DogTV: um canal para cães que ficam sozinhos em casa que também quer conquistar os donos humanos

A emissora espera atingir um grande novo público de cachorrinhos que foram adotados na pandemia, mas também tenta atrair espectadores que realmente sabem operar um controle remoto

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Por Austin Considine

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os talentosos estavam começando a se deitar em meio a um dia de trabalho. As temperaturas ultrapassaram os 32 graus em uma tarde de julho na Floresta Estadual de Ramapo Mountain, no norte de Nova Jersey, e os atores estavam com calor e literalmente ofegantes. Se tivessem que atuar por muito mais tempo, o diretor poderia enfrentar um motim.

O diretor, Ron Levi, ergueu as mãos.

“Diga a eles que o sindicato exige oito horas de trabalho”, gritou ele. “Como assim, eles já terminaram?”

Adotados durante a pandemia, cães estão experimentando pela primeira vez ficar em casa sem humanos. Foto: Kyle Berger/The New York Times

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Uma história de terror ouvida em um recente comício do Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists? Não exatamente. O diretor, para começar, estava brincando. Quanto aos atores… eles não entenderam a piada mesmo.

As estrelas - Beasley, Darby, Fuji e Whidbey - estão entre os protagonistas de quatro patas da DogTV, um serviço de televisão por assinatura projetado especialmente para cachorros que ficam sozinhos em casa. Nas próximas semanas, as filmagens de Ramapo seriam recoloridas, editadas e preparadas para seus espectadores daltônicos, que se distraem facilmente e são desafiados narrativamente - otimizadas, dizem os criadores da DogTV, para envolver e acalmar um público crescente de cães entediados e ansiosos em todo o mundo.

Não foi uma visita típica a um set. Mas também foi por isso que eu estava lá: para ver, como disse meu chefe, “como a comida pra cachorro é feita” em uma rede cujo público principal não consegue operar um controle remoto. Uma coisa que eu estava aprendendo é que quando você tem membros caninos no elenco, eles - e não a equipe, nem o sindicato - no final das contas dão as ordens. Todos concordaram em encerrar a filmagem.

“Esses cães são os melhores com quem já trabalhamos e eles podem te entregar o que deseja”, disse Levi, que também é fundador da DogTV, enquanto os cães eram conduzidos por sua treinadora, Chrissy Joy, de volta à van com ar-condicionado para beber água fresca - e, presumivelmente, ganhar alguns carinhos bem merecidos na barriga.

“Mas eu entendo”, acrescentou Levi. “Está muito quente hoje e precisamos ser cuidadosos.”

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São tempos de crescimento para a DogTV. Durante o pico da pandemia de covid-19, cerca de 23 milhões de famílias adotaram animais de estimação, de acordo com uma pesquisa de 2021 da Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais - um enorme novo público em potencial a atingir.

Os americanos que trabalhavam em casa também assistiam muita TV - muitas vezes, aparentemente, com seus animais de estimação. Em resposta, a DogTV começou a oferecer vários novos vídeos direcionados a humanos, principalmente com dicas de especialistas sobre como treinar todos esses novos animais de estimação. As assinaturas de seu aplicativo de streaming cresceram cerca de 388 mil desde meados de 2020, disse a empresa. (A DogTV também está disponível através de muitos provedores a cabo e satélite.)

“As pessoas estavam em casa e começaram a nos perguntar sobre conteúdo para elas também”, disse Levi. “É como, OK, você tem um cachorro novo; o que você faz com ele?”

Agora a DogTV espera desempenhar um novo papel, à medida que mais trabalhadores regressam ao escritório e os seus novos cães, muitos dos quais nunca conheceram a vida sem um humano em casa o tempo inteiro, estão lidando com uma intensa ansiedade de separação. A rede está produzindo conteúdo personalizado para esse tipo de ansiedade - entre os cães e, cada vez mais, entre seus humanos cheios de culpa.

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A ideia de um canal de TV para cães que ficam sozinhos em casa pode ajudar os animais que sofrem de ansiedade de separação. Foto: Kyle Berger/The New York Times

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Revelação: sou um desses humanos cheios de culpa. Tornei-me assinante da DogTV por volta de 2013, como pai solteiro do meu amado vira-lata Sailor. Alguns anos depois, quando Sailor partiu para aquele grande parque para cães no céu, cancelei minha assinatura.

Quando, em 2021, meu parceiro e eu ganhamos uma nova cachorrinha chamada Evie, assinei novamente, apenas para descobrir que a DogTV havia crescido a passos largos. Às vezes, eu chegava em casa cansado do trabalho e percebia que ficava no sofá por 20 minutos assistindo DogTV. O conceito básico era o mesmo - vídeos curtos e simples, principalmente para cães - mas a criatividade e os valores de produção explodiram. Eu queria saber mais sobre este mundo que inesperadamente me descobri gostando, mesmo que tivesse dificuldade em acreditar que minha nova cachorrinha, muito indiferente, também estava gostando.

Foi quando entrei em contato com Levi.

A DogTV conta com equipes de diretores, operadores de câmera, compositores, editores e cães. Mas se a DogTV tem um único mago por trás da cortina, é Levi. Antes da DogTV, ele trabalhou na TV humana em Israel, inclusive como escritor da versão daquele país para “The Amazing Race”. Ele não sente falta. “Isso é totalmente melhor porque o cachorro é realmente o diretor”, ele me disse. “Ele também te ensina a ser um pouco mais modesto.”

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Durante uma sessão de edição em um estúdio de Manhattan em agosto, Levi, que também é diretor de conteúdo, reconheceu que adaptou o conteúdo nos últimos anos para atrair mais os humanos. Isso não acontecia apenas com os novos vídeos de “Tips & Tricks” ou com reality shows como “Farm Girl”, estrelado por Joy e seus cachorros. Assim como um bom programa infantil deve ser tolerável, se não agradável, para os adultos, a TV para cachorros deve se curvar a uma verdade simples: os telespectadores primários não são aqueles que desembolsam US$ 9,99 por mês.

Diante disso, o equilíbrio ideal de Levi é que os vídeos atraiam 80% dos cães e 20% dos humanos. Os efeitos sonoros dos brinquedos estridentes são para os cães. As filmagens na Sicília, Itália - essas coisas são para os humanos.

Quando se trata dos fãs bípedes do canal, aparentemente não estou sozinho. O ator Billy Bob Thornton descreveu assistir DogTV com sua filha e dois Cavalier King Charles spaniels como “uma espécie de momento Zen” durante uma participação no “Live With Kelly” em 2016. E embora eu nunca tenha assistido enquanto participava de certas formas de relaxamento herbáceo, há amplas evidências nas redes sociais indicando que alguns assinantes da DogTV o fazem.

Estudo descobriu que os cães assistiam visivelmente à DogTV cerca de 14% do tempo em que ela estava ligada, mais do que assistiram ao Animal Planet e significativamente mais do que assistiram à CNN. Foto: Kyle Berger/The New York Times

Afinal, para quem era a DogTV?

Responder a essa pergunta consistia, em parte, em considerar se os cães tiram muito proveito disso. Guagliardo disse que a DogTV ajudou consideravelmente seus cães quando começou a deixá-los sozinhos em casa pela primeira vez desde o início da pandemia, ao retomar os compromissos presenciais. Ele sabia disso, disse ele, porque muitas vezes chega em casa e encontra “um presente” no chão se acidentalmente os deixa em casa sem o programa.

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Kate Senkier, de Nashville, Tennessee, disse que seus dois cães, Piper e Puddles, sendo que o último ela adquiriu imediatamente após o início da pandemia, começaram como fãs devotos de “Gilmore Girls” antes de descobrirem a DogTV. Agora, sempre que ela sobe para trabalhar, ela disse, eles “sentam no sofá, olham para mim e esperam que eu ligue a TV”.

Eu observei Evie assistindo DogTV e às vezes ela parece se importar. Normalmente, não sei dizer. Em um estudo encomendado pela DogTV, Nicholas Dodman, professor emérito de comportamento animal na Universidade Tufts, perto de Boston, descobriu que os cães assistiam visivelmente à DogTV cerca de 14% do tempo em que ela estava ligada. Isso foi mais do que assistiram ao Animal Planet e significativamente mais do que assistiram à CNN. (Felizmente, também não são os cães que pagam pelo jornalismo.)

Mas a CNN forneceu talvez a melhor analogia para a maneira como Dodman pensava que os cães poderiam vivenciar a DogTV. Em geral, os cães compreendem o seu mundo principalmente pelo cheiro, depois pelo som e depois pela visão. Não está claro até que ponto os cães apenas ouvem a DogTV, disse Dodman, mas seria lógico dizer que sim, assim como os humanos ouvem a TV em segundo plano.

“Se estivermos com a CNN ligada enquanto preparamos o café da manhã - você sabe, você está ocupado com a frigideira e outras coisas - e então alguém disser: ‘Vai haver um terremoto’”, disse ele, você poderia de repente olhar e prestar atenção. Os cães, ele raciocinou, poderiam estar fazendo o mesmo. Talvez eles estejam sempre meio atentos.

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Isso fazia muito sentido. Eu só não tinha certeza do que isso dizia sobre seres humanos como eu e Billy Bob Thornton, que ficam tão totalmente absorvidos. / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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