Ator de 'Schitt's Creek' leva milhares de pessoas a estudarem a cultura indígenas do Canadá

Dan Levy decidiu que queria fazer um curso sobre a história de povos nativos de seus país e sugeriu que seus fãs fizessem o mesmo. Cerca de 64 mil pessoas se inscreveram no curso

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Por Catherine Porter

TORONTO – Antes que a série canadense Schitt's Creek arrebatasse vários prêmios Emmy e catapultasse seu criador, Dan Levy, para a estratosfera de Hollywood, ele anunciou que voltaria para a escola e queria que seus fãs se juntassem a ele. Em duas semanas, 64 mil pessoas haviam se inscrito no curso on-line de que ele estava participando, "Indigenous Canada" (Canadá Indígena) – um número maior do que a quantidade de pessoas que concluíram o programa gratuito em seus três anos de existência.

Em uma era de endosso de celebridades e "turismo voluntário", Levy apontou sua popularidade cada vez maior para abordar um assunto com o qual o Canadá luta de forma aberta – como reparar o racismo sistêmico contra os povos indígenas do país e reconstruir essas relações.

Eugene e Dan Levy (dir.) recebem o prêmio de melhor série de comédia por 'Schitt's Creek' no Emmy de 2020. Foto: Invision for the Television Academy/AP

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Porque se 2020 nos ensinou alguma coisa, é que precisamos reaprender a história de maneira ativa", explicou Levy em seu post no Instagram sobre a inscrição no curso. Criado em 2017 por professores da Universidade de Alberta, em Edmonton, o curso de 12 semanas que cobre histórias indígenas e assuntos contemporâneas no Canadá é totalmente on-line e não tem interação com o professor em tempo real.

Mas, desde que começou o curso, Levy tem transmitido via internet, todos os domingos à tarde, as reuniões de seu grupo de estudos com os professores da universidade para repassar as aulas, que cobrem temas como os mitos da criação e uma perspectiva indígena das centenas de tratados que as Primeiras Nações assinaram com o governo colonial para compartilhar terras. Toda semana, milhares de pessoas assistem às reuniões.

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"Estou aprendendo muito, vergonhosamente tarde. Mas, em última análise, essas histórias são cruciais para a identidade do nosso país", disse Levy durante a primeira discussão. Em 2015, uma Comissão de Verdade e Reconciliação divulgou um relatório histórico detalhando a horrível história do Canadá de usar escolas residenciais como armas de assimilação contra os povos indígenas.

Por mais de um século, as crianças indígenas foram separadas da família e de sua cultura e enviadas à força para essas escolas. Muitas foram abusadas física e sexualmente. Entre as muitas recomendações da Comissão, estava uma reformulação do sistema educacional do país – que até recentemente ensinava História por meio de uma lente colonialista, classificando as Primeiras Nações, os inuítes e os métis, como "espectadores, se não obstáculos, para o empreendimento" da construção nacional.

Também exigia que o currículo incorporasse a história das escolas residenciais. Isso, porém, não aconteceu em algumas partes do país. "Tenho muita curiosidade de saber quantos canadenses têm essas informações. Acho que, se mais pessoas soubessem, mais coisas seriam feitas com a raiva que sentiriam", comentou Levy durante uma recente reunião on-line sobre as escolas residenciais. O curso foi desenvolvido por Tracy Bear, professora assistente de Estudos Nativos que também leciona em uma prisão feminina. Ela chamou Levy de "um aluno médio, com conhecimento médio".

"Geralmente, conseguimos ter uma noção de como os canadenses se sentem e como pensam por meio dessas conversas", afirmou. Quando um e-mail de Levy chegou à caixa de entrada de Bear, em agosto, ela não tinha ideia de quem ele era. Tampouco seu colega Paul Gareau, um intelectual dos métis que dirige o curso on-line.

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Eles vasculharam os perfis das redes sociais de Levy e decidiram acreditar em sua palavra – de que ele queria se reeducar e encorajar outros a fazer o mesmo. A oferta veio em um momento oportuno: a universidade está eliminando cargos e fundindo departamentos em face do corte de financiamento das províncias. "Nunca temos esse tipo de cobertura em nada que fazemos. As pessoas amam Dan Levy", disse Gareau, professor assistente que não assistiu a um único episódio de Schitt's Creek".

A campanha de educação pública de Levy chega em um momento de crescente cinismo entre os ativistas indígenas sobre o compromisso do Canadá com a reconciliação, que o primeiro-ministro Justin Trudeau declarou ser fundamental para seu governo. Os ativistas apontam que o policiamento contínuo e excessivo de suas comunidades, o subfinanciamento das escolas e a falta de respeito pelos direitos do tratado de pesca e caça são uma prova amarga de que pouco mudou.

"Imagine se todos apenas honrassem os tratados, reconhecessem nossa soberania e parassem de tentar nos extinguir ativamente! Ah, isso daria muitas curtidas nas mídias sociais", tuitou Jesse Wente, radialista ojíbua e presidente da maior organização de financiamento de artes do país, a respeito do anúncio de Levy. Levy não respondeu aos pedidos de entrevista.

Filho do comediante Eugene Levy, Levy cresceu em Toronto e cursou a universidade lá; embora tenha uma casa em Los Angeles, continua chamando Toronto de sua casa. Uma noite depois que sua série obteve nove prêmios Emmy – um recorde –, ele tuitou uma selfie em frente à icônica Torre CN de Toronto, que brilhava em uma luz dourada em homenagem ao programa.

Horas antes de chegar ao único castelo de Toronto para o Emmy – a noite mais importante da carreira de Levy até agora –, ele acessou a internet para discutir a lição da semana. Usando o Zoom, as reuniões semanais parecem uma conversa íntima em uma roda de chá com os professores em casa.

Tracy Bear, professora assistente de Estudos Nativos na Universidade de Alberta em Edmonton, desenvolveu o curso 'Canadá Indígena'. Foto: Amber Bracken/The New York Times

O rosto deles está tão próximo à tela que os espectadores quase conseguem ver as linhas de uma tatuagem nehiyawak no queixo de Bear e inspecionar a foto da família a cavalo atrás da mesa de Gareau. Por mais de uma hora, eles discutem as perguntas que os colegas enviaram, enquanto riem e compartilham histórias pessoais de forma descontraída. Do outro lado do país, na casa de seus pais em Toronto, para onde voltou para enfrentar a pandemia, Levy é um ouvinte sincero, absorvendo cada lição, extrapolando a partir dela e misturando sua experiência como homossexual com sua ancestralidade judaica.

"A palavra descoberta é usada repetidamente em nosso aprendizado. Eles não descobriram um lugar. Ele era habitado. Simplesmente, chegaram e assumiram o controle", observou Levy em uma discussão sobre o comércio de peles entre as Primeiras Nações e os comerciantes coloniais. Ele repete continuamente como é grato pelas conversas semanais e se refere a elas como "minha parte favorita da semana".

Para os fãs, a experiência foi uma sessão gigantesca de conscientização. "Isso me fez ter vergonha de meu país e da minha falta de conhecimento", disse Sharon Thirkettle, artista de 70 anos de Calgary, em Alberta. Embora tenha sido a participação de Levy que a inspirou a se inscrever no curso, ela contou que prosseguiu nele por se tratar de um assunto envolvente.

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Embora alguns tenham criticado a bajulação que Levy recebeu por aprender algo que deveria fazer parte do conhecimento canadense básico, seus novos professores o veem como um aliado. Esperam criar mais quatro cursos on-line sobre racismo estrutural e estereótipos, do ponto de vista indígena.

E, dessa vez, os cursos serão pagos, explicou Bear. "Muitos estão pedindo por mais." Ela acrescentou em um e-mail: "Os fatos são estes: graças a Dan Levy, um número recorde de pessoas está se envolvendo com essa história difícil, aprendendo não apenas sobre os desafios dos povos indígenas, mas também sobre nossa resiliência e força."

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