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Conheça a banda britânica Dry Cleaning, que tem conquistados fãs com seu ‘canto falado’

Grupo acaba de lançar um disco e está em turnê mundial, que passará por 17 países

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Por Simon Reynolds

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No festival Primavera Sound, promovido no Parque Histórico Estadual de Los Angeles, a banda britânica Dry Cleaning tocou sob a luz do sol de uma tarde de setembro. Cheio de tatuagens, o guitarrista Tom Dowse arrasou, fazendo caretas e mostrando a língua de vez em quando. Uma brisa soprava o cabelo comprido do baixista Lewis Maynard no rosto, fazendo-o parecer um bichinho de pelúcia roqueiro. O baterista Nick Buxton tocava como se estivesse na sala de máquinas do AC/DC. Mas a vocalista Florence Shaw não se encaixava na cena.

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Em vez de rosnar ou rugir como a música pareceria exigir, ela apresentou uma sequência confusa de observações monótonas e surreais, em tons de conversa que alternavam sutilmente entre o desânimo, a desaprovação e o devaneio. Usando uma saia de renda preta comprida e uma camisa dourada brilhante, segurava o microfone como se fosse a haste de uma taça de vinho e mexia distraidamente no cabelo no topo da cabeça, como se estivesse em um bate-papo com uma amiga íntima.

Distorcer uma letra do novo álbum da Dry Cleaning, Stumpwork, lançado em 21 de outubro, é uma premissa estranha para uma banda - mas gosto disso. Assim como um número crescente de pessoas. O grupo londrino embarcou recentemente em uma turnê mundial que o levará a 17 países (a banda não tem agenda no Brasil). Sua estreia em 2021, o álbum New Long Leg, chegou ao quarto lugar na parada do Reino Unido. Esse feito refletiu tanto a originalidade do disco quanto a posição do Dry Cleaning na vanguarda do movimento “speak-sing”: tendência que abrange bandas como Yard Act, Wet Leg e Black Country New Road, que têm pouco em comum além do vocalista que faz comentários sociais em vez de cantar.

Sentada a uma mesa no jardim, no recinto só para artistas do Primavera, Shaw admitiu que estar à frente de uma banda cult não era um sonho antigo. “É uma reviravolta muito surreal, uma coisa totalmente inesperada. Gosto de bandas, mas nunca planejei estar em uma”, disse ela, arregalando os olhos como se ainda estivesse surpresa.

Até alguns anos atrás, a artista de 33 anos ganhava a vida como professora visitante, ensinando desenho de moda e ilustração em faculdades de arte. Então, seu amigo Dowse sugeriu que ela participasse de uma nova banda que ele tinha montado com Buxton e Maynard. Os três rapazes tinham uma longa história tocando em vários grupos punk barulhentos como atividade secundária. Mas, quando Shaw chegou e adicionou suas palavras ao som duro e barulhento, algo pareceu ter dado certo.

No papel, a fórmula parece desagradável - pretensiosa ou apenas estranha -, mas, em última análise, tem um sentido mágico. Enquanto seus colegas de banda entrelaçam riffs e estilos vindos de toda a história do rock alternativo, Shaw não levanta a voz, mas chama a atenção com seu tempo, seu fraseado e seu fluxo aleatório de percepções. Versos que poderiam ser a transcrição de uma discussão são seguidos por um pensamento fragmentado vindo de algum monólogo interior de arrependimento ou aflição. Shaw inventou um modo notavelmente original de composição não melódica que vagueia entre o stand-up, a poesia e os solilóquios da comediante Phoebe Waller-Bridge, que derrubam a quarta parede. “Ela é brilhante; faz com que eu me lembre de mim mesmo. Mistura observações extremamente realistas com o absurdo. Coisas de fato bizarras. Não faz muito sentido, mas faz. Transmite significados só com uma palavra”, comentou Jason Williamson, vocalista do Sleaford Mods, amplamente considerado o pai da atual onda de grupos britânicos de canto/fala.

Integrantes da banda Dry Cleaning, da esquerda para a direita: Nick Buxton, Florence Shaw, Tom Dowse e Lewis Maynard. Foto: Max Miechowski/The New York Times

Usando as pausas com habilidade e esticando as sílabas, Shaw é uma virtuose da entonação. “Fico muito interessada em pequenas diferenças. Gosto daquele jogo em que você coloca a ênfase em um lugar diferente de uma frase e acaba com um significado completamente diverso. As mesmas palavras podem soar assustadas em vez de orgulhosas.”

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Quando o Dry Cleaning estava gravando parte do novo álbum em um estúdio de Bristol, Shaw saiu às ruas em missões de busca, recolhendo comentários de pedestres, lendo placas de lojas e analisando pontos turísticos incomuns. Registrava tudo no bloco de notas do celular.

Outra expedição foi a visita a uma “venda no porta-malas”, mercado de pulgas específico do Reino Unido no qual as pessoas estacionam o carro em um campo e vendem tralhas expostas no porta-malas. Shaw também gosta de colecionar palavras. Stumpwork, o título de uma música e do novo álbum, é algo que ela tenta usar há anos. “Gosto do som. É um tipo de bordado, como o trançado em uniformes militares ou roupas esportivas americanas. Originalmente, era usado para descrever personagens e pessoas em relevo nas tapeçarias.”

Musicalmente, Stumpwork é um esforço consciente e concertado por parte da banda para mostrar que é mais do que pós-punk. Deixando para trás o som descarnado e as linhas de baixo tensas do primeiro álbum, o novo disco volta ao início dos anos 1990 e do “slacker” lo-fi de bandas como Pavement. “Pensei muito no Stephen Malkmus quando estava gravando a guitarra, naquele tipo de vibração”, disse Dowse, explicando que usa uma guitarra Jazzmaster porque “era o que todos os grupos dos anos 90 como Sonic Youth e Dinosaur Jr. usavam”.

Comparado com New Long Leg, de certa forma Stumpwork é um álbum americano. O disco de estreia parecia um dia úmido de inverno, um clima liricamente espelhado em frases como “it was chucking it down” (estava chovendo a cântaros) e “raincoat sweat” (suor de capa de chuva). Em comparação, Stumpwork tem a vibração atordoada e nebulosa de uma tarde inebriante de verão. Embora Shaw ainda lance mão de trechos mais melancólicos como “parece que tensões e contratempos se aproximam”, o desalento de New Long Leg se abriu para permitir momentos de alegria despreocupada e contentamento silencioso.

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Se há tristeza aqui, ela deriva menos da vida pessoal do que da atmosfera política. A faixa Conservative Hell expressa a perspectiva da banda e de muitos de sua geração. “Um escândalo depois do outro, níveis de corrupção e mentiras no topo do governo, e parece que não há contestação. Acho que todo mundo está entorpecido”, afirmou Dowse.

Em Stumpwork, Shaw se torna explicitamente polêmica de vez em quando. Fala em ver “violência masculina por todo lado” ou destila o terrível impasse do Reino Unido no panorama de três frases “Nada funciona / Tudo é caro / E opaco e privatizado”. Mas seu verdadeiro forte é a micropolítica da vida comum: humilhações mesquinhas e aborrecimentos, a forma como a publicidade e a mídia implantam desejos e ansiedades na cabeça. “Não sou muito bem informada sobre política, mas sou muito sensível a tudo, e sei que as coisas não estão bem.”

Esse comentário terminou com uma explosão de risos. O sorriso e a alegria são uma constante em sua conversa, em contraste com o que Shaw demonstra no álbum e no palco. A descrição de “impassiva e sem expressão” a irrita porque não inclui os sutis tons de cinza com que trabalha. Referindo-se a uma crítica que a descreveu como “uma modelo entediada lendo as páginas da revista Grazia”, Shaw observou: “Uma vez, alguém disse que nosso show tinha sido ótimo, mas que o tínhamos estragado ao sorrir entre as músicas. Como se estivéssemos saindo da personagem. Não dá para evitar as críticas!” Mais risos.

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Williamson colocou o Dry Cleaning em uma linhagem britânica de grupos que combinavam humor observacional, realismo social corajoso e a vivacidade do vernáculo cotidiano: “É uma banda inglesa clássica na veia do Jam, The Specials, Ian Dury e The Blockheads.”

Uma forma de a língua inglesa se manifestar no Dry Cleaning é na lacuna entre a intensidade dramática da música e a leveza da paleta emocional de Shaw e sua expressão discreta. “Pode haver algo muito terno. Porque, de certa maneira, é uma espécie de falha em se expressar no momento certo “, comentou Shaw, acrescentando: “Perder o momento em que você deveria de fato ficar com raiva e, em vez disso, senti-la mais tarde - isso é uma característica da minha vida. Acho que prefiro ser uma pessoa que consegue expressar emoções funcionalmente, na hora certa. Mas levo muito tempo para processar as coisas e grande parte da minha performance consiste em exorcizar esses sentimentos residuais. Talvez isso seja um pouco britânico.”

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