THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A mulher idosa pediu para ouvir uma história.
“Uma excelente escolha”, respondeu o pequeno robô, reclinado como um professor despreocupado sobre a mesa da sala de aula, instruindo-a a ouvir com atenção.
Ela se inclinou, a testa enrugada quase tocando a cabeça lisa de plástico.
“Era uma vez”, o robô começou uma breve história e, quando terminou, perguntou a ela qual era o trabalho do protagonista.
“Pastor”, Bona Poli, 85 anos, respondeu gentilmente.
O robô não ouviu muito bem. Ela se levantou da cadeira e falou mais alto.
“Pas-tor!” ela gritou.
“Fantástico”, disse o robô, gesticulando desajeitadamente. “Você tem uma excelente memória.”
A cena pode ter o distópico tom “o que poderia dar errado?” de uma ficção científica em um momento em que tanto a promessa quanto os perigos da inteligência artificial estão ficando mais claros. Mas para os cuidadores exaustos em um encontro recente em Carpi, uma bela cidade na região mais inovadora da Itália para cuidados com idosos, isso apontou para um futuro bem-vindo e não muito distante, quando humanoides podem ajudar famílias cada vez menores a compartilhar o fardo de manter a população mais idosa do mundo ocidental estimulada, ativa e saudável.
“Agache e alongue”, disse o robô francês Nao, levantando-se e conduzindo exercícios de postura. “Vamos mover nossos braços e levantá-los bem alto.”
A maioria das mulheres na sala observava - algumas entretidas, outras cautelosas, mas todas loucas para saber como a nova tecnologia poderia ajudá-las a cuidar de seus parentes idosos.
Juntas, elas ouviram a voz calma e automatizada do robô e ofereceram feedback do mundo real em um grupo focal organizado por uma equipe de advocacy sem fins lucrativos que representa os chamados cuidadores familiares. O objetivo era ajudar os programadores do robô a projetar uma máquina mais atraente e útil que um dia pudesse aliviar a carga das famílias italianas cada vez mais sobrecarregadas.
A Itália, que tem uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa, está se preparando para um boom populacional de idosos. Mais de 7 milhões dos quase 60 milhões de italianos já têm mais de 75 anos. E 3,8 milhões não são considerados autossuficientes. Doenças como demência e doenças crônicas pesam sobre o sistema de saúde e sobre as famílias.
“A revolução”, disse Olimpia Pino, professora de psicologia da Universidade de Parma, que concebeu o projeto do robô, seria se um “robô social pudesse ajudar com esses cuidados”.
Avanços na inteligência artificial só tornariam os robôs mais responsivos, disse ela, mantendo os idosos autossuficientes por mais tempo e proporcionando mais alívio aos cuidadores.
“Todos nós temos que procurar todas as soluções possíveis - neste caso, tecnológicas”, disse Loredana Ligabue, presidente do Not Only Elderly, o grupo de advocacy que representa os cuidadores, aos participantes. “Vimos o grande medo de ficar sozinho.”
Os robôs já estão interagindo com os idosos no Japão e têm sido usados em asilos nos Estados Unidos. Mas na Itália, o protótipo é a mais recente tentativa de recriar um eco da estrutura familiar tradicional que mantém os italianos idosos em casa.
A Itália da imaginação popular, onde famílias multigeracionais se aglomeram ao redor da mesa no domingo e vivem felizes sob o mesmo teto, está sendo fustigada por grandes ventos demográficos.
As baixas taxas de natalidade e a fuga de muitos jovens adultos em busca de oportunidades econômicas no exterior exauriram os postos de possíveis cuidadores. Os que ficam sobrecarregados com os cuidados geralmente são mulheres, o que as retira da força de trabalho, prejudicando a economia e, dizem os especialistas, diminuindo ainda mais as taxas de natalidade.
No entanto, o cuidado domiciliar continua sendo fundamental para a noção de envelhecimento em um país onde existem lares de idosos, mas os italianos preferem encontrar maneiras de manter seus idosos em casa.
Durante décadas, a Itália evitou uma reforma séria de seu setor de cuidados de longo prazo, preenchendo a lacuna com trabalhadores residentes baratos e muitas vezes informais, muitos da Europa Oriental pós-soviética - e especialmente da Ucrânia.
“Esse é o pilar dos cuidados de longo prazo neste país”, disse Giovanni Lamura, diretor do principal centro de pesquisa socioeconômica da Itália sobre o envelhecimento. “Sem isso, todo o sistema entraria em colapso.”
Em janeiro, os sindicatos que representam legalmente os Badanti, como esses trabalhadores são chamados aqui, conseguiram um aumento salarial que acrescentou cerca de 145 euros, ou mais de US$ 150, por mês para cuidados domiciliares. Os italianos em dificuldades dizem que seus contracheques e benefícios de pensão não acompanharam o ritmo, forçando muitos a se cuidarem por conta própria.
Quando se trata de cuidadores familiares, a Itália fornece há décadas benefícios do governo a uma única pessoa em uma família com alguém gravemente doente. No final deste ano, a licença remunerada e outros benefícios poderão ser compartilhados em família, o que na prática significa que mais homens podem ajudar.
Em Emilia-Romagna, a região que inclui Carpi, também há planos para criar uma força de trabalho de cuidadores com experiência em cuidar de seus próprios familiares que podem, em última instância, quando seus entes queridos morrerem, serem empregados para cuidar de outras pessoas.
“Há uma demanda enorme”, disse Ligabue.
Na semana passada, a primeira-ministra Giorgia Meloni comemorou a aprovação de uma nova lei destinada a agilizar o acesso a serviços para idosos e a trazer maior envolvimento do governo no crescente campo de cuidados de longo prazo.
Mas a lei não inclui medidas específicas de apoio aos cuidadores familiares. Alessandra Locatelli, ministra da deficiência da Itália, explicou que o governo não queria priorizar os italianos que cuidavam de familiares mais velhos em detrimento daqueles que cuidavam de pessoas mais jovens com deficiência.
Ela disse que espera uma nova medida até o final do ano para fornecer isenções fiscais e outros benefícios para “cuidadores familiares residentes” para “todos os tipos de pessoas não autossuficientes”.
Mas a reunião em Carpi deixou claro que muitos italianos não moram necessariamente com os pais e avós de quem cuidam. Algumas dessas mulheres já estavam procurando ajuda que não fosse do governo - ajuda das máquinas.
Enquanto Nao, o robô francês capaz de executar posturas, fazia movimentos bruscos sobre a mesa, Leonardo Saponaro, um estudante de psicologia que dirigia o grupo focal e cujo avô sofria de demência fora de Roma, explicou que o robô não era “um substituto para socializar com outras pessoas.”
“No entanto, pode ser uma companhia”, disse ele. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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