Coronavírus expõe frágil situação dos trabalhadores da "economia dos bicos"

Essas empresas dizem oferecer oportunidades de trabalho flexíveis que podem ser a salvação de muitos em períodos de declínio econômico, mas a realidade é muito diferente disso

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Por Kate Conger, Adam Satariano e Mike Isaac

SÃO FRANCISCO - Passava pouco das 11h da manhã quando Jaime Maldonado, de 51 anos, entrou com seu Nissan alugado em um estacionamento perto do Aeroporto Internacional de São Francisco. Imaginou que teria uma longa espera diante de si - cerca de duas horas - até que o Lyft enviasse a ele uma notificação para que buscasse um passageiro.

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Enquanto os minutos passavam, Maldonado se indagava. “O que vou fazer para encher o tanque e alimentar as crianças amanhã?” O número de corridas feitas por ele em uma semana típica tinha caído pela metade em relação ao início do mês, de 100 para cerca de 50, disse ele, e a renda tinha caído também pela metade, chegando a cerca de US$ 600 por semana, dos quais o Lyft subtrai o valor do aluguel do carro.

A pandemia do coronavírus está expondo a frágil situação dos trabalhadores da "economia dos bicos" - motoristas do Uber e do Lyft, entregadores de comida e operários do TaskRabbit que estão por trás dos aplicativos que oferecem a conveniência como serviço. São trabalhadores que têm poucas proteções como garantia salarial, licença médica remunerada e assistência médica.

As empresas da economia dos bicos promovem a si mesmas dizendo oferecer oportunidades de trabalho flexíveis que podem ser a salvação de muitos em períodos de declínio econômico, mas entrevistas com 20 motoristas e entregadores na Europa e nos Estados Unidos mostram que a realidade desses serviços é muito diferente disso.

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Trabalhadores da economia dos bicos, como Giovanni Marra, entregador de comida na Itália, se disseram assustados, mas continuaram trabalhando. Foto: Alessandro Grassani para The New York Times

“Eles não têm nenhum tipo de proteção social”, disse o senador democrata Mark Warner, da Virgínia, que propôs leis federais para estender benefícios aos 15 milhões de americanos que dependem de empregos da economia dos bicos como sua principal fonte de renda. “Um grande grupo de trabalhadores será abandonado à própria sorte.”

Nas semanas mais recentes, algumas empresas da economia dos bicos ofereceram medidas básicas de licença médica e produtos como higienizadores para as mãos dos motoristas. Uber, Lyft, Instacart e DoorDash disseram que oferecerão 14 dias de trabalho pago aos funcionários que forem diagnosticados com o coronavírus e tiverem que ficar em casa.

Os trabalhadores da economia dos bicos nas áreas mais afetadas por casos do coronavírus foram também os mais atingidos. Em Milão, na Itália, Giovanni Marra, de 57 anos, disse ter medo, mas continua entregando comida para o Just Eat, um dos aplicativos de entregas que teve permissão para seguir operando na Itália. “Essa é minha única fonte de renda. Tenho aluguel e contas a pagar no fim do mês", disse ele. 

A empresa britânica Just Eat disse em comunicado que estava seguindo as orientações do governo e das autoridades de saúde, introduzindo a opção de “entregas sem contato", nas quais os entregadores deixam a comida no endereço sem ter contato com o cliente. Outras empresas estão fazendo o mesmo.

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De volta a São Francisco, Maldonado disse também estar preocupado com o pagamento das contas. Logo Maldonado começou a apresentar uma tosse seca. Teve medo de ter contraído o vírus, mas não queria parar de trabalhar. “Tenho que pagar a hipoteca", disse ele em mensagem de texto. “Não vou conseguir.” No dia seguinte, Maldonado estava novamente no estacionamento do aeroporto, esperando. Horas se passaram e nenhum passageiro apareceu. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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