PUBLICIDADE

Dubai da Maconha? Cidade do Novo México vira destino de texanos atrás de cannabis legal

Sunland Park entrou na lista de cidades americanas transformadas pelas leis estaduais de cannabis, mas os bons tempos podem não durar para sempre

PUBLICIDADE

Por J. David Goodman

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — SUNLAND PARK, NOVO MÉXICO — Isolada no desértico vale do Rio Grande, no Novo México, a cidade de Sunland Park oferecia poucas atrações a seus cerca de 17 mil habitantes. Nenhum supermercado. Poucas lojas. Pouco a oferecer a quem não se interessava pelo casino ou por uma caminhada até a gigantesca cruz do Cristo Del Rey que se ergue sobre uma montanha perto dali.

Mas, para os texanos que vivem em El Paso, logo depois da divisa do estado, Sunland Park recentemente virou um destino habitual. O motivo: maconha.

Carros com placas do Texas lotam os muitos dispensários de cannabis – um com drive-thru, outro com descontos na “Terça-feira do Texas” – que surgiram desde que o Novo México legalizou as vendas recreativas, em 2022.

No Texas, a maconha recreativa ainda é ilegal.

Para os texanos que moram em El Paso, logo após a divisa estadual, Sunland Park tornou-se recentemente um destino regular devido aos muitos dispensários de maconha da cidade Foto: Erin Schaff/The New York Times

PUBLICIDADE

Quase da noite para o dia, a legalização no Novo México levou Sunland Park, cidade-dormitório de zona industrial envelhecida contra uma paisagem de rocha e areia, para o topo das cidades do boom da maconha no país – muitas das quais surgiram nas fronteiras de estados com leis bem diferentes. Alguns moradores começaram a chamá-la de Dubai da maconha, disse o prefeito, por causa dos novos investimentos; outros a chamam de Pequena Amsterdam.

“Foi uma explosão”, disse Teresa Rios, 58 anos, que vive em Sunland Park há duas décadas e lamentou a velocidade da transformação – que acabou fechando o local onde costumava fazer as unhas. “Gostaria de ver uma loja bacana, uma farmácia, um posto de gasolina perto da minha casa. Em vez disso, só vemos maconha”.

Os dispensários ocuparam lojas vazias, shoppings desertos e velhos armazéns e concessionárias de automóveis em ruínas. As placas anunciam ainda mais dispensários chegando “em breve” para se juntar aos 16 já ativos na cidade, de acordo com registros estaduais. Balões verdes oferecendo “Maconha” em letras garrafais dançam na beira da estrada.

Publicidade

Há 16 dispensários ativos em Sunland Park, e mais devem surgir em breve Foto: Erin Schaff/The New York Times

Em todo o Novo México, somente Albuquerque, cidade muitas vezes maior, vende mais maconha recreativa do que Sunland Park, que teve quase US$ 4 milhões em vendas só em novembro. Mas Sunland Park tem o Texas – e, em particular, El Paso, cidade de quase 700 mil habitantes, logo depois da divisa do estado.

“El Paso é maior que Albuquerque”, disse Miguel Martinez, explicando porque ele e seus sócios decidiram abrir o dispensário Besos em Sunland Park e anunciar em um outdoor perto de um centro comercial de El Paso.

“É claro que tem um problema para os texanos: as pessoas sempre chegam e perguntam: ‘Isso é legal no Texas?’ De jeito nenhum”, disse Martinez, ao lado de uma vitrine de cannabis verde disposta em cubos de plástico transparente, perto de telas oferecendo descontos para texanos. “Mas é claro que não tenho como controlar o que as pessoas fazem fora da loja”, acrescentou ele.

PUBLICIDADE

Como é uma cidade na fronteira com o México, Sunland Park é o tipo de lugar onde as políticas definidas por legisladores distantes ficam bem visíveis – e não apenas as relativas à maconha.

Recentemente, o governador do Texas, Greg Abbott, fez com que as tropas da Guarda Nacional do estado colocassem arame farpado ao longo da fronteira internacional com o México, em um esforço para conter os migrantes que tentavam atravessar ilegalmente. Depois, ele estendeu a cerca à divisa estatal entre o Texas e o Novo México, cujo governador democrata manifestou preocupação com o elevado número de travessias e vem tentando proteger os direitos das crianças migrantes.

O muro de fronteira que divide o México e Sunland Park Foto: Erin Schaff/The New York Times

Nicolás Hernández, 43 anos, morador de El Paso que estava ajudando um amigo a reformar uma propriedade em Sunland Park, certa tarde semanas atrás, disse que tinha desaparecido a preocupação sobre como a polícia do Texas reagiria aos texanos que trazem maconha do Novo México para casa. “Todos os meus amigos ficaram super paranoicos na primeira vez”, disse ele. “Mas, na segunda ou terceira vez, eles nem pensaram mais”.

Cidades com situação semelhante viram suas economias ligadas à maconha prosperarem, entre elas lugares como Ontário, Oregon, na divisa com Idaho. Por outro lado, a legalização do Novo México prejudicou o negócio da maconha em lugares como Trinidad, Colorado, que vinha atraindo clientes transfronteiriços vindos do Novo México e de Oklahoma.

Publicidade

As oportunidades estão diminuindo: em novembro do ano passado, Ohio votou para adotar um programa de vendas legais de maconha para fins recreativos. Com isso, a maioria dos americanos em breve vai viver em estados onde a cannabis pode ser comprada legalmente.

“São situações temporárias”, disse Aaron Smith, CEO da Associação Nacional da Indústria de Cannabis.

Alguns dispensários oferecem descontos para moradores do Texas Foto: Erin Schaff/The New York Times

Ainda assim, com o Texas não mostrando sinais de avançar rumo à legalização, novos dispensários continuam abrindo em Sunland Park.

Em um deles, os trabalhadores davam os retoques finais naquele que seria o primeiro local de consumo legal da cidade – semelhante ao que é comumente encontrado na verdadeira Amsterdã, nos Países Baixos – para que os texanos pudessem ficar e fumar. Segundo a legislação atual, consumir maconha em público ou em carros é ilegal no Novo México.

Por enquanto, a maioria dos texanos só dá meia-volta e vai para casa. “A parte do turismo recreativo ainda não fez sucesso”, disse Robert Ardovino, proprietário de um restaurante local, que também oferece trailers espartanos da década de 1950 para pernoites nas montanhas, sob as estrelas do deserto. Ele também estava pensando em abrir um dispensário e, quem sabe, um dia, um local para consumo.

O novo boom pelo menos significou mais receitas fiscais – cerca de 1,3 milhões de dólares neste ano fiscal; o orçamento da cidade é de cerca de 12 milhões – fluindo para o governo municipal.

Um trabalhador da construção civil no local que servirá como drive-through para o Old Gods Dispensary (Dispensário Deuses Antigos) Foto: Erin Schaff/The New York Times

Em um passeio por Sunland Park semanas atrás, Mario Juarez-Infante, o administrador municipal, passou por um lugar onde havia terra e pedras empilhadas na beira da rua. “Estamos refazendo esse parque. Está vazio há vinte anos”, disse ele. Apontando para outro local próximo, ele disse: “A Prefeitura está indo para aquele prédio”.

Publicidade

Mas as autoridades disseram que outros fatores também influenciaram o crescimento da cidade, como um novo pátio ferroviário a norte da cidade e a expansão de El Paso para oeste.

“A cannabis é só uma pequena parte de uma visão muito maior”, disse o prefeito, Javier Perea, que nasceu em Sunland Park e ainda mora na casa onde passou a infância.

A cidade há muito tempo abriga um aspecto do comércio de drogas que precedeu a legalização da maconha, disseram as autoridades: o contrabando de drogas ilícitas e também de migrantes. Grande parte disso se centrava no bairro de Anapra, uma área baixa e apertada ao longo do Rio Grande com um histórico de inundações e crimes.

“Era bem ruim”, disse Blasa Zapata, 36 anos, que cresceu em Anapra e trabalha como gerente na filial da Ultra Health, uma grande rede de dispensários de maconha. Muitas das pessoas que ela conheceu na juventude tiveram vidas difíceis, disse ela. “Metade morreu, a outra metade está na cadeia”, disse ela.

“A gente comprava e fumava maconha mexicana, hoje trabalhamos com cannabis”, disse Jesus Muñoz, colega de trabalho no dispensário. “Nunca imaginei uma coisa dessas”.

Um funcionário pendura maconha para secar como parte do processo de colheita no dispensário Field of Dreams (Campo dos Sonhos) Foto: Erin Schaff/The New York Times

Agora há sinais de desenvolvimento até mesmo no bairro de Anapra, com investidores vindo de El Paso. Hernández estava trabalhando para ajudar seu amigo Michael Birkelbach a transformar uma casa térrea em ruínas em uma pequena destilaria de sotol, bebida semelhante à tequila derivada de uma planta do deserto. “Todo mundo pergunta: ‘É um dispensário?’”, disse Birkelbach. “E eu digo, ‘Não, uma destilaria’”.

Mas ele disse que estava localizado logo depois da fronteira, em Sunland Park, pela mesma razão pela qual as empresas de maconha se estabeleceram lá. As regras para distribuição de bebidas produzidas localmente, disse ele, eram mais favoráveis no Novo México.

Publicidade

E ainda dá ver o Texas do outro lado da rua.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.