Descubra o jardim secreto de cachoeiras e fontes termais da Dominica antes de todo mundo

A remota ilha do Caribe encanta, mas um novo aeroporto e mais turistas podem transformar a natureza selvagem do lugar

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Por Nina Burleigh (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — A trilha de caminhada até Middleham Falls, na ilha caribenha de Dominica, é coberta de folhas molhadas, pedras pretas escorregadias e degraus formados por raízes de árvores. Poderia ser uma trilha na Terra Média, protegida, sombria e verde, adequada para hobbits e fadas.

Nos locais onde a luz do sol atravessava a copa das árvores, formavam-se arco-íris na névoa, tão próximos que quase dava para tocá-los. Ao redor, beija-flores sugavam o néctar de flores enormes.

O destino naquele dia de janeiro era uma cascata florestal de 60 metros enchendo e reenchendo pequenas piscinas no fundo do vale, onde eu poderia – como se faz nas piscinas termais secretas e nas cachoeiras isoladas da Dominica – tirar a roupa, entrar na água e comungar com os beija-flores como uma rainha das fadas.

A vista do Mar do Caribe do Jungle Bay Resort em Soufriere, Dominica Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

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Com 46 quilômetros de comprimento e 25 quilômetros em sua parte mais larga, a Dominica é uma das ilhas mais selvagens do Caribe. Antiga colônia britânica, fica no leste dessa região, entre Guadalupe e Martinica.

Em parte graças à topografia acidentada, com uma cadeia de montanhas vulcânicas com picos cônicos de aparência jurássica dividindo-a ao meio, foi a última ilha do Caribe a ser colonizada pelos europeus. Muitos viajantes se hospedam na capital, Roseau.

Uma das termas de Ti Kwen Glo Cho, série de piscinas aquecidas vulcanicamente de Wotten Waven, na Dominica Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

Mesmo hoje em dia, para chegar a esse bastião tropical, escolhido pelo The New York Times como um dos 52 lugares para visitar em 2024, é preciso ter gosto pela aventura, paciência e estômago forte. Há poucos voos diretos dos Estados Unidos e a viagem não termina na hora do pouso.

Dirigir pela ilha em um carro alugado – para os locais de hospedagem, as caminhadas e o mergulho com snorkel, e para visitar especialistas locais – geralmente envolve passeios longos e enjoativos em estradas estreitas de concreto abertas pelo meio da selva montanhosa no século passado, à base de picareta, pá e carrinho de mão.

Um lugar com altos e baixos

A ilha atrai caminhantes que apreciam desafios: trilhas localizadas em praticamente qualquer lugar além da costa envolvem subidas ou descidas. O Boiling Lake, fumarola vulcânica submersa bastante popular, fica no fim de uma extenuante caminhada de três horas a partir do vilarejo de Laudat. O governo está construindo um teleférico, cuja conclusão está prevista para o fim deste ano, capaz de levar visitantes das proximidades de Laudat até o lago em apenas 15 minutos.

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Depois que o teleférico for inaugurado, os caminhantes ainda poderão escolher entre uma série de trilhas nas montanhas, incluindo a Trilha Nacional Waitukubuli, com 185 quilômetros de extensão. O percurso, cujo nome é o termo indígena para se referir à ilha, atravessa todo o território, é dividido em 14 etapas e leva seis dias para ser concluído.

Os visitantes da Middleham Falls, uma cascata de mais de 60 metros na floresta, precisam enfrentar raízes de árvores, folhas e, às vezes, pedras escorregadias no caminho Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

A Dominica, que se anuncia como a Ilha da Natureza, vem tentando proteger seu lado selvagem. A rota para Middleham Falls é uma das dezenas de trilhas de caminhada sinalizadas e não sinalizadas no Parque Nacional Morne Trois Pitons, de 6.880 hectares, que é Patrimônio Mundial da Unesco.

O governo inaugurou uma nova reserva para cachalotes em alto-mar, complementando uma reserva marinha que protege os corais e animais dos recifes. Os moradores locais também aderiram ao esforço. No último ano, Simon Walsh, administrador da Nature Island Dive, e seus colegas mergulhadores têm aplicado meticulosamente uma calafetagem de amoxicilina nos corais que apresentam sinais da doença da perda de tecido dos corais rochosos, que vem se espalhando pelo Caribe há cerca de uma década.

Meu companheiro de viagem e eu mergulhamos com snorkel no recife próximo à loja de mergulho em Bubble Beach (assim chamada por causa das pequenas bolhas de fontes vulcânicas que emergem da areia) e identificamos facilmente o medicamento branco que recobre os pontos afetados pela doença.

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Walsh tinha planos de preservar alguns espécimes do branqueamento de corais, fenômeno devastador ligado à mudança climática, transferindo-os para tanques destinados a protegê-los de outro verão com altas temperaturas da água. Mas uma trágica reviravolta nos acontecimentos colocou esse esforço em risco.

Walsh participou dos dois projetos de resgate de corais por meio de uma organização sem fins lucrativos chamada REZDM, formada depois que o furacão Maria devastou a ilha em 2017. Grande parte do financiamento da ONG veio de Daniel Langlois, filantropo canadense que construiu um resort isolado perto da cidade de Soufriére.

Em novembro passado, Langlois e seu parceiro foram assassinados, crime raro em uma ilha geralmente segura. Os suspeitos são um homem da Flórida e o proprietário americano de uma propriedade vizinha, que estava supostamente disputando com Langlois o uso de uma estrada que passava por suas terras. Walsh não sabe se os projetos vão continuar a receber financiamento.

Jardins até onde a vista alcança

A Ilha de Dominica recebe até 6.350 mm de chuva anualmente, alimentando riachos cristalinos, cachoeiras e milhares de hectares de floresta exuberante. Furacões como o Maria, de categoria 5, devastaram e reconfiguraram a ilha várias vezes ao longo dos séculos.

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Anne Jno Baptiste, 94 anos, proprietária do Papillote Wilderness Retreat, chegou à Dominica vinda de Nova York em 1961 e comprou o terreno para criar um jardim botânico Foto: Christopher H. Warren/The New York Times
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O lado positivo de toda essa precipitação é o ecossistema paradisíaco. Grande parte da ilha parece um jardim selvagem, onde flores espetaculares surgem do verde abundante por quase todo lado. Aves-do-paraíso e outras flores deslumbrantes brotam como ervas daninhas. Se você pegar e esmagar um punhado de grama alta na beira de uma estrada, dá para sentir o aroma de capim-limão.

Se arrancar uma frutinha de uma árvore, há uma chance de que seja um dos vários tipos de cereja que crescem na ilha. Além disso, há árvores carregadas de jacas de quase dez quilos, verdes, brilhantes e duras como pedra.

Fantásticos jardins particulares também cultivam muitas dessas plantas silvestres. O Jungle Bay Resort, em Soufriére, afirma ter 75 árvores frutíferas tropicais diferentes em seu jardim, número do qual duvidamos até que o proprietário, Sam Raphael, nos conduziu por uma visita de 45 minutos, enumerando as árvores e permitindo que provássemos dezenas de frutas.

Nos arredores de Roseau, a entrada para o Jardim Botânico de Dominica, que foi fundado em 1889 e abrange uma área de 16 hectares, é marcada por uma árvore cujos galhos, sem folhas quando a visitei, produzem uma flor amarela grande e fofa parecida com a peônia, chamada algodão-da-índia.

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No Retiro Selvagem Papillote, tivemos a oportunidade de passar a noite em um jardim. Situado a algumas centenas de metros abaixo da Trafalgar Falls, que é uma cachoeira dupla, o Papillote é anterior a muitos dos outros estabelecimentos ecológicos da ilha. A proprietária, Anne Jno Baptiste, veio de Nova York em 1961 e comprou o terreno, incluindo a cachoeira de 12 metros e as fontes vulcânicas fumegantes, para criar um jardim botânico.

Agora com 94 anos, ela é modesta em relação ao seu jardim e filosófica em relação aos desafios, para alguém que sobreviveu a cinco grandes furacões: “Tivemos alguns deslizamentos de terra. Como vocês veem, tudo muda. A vida é assim, a gente simplesmente se refaz”.

Trafalgar Falls, uma cachoeira dupla a algumas centenas de metros acima do Papillote Wilderness Retreat, um jardim botânico e hotel no interior selvagem de Dominica Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

O retiro é um ambiente com certo improviso charmoso, e oferece poucos quartos simples. A escada que leva a um jardim secreto serpenteia por baixo de flores alaranjadas e cor-de-rosa brilhantes e samambaias gigantes. Duas vezes por dia, descíamos e descobríamos o efeito relaxante de ficar embaixo de uma cachoeira de 12 metros de altura, depois tomávamos um longo banho em uma piscina quente.

Nossas acomodações também tinham uma banheira de água vulcânica quente, borbulhando incessantemente dentro do banheiro. A diária custou US$ 130 por noite (como em muitos lugares da ilha, pagamos em dólares americanos, que valem cerca de 2,7 dólares do Caribe Oriental, a moeda local).

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Planos ambiciosos e temores crescentes

O historiador Lennox Honychurch está entre os habitantes que se preocupam com os planos do governo de expandir e modernizar a infraestrutura turística. Como muitas ilhas do Caribe, Dominica vive um dilema entre as demandas dos habitantes endinheirados do Norte do país, que buscam acomodações de luxo e acesso aéreo mais fácil, e os ambientalistas e defensores de uma economia local sustentável e reduzida, que temem perder a parte “natural” de sua ilha.

Além do teleférico para o Boiling Lake, construtoras estão erigindo um grande e novo aeroporto internacional, a cerca de uma hora de carro da capital, que deve ficar pronto em 2027, de acordo com Samuel Johnson, CEO da International Airport Development Co. of Dominica. O governo planeja receber 500 mil visitantes de navios de cruzeiro por ano. “O sonho deles é ficar em hotéis grandes e chamativos com lobby de mármore”, disse Honychurch.

Uma piscina no Jungle Bay Resort, que afirma ter 75 tipos diferentes de árvores frutíferas tropicais no jardim Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

Denise Charles-Pemberton, ministra do turismo, não escondeu que gostaria de receber mais turistas e voos diretos, mas insistiu que o governo também está voltado para a proteção ambiental: “Queremos que nossos visitantes sejam responsáveis, que entendam que nossa intenção é ser um ótimo destino e que, quando vierem, devem respeitar a natureza”.

Por enquanto, há refeições e hospedagem de luxo disponíveis, mas nem sempre. Alguns resorts de alto padrão servem boas refeições, mas a preços que causariam espanto até mesmo em Miami ou Nova York. As melhores opções de alimentação em sabor, preço e ambiente são as barraquinhas e quiosques de beira de estrada com mesas ao ar livre.

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Em Soufriére, compramos pratos de ensopado de frango para viagem por cerca de US$ 5,90 cada no Teachers Place, que era do tamanho de um quartinho de despejo pintado de azul pastel. Comemos peixe ensopado (US$ 15) na varanda do River Rock Cafe and Bar, com uma vista impressionante do Rio Roseau, que corre pela floresta. A melhor refeição que fizemos foi um roti de frango (cerca de US$ 4,80) no Vado’s HotSpot, contêiner de carga vermelho brilhante na beira da estrada.

Um banho de poeira de estrelas

Em uma tarde chuvosa, depois de um dia de trilhas e mergulhos com snorkel, decidimos dar uma olhada nas piscinas vulcânicas de Ti Kwen Glo Cho (patois para Coin de l’Eau Chaude, ou “canto da água quente” em francês), em uma fenda ribeirinha entre duas imponentes paredes verdejantes. Por cerca de US$ 18,50 para nós dois, entramos e encontramos uma série de piscinas fumegantes revestidas de cimento, aninhadas entre palmeiras baixas, samambaias e pássaros do paraíso.

O Ti Kwen Glo Cho oferece piscinas vulcânicas revestidas de cimento aninhadas entre palmeiras, samambaias, aves do paraíso e outras plantas tropicais Foto: Christopher H. Warren/The New York Times

Nós nos juntamos a um grupo de outros visitantes estrangeiros na piscina maior, e logo estávamos todos cozinhando juntos, como uma sopa internacional, e ficamos fervendo ali até não aguentar mais. O vapor subia dos corpos vermelhos e brilhantes na borda da piscina, resfriados por pequenas gotas de chuva.

Sonolentos, extasiados, praticamente entorpecidos, permanecemos deitados enquanto o sol se punha atrás da montanha, os pássaros começavam a se agitar nas sombras e o céu escuro se enchia de estrelas. “Somos poeira de estrelas”, pensei, lembrando-me da letra da canção Woodstock, de Joni Mitchell, enquanto olhava para o céu.

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Apenas um dia depois, de volta ao inverno frio e cinzento do Nordeste americano, cercada por trânsito, fast food e caixas eletrônicos cuspindo feixes de dólares, não pude deixar de pensar naquele crepúsculo sedutor em Ti Kwen Glo Cho e terminar o verso da música: “E temos de voltar para o jardim”.

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