Conheça Bilal Baig, artista queer que estrela a série ‘Tipo Isso’, da HBO Max

As duas temporadas da sitcom, que conta a história da babá e bartender não binária Sabi Mehboob, está disponível na plataforma

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Por Alexis Soloski

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Apenas alguns minutos depois que o escritor e performer Bilal Baig tinha chegado ao Museu Whitney de Arte Americana, um fã de camisa rosa se aproximou. “Você está em um programa de TV canadense? É o melhor de todos os tempos.” Baig lhe agradeceu pelo elogio educadamente, embora de maneira tão discreta que desencorajou a conversa. A observação final do rapaz: “Nunca vou ser tão cool quanto você.”

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Naquela manhã no Whitney, Baig, de 28 anos, tinha um ar elegante, trajando vestido de malha, gabardine azul-petróleo e botas de salto alto. A maioria das pessoas não usa couro em tons brilhantes sem algum conforto na visibilidade. Mas, para Baig, nativo de Toronto e artista muçulmano queer transfeminino no centro de identidades sobrepostas, ser visto tem suas complicações. (Baig normalmente usa pronomes de gênero neutro, mas aceita os outros. “Qualquer coisa, exceto os pronomes que me foram dados. Além disso, o gênero para mim tem muito a ver com o que as outras pessoas transmitem. Só sigo a onda.”)

Em Tipo Isso, a série cômica de meia hora da HBO Max que Baig criou com o escritor e performer Fab Filippo, Baig atua como Sabi Mehboob, babá e bartender não binária. Baig não é Sabi. Sabi tem formação de eletricista; Baig estudou teatro. Além disso, Baig saiu do armário há mais tempo e, no geral, em lugares mais receptivos. No entanto, a sobreposição permanece. Ambos compartilham a vigilância e um senso de humor sarcástico.

Bilal Baig, criador e astro de 'Tipo Isso' Foto: Yael Malka/The New York Times

Respondendo a uma pergunta sobre as semelhanças, Baig disse: “O que mais me liga a essa personagem é o nível de cautela, que provavelmente é comum na experiência transfeminina. Entendo por que Sabi não confia no mundo e nas pessoas em geral. Entendo isso em um nível psicológico profundo.” E acrescentou: “Tenho sempre a sensação de que alguém vai me machucar. Alguém está olhando para mim de uma maneira que talvez não seja exatamente como quero que olhem para mim? É fascinante. Passo por isso diariamente.”

Tipo Isso, que recentemente retornou à HBO Max para uma segunda temporada, começou em 2018. Baig, então um recém-formado em teatro que teve um pequeno papel em uma peça em Toronto, começou a conversar nos bastidores com Filippo, que também estava no elenco. Este sugeriu colaborar em um programa de TV inspirado na vida de Baig, que nunca tinha feito TV antes e estava pensando seriamente em abandonar a profissão de ator e optar por um trabalho sem fins lucrativos. Mas a ideia era intrigante. “Era desafiador e assustador, por isso decidi aceitar.”

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Quase todos estamos em transição

Juntos, os dois criadores decidiram que Tipo Isso, que cresceu e acabou incluindo a família para a qual Sabi trabalha de babá e também as próprias famílias de Sabi, a biológica e a encontrada, se concentraria na identidade e na transição em um sentido geral, não em particular. A comédia suave e elegante reconhece que quase todos estamos em transição de uma forma ou de outra, se pararmos para observar.

Temas e perguntas que poderiam ter parecido pertinentes - Como Sabi se identifica? As pessoas vão aceitar Sabi? Vão achar Sabi atraente? - são na sua maioria respondidos, ou não são especialmente importantes. Baig e Filippo preferiram moldar a comédia inspirados em outros programas sobre jovens de 20 e poucos anos e seu malabarismo com o emprego, os amigos e os parceiros românticos. “Se simplesmente mantivéssemos isso, mas inserindo esse corpo, essa cor da pele, esse gênero, achamos que seria novo e engraçado. E, tipo, é possível”, comentou Baig.

Alguns elementos foram emprestados, direta ou indiretamente, da vida de Baig. Muitos dos gestos e expressões de Sabi sempre foram de Baig - as longas pausas, a impassibilidade esmagadora, a expressão propositadamente vazia. O relacionamento de Sabi com seus pais não corresponde exatamente ao de Baig. Mas Sabi experimenta o estranhamento, particularmente de seu pai. Baig também sente algum estranhamento: “Sinto que os laços entre nós estão bastante presentes. Meus pais conhecem o seriado. Sabem como me posiciono no mundo. Mas não é um mar de rosas.”

E, no entanto, Baig se posiciona com mais segurança do que Sabi, mesmo quando o artista e a personagem compartilham a crença de que o mundo nem sempre pode ser acolhedor. Ellora Patnaik, que interpreta a mãe de Sabi e conhece Baig há anos, afirmou: “Bilal está em um lugar de muito mais confiança e consciência, e realmente olhando para o futuro com mais certeza do que incerteza. Não que tudo seja sólido, especialmente em sua comunidade. Mas consegue olhar para as coisas e realmente sentir que tem um pouco mais de controle sobre sua vida. Sabi ainda está em busca disso.”

Os criadores não queriam que essa busca parecesse singular. Baig e Filippo estavam determinados a mostrar uma variedade de gêneros, idades e identidades sexuais e raciais, sugerindo um rico espectro da experiência humana em vez de pontos fixos. E, atentos às séries em que personagens queer e transgêneros encontram um fim trágico, quiseram propor uma contranarrativa. “Isso foi realmente fácil. Tudo que tínhamos de fazer era não mostrar Sabi sendo morto. Literalmente, foi isso”, disse Baig.

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No entanto, Tipo Isso não defende uma bandeira em particular, e se o show é provocativo, essa provocação vem de seu tom natural, sua tranquilidade, sua ampla aceitação de suas personagens. “Entendo os seres humanos. Eles me animam. Quero jogá-los em espaços onde conversem uns com os outros”, observou Baig.

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O investimento de uma empresa chamada Sphere Media convenceu a Canadian Broadcasting Corp. a encomendar a série. Pouco antes do início das filmagens, a HBO Max também se juntou ao projeto, o que Baig descreveu como aterrorizante: “É a pressão de chegar a muito mais pessoas.”

Tipo Isso foi poupado da pressão de ser a primeira série com uma personagem principal não binária. Essa honra provavelmente vai para a comédia Feel Good, de Mae Martin, na Netflix. Mas a primeira sessão de filmagem, que começou no auge da pandemia, parecia tensa. “Todo mundo achava que ia morrer. Ir trabalhar era muito assustador”, afirmou Filippo.

Todos saíram ilesos, e a sitcom, que estreou em novembro de 2021, rapidamente se tornou a queridinha da crítica. (“É o tipo de atuação que todos merecem, e Tipo Isso faz parecer fácil”, escreveu um crítico da Mashable.) O show recebeu um Prêmio Peabody e ganhou o prêmio de melhor comédia no Canadian Screen Awards. Baig não quis ser incluído nas categorias de ator ou atriz, o que incentivou as premiações a remover completamente o gênero de suas categorias de atuação.

Essa aprovação trouxe a Baig um nível de fama que está no limite do conforto. No Whitney, eu tinha planejado lhe perguntar se era famoso apenas no Canadá ou em geral, e foi quando o homem de camisa rosa se aproximou. Acontece que ele era de Toronto, de modo que essa foi uma resposta. Baig disse: “Sobretudo em Toronto, há respeito. As pessoas dizem coisas muito simpáticas e depois me deixam totalmente em paz.”

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Se a fama nunca foi o objetivo, Baig aprecia as oportunidades que ela oferece para contar mais histórias, histórias que não são necessariamente suas: “Tem mais coisas que quero criar e dizer.” Nesse meio-tempo, gostaria de produzir pelo menos uma terceira temporada para encerrar a história de Sabi. A próxima temporada se concentra no amor, em todas as suas formas. Uma adicional pode fazer com que Sabi se aprofunde ainda mais em sua identidade. “Esses muros que foram erguidos em torno dele vão caindo muito lentamente”, comentou Baig.

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Baig também tem seus muros, é claro, que podem cair ou não. Mas esse senso de isolamento, de reserva, fez de Baig um observador atento do comportamento humano, qualidade que se entrelaça com a empatia inata para produzir o tom distinto de “Tipo Isso” - cáustico, melancólico e, em última análise, generoso.

Uma hora depois da visita, subimos as escadas para uma exposição de pinturas de Edward Hopper. Baig parou no quadro de uma mulher sentada na cama, iluminada pelo sol do início da manhã. “Parece algo que eu faria. Sou bom nisso. Acho que as pessoas tristes são fascinantes.”

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