THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Pouco depois das 21h, um silêncio notável desceu sobre a van cheia de atletas suados que estavam correndo e dirigindo por 13 horas. Não estávamos nem na metade de nossa corrida de revezamento de cerca de 200 milhas (mais ou menos 320 Km), e o sol já estava se pondo quando pegamos nossas lanternas de cabeça e equipamentos refletivos.,
Eu sabia o pensamento que estava na mente de todos: “Nós nos inscrevemos para fazer isso?”
Esta não era uma corrida de estrada típica ou um revezamento típico. Existem alguns revezamentos de maratona, nos quais os corredores se revezam cobrindo 26,2 milhas (cerca de 42 Km). E há alguns encontros de pista aberta em que os corredores podem retornar aos seus dias de glória nos 4x400 metros ou como parte de uma equipe de cross-country.
Mas é preciso um tipo especial de corredor excêntrico para se inscrever em corridas de revezamento de longa distância, compostas por equipes de seis a 12 corredores, uma ou duas vans por equipe e muita logística.
Eu era um deles em 12 de agosto, quando corri meu terceiro Ragnar Relay, este de Minneapolis a Duluth, Minnesota. Juntei-me a um grupo eclético de atletas: alguns milhares de corredores que tiraram uma folga do trabalho para dormir pouco, dirigir e correr muito.
Os corredores se revezam cobrindo trechos de corrida que variam de 3 a 13 milhas (cerca de 5 a 20 Km). Se você não está correndo, está dirigindo uma van, comendo ou tentando descansar - ou balançando um chocalho pela janela da van para torcer pelos outros times. Quando for a sua vez de correr, sua van o deixa em um ponto de troca onde seu companheiro de equipe passa o bastão (neste caso, uma pulseira). A corrida continua durante a noite até que os corredores alcancem a linha de chegada, o que leva mais de 24 horas para a maioria das equipes.
Essas corridas de revezamento só cresceram em popularidade desde que o Hood to Coast Relay - que se autodenomina a “mãe de todos os revezamentos” - foi fundado em 1982 com oito equipes. A corrida, que se estende de Mount Hood a Seaside, no Oregon, tem uma lista de espera anual de 40.000 pessoas desde o início dos anos 2000. O evento deste ano, marcado para sexta-feira, contará com 19.000 participantes e 3.600 voluntários.
“As corridas de revezamento são inerentemente diferentes”, disse Dan Floyd, diretor de operações da série Hood to Coast Race. “É uma abordagem de equipe em vez de uma abordagem individual.”
A camaradagem atrai uma gama diversificada de pessoas: atletas que sentem saudades das corridas de revezamento de seus dias de ensino médio; alunos atuais do ensino médio que estão treinando para a temporada de cross-country de uma nova maneira; e pais que passam tempo longe dos filhos para dormir ainda menos.
Alguns corredores usavam camisetas da Maratona de Chicago e viseiras do Ironman. Outros exibiam tênis Nike Vaporfly ou um chapéu de galinha. São atletas que decoram suas vans com nomes de equipes tais como: “Chafed Up Beyond All Recognition”, “Worst Pace Scenario” e “Black Velvet Toenails”. Há equipes que montam planilhas organizacionais com um ano de antecedência e equipes cujos membros raspam os pelos do peito no formato do logotipo do Ragnar.
Ao competir em um evento tão extenuante, há uma linha tênue entre “Isso é terrível” e “Vamos fazer de novo”, disse Amber Sadlier, diretora sênior de corrida de Ragnar. Grande parte da motivação vem das equipes.
“São pessoas que valorizam as relações humanas”, disse Sadlier. “Olha, você poderia estar em um cruzeiro ou na Disney, mas em vez disso você pega o dinheiro e o coloca em Ragnar.” (Além da taxa de inscrição somam-se as despesas de uma van, gasolina, alimentação, hotéis e voos)
Quando o sol começou a nascer em uma zona de revezamento mais distante ao longo da rota, ouvi uma mulher vestindo uma jaqueta da Maratona de Boston de 2022 dizer: “Esqueci dessa parte: sem dormir!” Observei homens enrolados em sacos de dormir, desesperados para ficarem na horizontal por alguns minutos antes que seus companheiros de equipe se aproximassem para uma passagem de bastão. Logo, atordoada, me vi seguindo um time vestindo rosa choque, carregando uma bandeira e vuvuzelas, e ostentando tatuagens com o logotipo do Ragnar.
“Somos meio famosos por Ragnar”, disse Angela Voth sobre a equipe que ela e seu marido, Justin, começaram em 2012. Eles são os Bacon Slayers, um grupo de familiares e amigos que se inscreveram para uma corrida como um item de sua lista de desejos e completaram 20 corridas Ragnar juntos desde então. A série Ragnar agora tem mais de 30 revezamentos nos Estados Unidos e na África do Sul.
Enquanto desejava sorte a eles, olhei mais de perto o formato de guidão do bigode de seu companheiro de equipe. “Esse é o logotipo do Ragnar?” Eu perguntei. “Obviamente”, responderam em uníssono.
Os Bacon Slayers são uma das muitas equipes que fazem do revezamento de longa distância uma tradição. Muitas equipes do Hood to Coast competem desde os primeiros anos da corrida. Muitos participantes do Ragnar viajam juntos pelo país para experimentar diferentes trajetos. E muitos se inscrevem de novo e de novo, mesmo que pretendessem que sua primeira corrida fosse “a única e finalizada”.
“Isso é dinheiro de férias”, disse Sadlier. “E é muito dinheiro, e é difícil, e são 2 da manhã e alguém está resmungando, alguém está sangrando e então há esse ‘Por que eu fui fazer isso?’ e então você chega ao dia seguinte.”
As primeiras horas da manhã da corrida foram um borrão. Depois de ser estimulada pelos Bacon Slayers, desmaiei na van, apenas para ser acordada pelo pedido de um companheiro de equipe. Uma de nossas corredoras estava lidando com uma dor no joelho. Eu poderia correr o trecho dela?
Claro, eu disse, em um estado semiconsciente. Alguns segundos ou alguns minutos depois - é difícil dizer - fui despertada novamente e gentilmente empurrada para fora da van para correr.
Onde eu estava? O que estava acontecendo? Qual o comprimento deste trecho?
Prendi a marca do grupo no short e tropecei na zona de revezamento com os dois sapatos amarrados e um olho aberto.
Nós nos inscrevemos para fazer isso. E eu, junto com todos os outros, ainda estava sorrindo. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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