Crise do turismo em Dublin revela estragos do Airbnb nos mercados de aluguel

Com a pandemia, o número de anúncios de longo prazo aumentou na capital irlandesa, o que trouxe certo alívio para um mercado apertado para os locatários, ainda que o efeito não vá durar

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Por Anna Joyce

O moderno apartamento de um quarto em Dublin tinha ampla sala de estar, varanda ensolarada, painéis solares, grande espaço de armazenamento e estacionamento para dois carros. A localização era ideal, assim como o preço: cerca de US$ 1.800 por mês - US$ 300 a menos do que o inquilino anterior vinha pagando.

Numa cidade onde as filas para ver imóveis para alugar dão a volta no quarteirão, os novos inquilinos mal podiam acreditar na sorte que tinham dado.

Os preços dos alugueis em Dublin aumentaram vertiginosamente nos últimos anos. Foto: Ruth Connolly/The New York Times

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“Nunca que a gente ia conseguir um lugar destes”, disse Aoife Brannigan, 25 anos, sobre os meses de buscas infrutíferas que ela e seu parceiro, Shaun Gribben, também 25, haviam sofrido antes de pôr os pés no apartamento. “Não ia rolar se isso não tivesse acontecido. Nós nos beneficiamos muito com a situação, totalmente”.

O “isso” a que ela se referia era o coronavírus, que arrepiou o até então frenético mercado imobiliário da Irlanda, particularmente as listas de ofertas do Airbnb, que foram atingidas pelo colapso do turismo. Essa crise, junto com um êxodo de estrangeiros deixando Dublin por causa da pandemia, criou um aumento na disponibilidade de imóveis para aluguel na capital irlandesa - uma mudança que ressalta como a presença do Airbnb continua influenciando os preços das habitações em cidades populares.

Para Dublin, a mudança aliviou uma crise que nos últimos anos fez os aluguéis dispararem e deixou muitas pessoas com dificuldades para conseguir um lugar onde morar. A situação estava tão preocupante que, em fevereiro, eleitores em busca de moradias populares e mais direitos para os inquilinos provocaram várias ondas de choque nas eleições nacionais ao expulsar os partidos tradicionais do governo.

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Gribben contou que o casal começou as buscas para valer no início do ano: “Eu me lembro de que todos dias olhava uns sessenta imóveis - e, quando tudo isso começou, esse número dobrou, literalmente”.

Durante anos, as casas alugadas no Airbnb para estadias de curto prazo drenaram a oferta do mercado de aluguel da área de Dublin, passando de cerca de 1.700 anúncios de casas inteiras em 2016 para mais de 4.500 este ano, pouco antes da crise do coronavírus, de acordo com o Inside Airbnb, um site que rastreia listas de anúncios em cidades de todo o mundo.

Mas, durante a pandemia, essa tendência se inverteu e as ofertas caíram para cerca de 3.900 em agosto, uma mudança aparentemente pequena que teve um efeito descomunal. De maio a julho, os anúncios para aluguel de longa duração na cidade ficaram quase 50% acima das ofertas do mesmo período do ano passado - um aumento de mais de 1 mil casas para aluguel - apesar de uma queda de 1,5% no resto do país, de acordo com um relatório de Ronan Lyons, professor assistente de economia no Trinity College Dublin, para o site imobiliário irlandês Daft.ie.

Como operam com aluguéis de curto prazo, as ofertas do Airbnb podem inundar o mercado de aluguel de uma maneira que os aluguéis de longo prazo não conseguem.

“Em condições normais, o mercado de Dublin poderia facilmente absorver 3 mil propriedades sem pestanejar”, disse Lyons numa entrevista. Sobre o recente aumento nas ofertas, ele disse: “É bastante em comparação com o que já aconteceu. Significa um suprimento adicional de cerca de 1 mês e meio - e num momento em que as pessoas não estão se mudando para a cidade”.

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Aoife Brannigan e Shaun Gribben na casa em Dublin que eles alugaram durante a pandemia. Foto: Ruth Connolly/The New York Times

O governo irlandês tentou esfriar o mercado do Airbnb no ano passado, introduzindo regulamentos para passar os aluguéis de curto prazo de áreas com aluguéis em disparada de volta para o mercado de longo prazo. Mas, sem um método eficaz de fiscalização, o esforço foi, em grande medida, infrutífero.

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Um porta-voz do Airbnb contestou os dados do Inside Airbnb, dizendo que a maioria dos anfitriões de todo o mundo planeja alugar suas unidades em níveis pré-pandêmicos assim que o coronavírus recuar. E acrescentou que as reservas em grandes cidades europeias havia se recuperado recentemente.

A empresa disse num comunicado na semana passada: “Há tantas ofertas de casas inteiras no Airbnb da Irlanda hoje quanto havia antes da pandemia. As viagens pelo Airbnb geraram cerca de 800 milhões de euros em atividades econômicas para a Irlanda somente em 2019, e os anfitriões estão muito focados em ajudar suas comunidades locais a se reerguerem e em promover uma recuperação segura do turismo”.

A casa própria foi objeto de intenso debate nacional durante os anos de ascensão do "Tigre Celta" na Irlanda, nos anos 1990 e início de 2000. Mas a crise financeira de 2008 destruiu a economia do país e interrompeu a fervilhante indústria de construção habitacional. A economia irlandesa se recuperou gradualmente, mas os preços da habitação dispararam, deixando a casa própria fora do alcance da maioria das pessoas e as encurralando num mercado de aluguel já apertado.

Aí veio a pandemia, que trouxe consigo um lockdown nacional no primeiro semestre, uma queda de 6,1% na produção econômica no segundo trimestre e uma taxa de desemprego que, em agosto, atingiu 15,4%.

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E, embora alguns trabalhadores tenham saído das áreas urbanas por causa das práticas de trabalho em casa e alguns estrangeiros tenham voltado para seus países de origem durante a pandemia, os especialistas atribuem muito do aumento abrupto nas ofertas de aluguéis de longo prazo de Dublin à queda nas listas do Airbnb.

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A evidência, dizem eles, é que a disponibilidade aumentou nas regiões da cidade onde se concentravam as ofertas de curto prazo - algo que não aconteceu de maneira uniforme na cidade ou no resto do país.

A mudança foi mais pronunciada no centro de Dublin, onde os proprietários de imóveis de investimento estão abandonando o mercado de curto prazo. Jim Cryan, empresário aposentado, passou seu anúncio no Airbnb para o mercado de aluguel de longo prazo no final de março. A casa geminada de quatro quartos foi alugada em duas semanas e meia.

Cryan aceitou alugar por uma taxa mensal de cerca de US$ 3.900, metade do que ele poderia esperar quando o mercado do Airbnb estava fervilhando. Mesmo assim, duvida que retornará ao mercado de curto prazo.

“Você tem que usar o bom senso”, disse ele. “É como se você tivesse investido numa ação e ela quebrasse, você fica meio relutante em voltar e se queimar duas vezes”.

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Isso não quer dizer que o retorno de anúncios do Airbnb para o mercado de aluguel resolverá a crise imobiliária de Dublin.

“A escassez de imóveis para aluguel está, no mínimo, na faixa de 50 mil, provavelmente mais perto de 70 ou 80 mil, com base nas tendências das últimas duas décadas”, disse Lyons, o professor de economia.

“Minha preocupação”, acrescentou ele, “seria um político olhar para isso e dizer, ‘Ah, problema resolvido: o Airbnb entrou em colapso, o mercado europeu entrou em colapso, estamos com todos esses imóveis de aluguel, missão cumprida”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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