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Como o resgate da vida selvagem pode curar o coração humano

Há algo em todos nós que responde ao sofrimento de outra coisa viva

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Por Margaret Renkl

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Como uma jovem estudante universitária, trabalhei como voluntária para o Alabama Wildlife Center, cuidando principalmente de filhotes de pássaros canoros, esquilos e gambás. Os filhotes confiados aos meus cuidados eram todos saudáveis o suficiente para que uma adolescente fosse bem sucedida alimentando-os pela manhã e a cada hora até o anoitecer.

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Apenas uma vez fui designada para um animal ferido. Era primavera, época de filhotes, e talvez não houvesse voluntários veteranos suficientes para assumir mais um coelho do gênero Sylvilagus, uma espécie que fica particularmente estressada pelo manejo humano. Este coelhinho era tão jovem que seus olhos ainda estavam fechados. Todos os seus irmãos de ninhada foram mortos quando um cortador de grama passou por cima do ninho. O que estava sob meus cuidados havia perdido metade do nariz. Não sobreviveu até a noite.

Aquele coelhinho, eu sei agora, nunca teve chance. Talvez eu soubesse disso também, mas saber disso não teria me impedido de chorar sobre seu corpinho frio ao amanhecer.

Você pode estar se perguntando por que uma organização de resgate de animais selvagens se daria ao trabalho de receber um animal tão gravemente ferido. Talvez você esteja se perguntando por que eles tentam salvar esses tipos de criaturas. “Mas há tantos coelhos!” Muitas vezes ouvi as pessoas dizerem isso em meus dias de voluntariado. “Já temos tantos gambás e esquilos.”

Estritamente falando, elas estão certas. O coelho Sylvilagus oriental não está, até agora, em perigo de extinção. Nem o esquilo cinza oriental, nem o gambá da Virgínia, nem o tordo-imitador, nem o tordo-americano. Cada filhote selvagem que criei quando era estudante universitária pertencia a uma espécie que não estava ameaçada de extinção em 1980 e não está ameaçada agora.

Diga isso ao adolescente traumatizado que corta a grama e descobre que matou uma ninhada de coelhos. Diga isso ao viajante traumatizado que matou um gambá fêmea com filhotes agarrados às costas, ou à pessoa cujo animal de estimação matou uma mamãe esquilo, deixando seus filhotes morrendo de fome.

Em se tratando das espécies, é fácil para as pessoas dizerem: “O que é um esquilo a menos?” Mas nem o coração humano mais amargo pode deixar de responder ao sofrimento de outra coisa viva. Diante de um filhote de esquilo faminto se contorcendo desesperadamente entre seus dedos, as pessoas quase sempre se sentem compelidas a alimentá-lo.

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Debbie Sykes, diretora do Nashville Wildlife Conservation Center, alimenta Ghost, um gambá de três anos de idade. Foto: Aaron Hardin/The New York Times

Hoje em dia, na maioria dos estados, é ilegal pegar um animal selvagem sem treinamento especial e licença estadual. É aí que entram os especialistas em reabilitação da vida selvagem e as organizações de resgate. Esses reabilitadores treinados e licenciados geralmente são voluntários; muitos fazem esse trabalho exigente de suas próprias casas.

Mas mesmo para reabilitadores dos centros mais bem equipados - aqueles com máquinas de ultrassom, testadores de chumbo e equipamentos de sedação a gás - trabalhar no resgate de animais selvagens é ter seus corações partidos repetidas vezes. Há tanto sofrimento, e uma grande quantidade dele poderia ser evitada se os seres humanos tomassem um pouco mais de cuidado ao compartilhar a terra com outras criaturas. Por que os reabilitadores da vida selvagem continuam fazendo esse trabalho de cortar o coração, fisicamente exigente, demorado e muitas vezes muito caro?

É porque eles têm um coração terno pelas criaturas que se esforçam tanto para se adaptar aos nossos costumes. Acho que eles também devem ter um coração terno, mesmo para os seres humanos que, sem saber, criam os perigos que levam a tanta dor e destruição. Quando alguém liga, desesperado por ter atropelado uma tartaruga com um cortador de grama, os especialistas em resgate da vida selvagem suspiram e dizem: “Quando você pode trazê-la?”

Os reabilitadores fazem de tudo para salvar todos os animais feridos. Se eles não podem salvar o animal, podem pelo menos dar-lhe uma morte misericordiosa. E eles podem aproveitar a oportunidade para explicar por que é tão importante caminhar pelo quintal antes de cortar a grama, dando a chance de fuga para animais selvagens de todos os tipos. Cada animal resgatado representa um ser humano que aprendeu algo importante sobre como viver com mais delicadeza no mundo. Reabilitar o coração humano pode ser o trabalho mais importante dessas organizações.

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Em uma semana de novembro, na Giving Tuesday (terça-feira de doação), concentrei minhas doações nas organizações locais de resgate da vida selvagem que sigo nas redes sociais: Walden’s Puddle, Harmony Wildlife Rehabilitation Center, Nashville Wildlife Conservation Center, Lillie Birds Wildlife Rehabilitation e Ziggy’s Tree Wildlife Rehabilitation Center. Todas foram fundamentais em minha formação como naturalista. Algumas acolheram os animais feridos ou órfãos que encontrei em meu próprio quintal. (Verifique o Animal Help Now ou sua agência estadual de recursos da vida selvagem para encontrar reabilitadores da vida selvagem em sua própria área.)

Principalmente por meio das redes sociais, mas também por meio de programas escolares e comunitários, os especialistas em reabilitação da vida selvagem podem alcançar muito mais pessoas do que aqueles que trazem animais feridos e órfãos. Eles desempenham um papel crucial na educação da comunidade sobre como ser um bom vizinho para os animais selvagens que lutam para viver entre nós enquanto o desenvolvimento invade seus territórios. Eles nos ajudam a entender que essas criaturas comuns de quintal são todas extraordinárias, cada uma tão única entre sua própria espécie quanto nós somos entre os nossos.

Esse reconhecimento é o primeiro passo para entender que é nossa obrigação moral fazer o que for preciso para sustentar a biodiversidade de nosso próprio ecossistema. A ameaça de extinção não é a única medida pela qual a saúde de uma população animal deve ser medida, e muitos de nossos vizinhos selvagens comuns - pássaros canoros, coelhos, tartarugas, sapos e salamandras, só para começar - estão perdendo terreno com muita velocidade. Cada criatura que uma organização de resgate devolve à natureza ajuda a conter as perdas.

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A partir das contas de redes sociais dessas organizações sem fins lucrativos, é possível aprender o quão devastador é o veneno para roedores, subindo na cadeia alimentar e matando ou enfraquecendo os predadores a ponto deles morrerem de fome; por que o aumento de raticidas pode explicar o aumento de sarna entre as raposas vermelhas; quando deixar um filhote de passarinho sozinho; por que é importante deixar as folhas caídas no chão; como saber se um cervo é órfão; a importância de manter os gatos dentro de casa; o sofrimento desnecessário causado por armadilhas pegajosas; o benefício de sobrevivência que os coelhos adquirem ao se manterem limpos; por que os pássaros que batem nas janelas precisam ser levados para um local de reabilitação, mesmo que pareçam bem; o que a cor dos olhos revela sobre a saúde de uma tartaruga de caixa; as muitas razões para não cortar grama ou deixar o cortador no grau mais alto. Além de inúmeros outros fatos fascinantes sobre as criaturas que vivem além de nossas janelas.

Assim como é quase impossível ver um animal sofrendo e não querer salvá-lo, seja qual for o esforço, inconveniência e despesa necessária, é impossível estudar o trabalho de reabilitadores da vida selvagem e não ficar maravilhado com as complexidades dos outros animais, e comunidades de animais, que eles trabalham tanto para preservar. Também é impossível não ficar maravilhado com a capacidade humana de compaixão. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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