GLASGOW - Tony Nugent permaneceu sóbrio por quase sete anos antes de ter uma recaída. Ele descobriu que a heroína, já cruel com os jovens, tolera ainda menos a idade. Nugent usava a droga intermitentemente desde os 19 anos, mas teve uma overdose na primeira vez que voltou a se injetar. Teve outras três overdoses desde o ano passado.
“Quase morri quatro vezes", disse Nugent, que logo completará 43 anos. “Conforme fico mais velho, a recuperação é cada vez mais difícil.” Ainda assim, ele se considera sortudo, especialmente considerando que vive naquela que é chamada agora de “capital mundial das mortes decorrentes de drogas".
No ano passado foram 1.187 mortes ligadas às drogas na Escócia, um recorde e um aumento de 27% em relação ao ano anterior. Boa parte do problema está ligada aos usuários mais velhos de opioides. “Vemos doenças ligadas ao envelhecimento em homens de meia idade com longo histórico de uso de drogas", disse Carole Hunter, principal farmacêutica dos Serviços para Viciados de Glasgow. “Aquilo que o corpo tolera aos 18 anos pode ser demais aos 38 anos ou 48 anos.”
As mortes decorrentes das drogas não são novidade na Escócia. Mais de duas décadas atrás, a difícil vida dos viciados de Edimburgo foi tema de um romance transformado no filme Trainspotting. Há quase 60 mil usuários de drogas na Escócia que consomem cotidianamente opioides e benzodiazepínicos. Muitos sofrem também de problemas de saúde físicos e mentais. Nugent é um deles. Recebeu tratamento para trombose venosa profunda, hepatite C e abcessos na pele. Ele disse que recentemente vinha urinando sangue.
“O quebra-cabeça é complexo", disse Andrew McAuley, pesquisador sênior em abuso de substâncias da Universidade Glasgow Caledonian. “Está na nossa história, na nossa maneira de consumir drogas, na falta de recursos e no baixo desempenho dos serviços que temos.” Os postos de troca de agulhas foram introduzidos nos anos 1980 e a naloxona, medicamento salvador contra overdoses, é usada amplamente desde 2011. Terapias com substitutos de opioides como a metadona são gratuitas, disponíveis na maioria das farmácias.
O centro de tratamento Edinburgh Access Practice tenta fazer com que as pessoas iniciem o tratamento mais cedo, enfrentando também os problemas subjacentes ao uso das drogas. Mas instalações desse tipo são raras. Para os especialistas, a Escócia precisa melhorar o acesso aos serviços já existentes, para então iniciar abordagens como centros de tratamento e assistência para usuários de heroína ou instalações para o consumo supervisionado de drogas.
“Nossos serviços atuais de tratamento contra as drogas conseguiram manter viva a população mais velha de usuários, mas chega-se a um ponto em que esse cobertor não é suficiente", disse McAuley. “Eles precisam de tratamento respiratório, tratamento para a saúde mental, precisam de ajuda com a moradia, o emprego, o bem-estar e uma série de outros pontos.”
Mas substâncias controladas como a heroína estão sob a jurisdição do governo britânico, e legisladores conservadores resistem às propostas de políticas mais progressistas para o problemas das drogas. O ministro da saúde pública da Escócia, Joe FitzPatrick, lamentou esse posicionamento. “Sei que, instintivamente, o governo britânico não quer ser visto como aprovando o uso de drogas ilegais", disse ele. “Mas as pessoas estão morrendo. Precisamos fazer algumas coisas no começo que parecem difíceis.”
A Escócia conseguiu evitar um opioide sintético e mais mortífero, fentanyl: apenas 12 das mortes no ano passado apresentavam traços da droga. Nugent disse ainda não ter visto fentanyl em Glasgow. Está mais preocupado com a chegada do “Valium das ruas", ou etizolam. “Tem gente morrendo por causa de um comprimido ruim", disse ele. O etizolam foi encontrado em quase a metade das mortes por drogas na Escócia no ano passado.
Nugent disse que não chegava perto dessa substância, mas seu melhor amigo, James Muir, é menos cuidadoso. Muir vive como sem-teto em Glasgow. Nugent planejava se internar em um centro de reabilitação no segundo semestre do ano. Ele se preocupa com o que pode acontecer com Muir. “Não sei o que será dele", disse. “Espero que alguém possa tomar conta dele como eu.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.