THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - O pai de Billy Crudup, Thomas Henry Crudup III, estava envolvido em jogatina, negociatas, agiotagem ocasional e apostas questionáveis. Às vezes, no caminho para o treino de futebol de fim de semana do filho, ele parava o carro no acostamento da estrada e vendia carne de caranguejo que trazia no porta-malas. Vendia chapéus guarda-chuva listrados de vermelho e branco, aditivos de café, pôsteres de Farrah Fawcett, caixas de gelo infláveis. “Que não flutuavam”, esclareceu o jovem Crudup em uma videochamada em uma tarde em janeiro.
Com duas décadas e meia trabalhando como ator, este Crudup, de 54 anos, vive uma vida um pouco mais convencional, regida por uma ética profissional rigorosa. Os riscos que assume são basicamente artísticos. Assistir aos seus primeiros filmes - A Bela do Palco, Prova de Fogo e Quase Famosos entre eles - é ver um ator fazendo escolhas audaciosas, executadas com profundo sentimento e controle meticuloso.
Ele é um jogador indiferente. (O ator Hank Azaria, amigo de pôquer, confirmou isso: Crudup, o ator que muitas vezes parece inescrutável, aparentemente não sabe blefar no jogo.) Mas toda a sua carreira tem sido uma espécie de aposta, um jogo duradouro. Embora tenha aparência de astro de cinema, apostou que isso não duraria, de modo que os papéis que aceitou, muitas vezes coadjuvantes, mas com características fortes, destinavam-se a garantir a longevidade ao demonstrar aptidão e versatilidade.
De certa forma, ele perdeu essa aposta. Quando eu lhe disse isso, reagiu muito bem. “Obrigado. É muita niacina e beterraba.” (Niacina e beterraba? “Foram as duas primeiras coisas que me vieram à cabeça”, disse.)
Mas valeu a pena: na casa dos 50 anos, está desfrutando um dos melhores papéis de sua vida. Desde 2019, interpreta Cory Ellison, executivo de notícias com sangue-frio na série da Apple TV + The Morning Show. Agora, adicionou Jack Billings, malandro cheio de lábia que lidera a equipe de vendas de um timeshare na Lua em Olá, Amanhã!, outro programa da Apple TV +, que estreou no último dia 17 de fevereiro na plataforma.
Evangelista, vendedor contumaz, Jack faz Crudup se lembrar de seu pai, que morreu em 2005. “Os caixeiros-viajantes são semelhantes aos jogadores, sempre apostando nas probabilidades, sempre contando com uma grande vitória. Fico mais próximo do meu pai interpretando uma versão dele.”
Há duas narrativas que pessoas como eu tendem a ter em relação a Crudup: a de que a fama sempre lhe escapou e a de que nunca a quis mesmo. Ele reconhece que ambas são de certa forma verdadeiras. Não evitou grandes produções (por exemplo, Watchmen), desde que pudesse interpretar personagens com falhas e traumas.
Mas, embora atuar seja meio como vender, Crudup sempre resistiu a vender a si mesmo. Durante anos, usou as próprias roupas nas premiações. Quando possível, evitava o circuito dos talk shows. Tentou manter sua vida pessoal privada. (“Billy Crudup tem uma vida pessoal?”, brincou sua amiga e coestrela em The Morning Show, Jennifer Aniston.) Há uma ou duas décadas, ele teria se submetido a uma entrevista como esta apenas por obrigação contratual e sofrendo para concedê-la. Um redator do The New York Times, que o entrevistou em 2004, escreveu: “Ele protege sua vida privada como se fosse uma instalação nuclear na Coreia do Norte.”
O fato de se esquivar faz parte dessa sua aposta, a de que uma persona pública dificultaria a criação de personagens. “Eu pensava que, quanto mais as pessoas soubessem sobre mim, mais difícil seria convencê-las de que eu era outra pessoa. Evitar a publicidade era um mecanismo de proteção.”
Ele está sempre trabalhando, mas na década de 2010 se tornou menos visível. Em filmes como Jackie, Mulheres do Século 20 e Spotlight: Segredos Revelados, incorporou de tal maneira os personagens que nem parecia estar atuando. Era fácil admirar suas atuações sem pensar muito nelas. Isso mudou com Harry Clarke, peça off-Broadway de 2017 sobre um vigarista pansexual. A peça tem uma dúzia de papéis. Crudup interpretou todos eles.
Os caixeiros-viajantes são semelhantes aos jogadores, sempre apostando nas probabilidades, sempre contando com uma grande vitória. Fico mais próximo do meu pai interpretando uma versão dele.
Billy Crudup, ator que interpreta um vendedor em 'Olá, Amanhã!', série da Apple TV+
Leigh Silverman, que dirigiu a peça, ficou surpresa com o sofrimento de Crudup durante os ensaios. Em seus filmes, ele faz tudo parecer muito fácil. “Seu sofrimento e o fato de ele continuar a aparecer todo dia me cativaram”, afirmou a diretora em entrevista. Mas, ao longo das pré-estreias, Crudup passou a sofrer menos, entregando-se aos vários papéis, alternando fluentemente entre eles.
Para quem assistia a ele sozinho no palco, seu alcance e sua capacidade eram irrefutáveis, bem como seu carisma. “Ele mantém você a distância e pede que se aproxime, o que é muito sexy”, observou Silverman.
Uma das espectadoras foi Aniston, que imediatamente procurou sua parceira de produção, Kristin Hahn, para dizer que Crudup tinha de estar em The Morning Show. Cory tinha sido originalmente concebido como um vilão de 30 anos. Mas, quando Crudup foi a Los Angeles para se encontrar com Kerry Ehrin, a responsável original pela série, ela rapidamente se convenceu: “Billy tem uma intensidade e uma energia certas para o personagem.”
Cory é firme em sua determinação de vencer o jogo da audiência. Mas há uma volatilidade nele, uma imprevisibilidade. The Morning Show, assim como Harry Clarke antes, permite que Crudup viva nas contradições que o tornaram um artista emocionante: sua ousadia e sua precisão, seu entusiasmo infantil aliado a uma frieza que beira a opacidade. Crudup gosta dessas tensões. Seus colegas de elenco também. “É elétrico. Toda vez penso: ‘O que vai acontecer agora?’”, disse Aniston a respeito de contracenar com Crudup.
Essa eletricidade impressionou Amit Bhalla e Lucas Jansen, criadores e showrunners de Olá, Amanhã!. Situado em um mundo retrofuturista em que os hovercrafts, ou aerobarcos, estão por todo lado e viajar à Lua é algo comum, a série se concentra em um grupo de vendedores que oferece propriedades lunares em um empreendimento chamado Brightside. São liderados pelo Jack de Crudup, que atua no projeto com zelo missionário. Outros atores mostraram interesse no papel. Eles viam Jack como alguém encantador, cuidadoso. Jansen se lembrou da opinião de Crudup: “Ele comentou: ‘Ah, esse cara não é um vendedor; é um padre.’”
A verdade sobre essas propriedades lunares não é mencionada durante grande parte da temporada. O importante é que Jack acredita nelas, e sua crença é tão inabalável e sincera que chega a inspirar quem está ao seu redor. “Jack acredita piamente que dar a alguém um pouco de esperança durante o dia é uma mercadoria que vale a pena valorizar”, explicou Crudup.
Algumas das coisas que fazem de Jack um bom vendedor são sua energia, sua flexibilidade e suas habilidades superlativas com as pessoas, qualidades que o pai de Crudup compartilhava. Também estão entre as habilidades que fazem de Crudup um grande ator. Como um ator, Jack está vendendo uma história. Ele acredita no sonho para que os outros possam acreditar também.
“Um bom vendedor acredita de fato no que está dizendo”, ensinou Crudup. E ele tem essa crença. É por isso que pode dizer uma frase como “O caos é a nova cocaína” em The Morning Show com absoluta convicção. É por isso que seu Jack pode sugerir intimidade, mesmo cercado por autômatos gerados por computador. “Às vezes, dar às pessoas um novo sonho pode fazer toda a diferença”, diz Jack. E, na boca de Crudup, isso parece quase plausível.
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