europeia das baladas, onde a vida noturna é reconhecida como um dos principais motores da economia da cidade. De acordo com um estudo feito em 2018 pela Comissão de Casas Noturnas de Berlim, os turistas em visita à capital alemã injetaram cerca de US$ 1,7 bilhão nos cofres locais.
Além de oferecer auxílio financeiro para empresas grandes e pequenas durante a pandemia, as autoridades alemãs classificaram as casas noturnas como centros culturais, garantindo-lhes assim acesso ao fundo de dois bilhões de euros reservado para instituições como museus e teatros. Berlim também disponibilizou um fundo emergencial extra para as boates fechadas. Segundo Kyle Van Horn, diretor executivo do Trauma Bar und Kino, clube e espaço artístico em Berlim, foi graças à pandemia que as autoridades mudaram a maneira como tratam as casas noturnas. “Houve uma mudança por parte do governo, que finalmente passou a nos encarar como contribuição relevante à sociedade.”
Em entrevista, Lutz Leichsenring, porta-voz da Comissão de Clubes, afirmou que, graças a essa ajuda, nenhuma boate em Berlim fechou as portas como consequência direta das restrições pandêmicas. “A ajuda foi distribuída de uma forma muito justa. A pandemia exigiu que o setor se mobilizasse como força política. Contamos com uma base muito sólida.”
E talvez inevitavelmente as mudanças sociais dos últimos dois anos também estejam se fazendo sentir na pista de dança. Segundo Steven Braines, um dos fundadores da He.She.They, gravadora londrina e empresa responsável pelas festas LGBTQ no megaclube Amnesia, em Ibiza, na temporada atual, os organizadores estão mais focados em expandir a diversidade racial e de gênero entre os eventos que promovem, o que em parte é resultado da maior visibilidade internacional de movimentos como o #MeToo e o Black Lives Matter durante a pandemia.
“Dá a impressão de que os homens talvez já não ajam tanto como ‘predadores’ na pista de dança. Na minha opinião, a cultura da balada será reformulada pelos jovens de 18, 20 anos que estão chegando agora e têm menos experiência com as drogas e as bebidas alcoólicas. Vai ser uma geração nova, diferente.”
Alguns desses recém-chegados estavam reunidos, não faz muito tempo, à porta do Amnesia, situado na estrada perto da periferia da maior cidade da ilha. “Eu tinha acabado de fazer 18 anos quando veio a pandemia, todo mundo falando que eu estava perdendo os melhores anos de balada. Até saio em Madri, mas lá tem limite; aqui, não, tem festa, after-party e after-after-party. Pois estou aqui para recuperar o tempo perdido”, contou Sebastian Ochoa, de 20 anos, que trabalha com redes sociais.
Ali perto, Richard Stone, de 58 anos, revelou que frequenta o clube há 30, geralmente quatro vezes por temporada. “Não dava para perder a reabertura, né? É um marco histórico!”
A alguns minutos de carro dali, perto da principal marina da ilha, na Pacha, a festa era mais glamorosa. Uma fila de centenas de pessoas se estendia do lado de fora de uma estrutura branca gigantesca que inclui terraço de cobertura, jardim, restaurante e loja de presentes, onde o visitante pode comprar um capacete para scooter com o logo da casa (US$ 221) ou um jogo Monopólio da marca Pacha.
A área VIP do andar superior, onde os clientes pagaram até 25 mil euros por uma mesa, estava lotada de grupos de homens de terno e mulheres de minivestido brilhante dançando ao som do DJ teuto-bósnio Solomun. A uma das mesas, Arthur Coutis, de 20 anos e recém-chegado de Paris, disse que, na sua opinião, a pandemia forçou os baladeiros a mudar suas prioridades. “Antes era muito mais um lance de grana, de bebedeira; hoje tem mais a ver com liberdade, curtir o som”, disse, olhando para o público. Com a música chegando ao clímax, um grupo ali perto ergueu uma garrafa de champanhe e gritou de alegria.
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times