LOS ANGELES - Adam Nimoy contemplou a galeria de um museu repleta de cenários de Star Trek, réplicas de naves estelares, alienígenas, figurinos desbotados e adereços (pense no phaser preparado para atordoar).Os sons de uma máquina de teletransporte ecoaram pela sala. Por cima de seu ombro, havia uma parede com uma enorme fotografia de seu pai - Leonard Nimoy, que interpretou Spock na série - vestido com seu uniforme da Frota Estelar, os dedos abertos na familiar saudação vulcana "vida longa e próspera".
Mas esse gesto, observou Adam Nimoy enquanto conduzia um visitante por esta exposição no Skirball Cultural Center, era mais do que um símbolo da série de televisão que definiu a longa carreira de seu pai interpretando o Spock meio vulcano e meio humano. Ele é derivado de parte de uma bênção hebraica que Leonard Nimoy vislumbrou pela primeira vez em uma sinagoga judaica ortodoxa em Boston quando menino e trouxe para o papel.
A foto destacada daquele gesto ligando o judaísmo à cultura de Star Trek ajuda a explicar o que pode parecer uma programação altamente ilógica: a decisão do Skirball, um centro cultural judaico conhecido principalmente por suas explorações da vida e história judaicas, de trazer uma exposição dedicada a uma das séries de ficção científica mais celebradas da televisão.
Mas observando os artefatos, Adam Nimoy lembrou como seu pai, filho de judeus ucranianos que não falavam inglês quando chegaram, disse que se identificava com Spock, apontando que ele era “o único alienígena na ponte da Enterprise”.
Os valores e tradições judaicos estavam frequentemente nas mentes dos escritores da série quando eles lidavam com questões de comportamento humano e moralidade, disse David Gerrold, um escritor cujos créditos incluem The Trouble with Tribbles, um dos episódios mais aclamados de Star Trek, que apresenta à tripulação uma forma de vida alienígena fofa, peluda e que se reproduz rapidamente.
"Muita tradição judaica - muita sabedoria judaica - faz parte de Star Trek, e Star Trek se baseou em muitas coisas que estavam no Antigo Testamento e no Talmud", disse Gerrold. "Qualquer um que seja muito instruído na tradição judaica vai reconhecer muita sabedoria que Star Trek englobou."
Essa conexão não era explícita quando a série foi ao ar pela primeira vez. E um passeio pela exposição, que abrange a série de televisão original, bem como alguns dos spin-offs e filmes que passaram a fazer parte da indústria de Star Trek, traz principalmente itens que interessam aos fãs de Star Trek. Há um console de navegação da USS Enterprise, o primeiro roteiro do primeiro episódio, um disruptor Klingon de Star Trek: A Nova Geração e uma exibição de tribbles.
Até certo ponto, a escolha desta exposição em particular - Star Trek: Exploring New Worlds (Star Trek: Explorando Novos Mundos) - para ajudar a colocar o Skirball de volta à operação após o fechamento por conta da covid-19 reflete os imperativos que os museus de todos os lugares estão enfrentando enquanto tentam se recuperar de uma pandemia que foi tão prejudicial economicamente. “Hoje em dia - honestamente, especialmente após a pandemia - os museus estão procurando maneiras de fazer as pessoas entrarem pela porta”, disse Brooks Peck, que ajudou a criar a exposição para o Museu da Cultura Pop em Seattle. “Os museus estão lutando para encontrar um público e estão procurando um gancho na cultura pop.”
Parece ter funcionado. A exposição Star Trek atraiu 12.000 pessoas em seus primeiros dois meses, uma frequência grande, já que o Skirball está limitando as vendas a 25% da capacidade do espaço.
“Isso tem trazido novas pessoas, sem dúvida”, disse Sheri Bernstein, diretora do museu. “A frequência é importante por uma questão de relevância. É importante para nós trazer uma gama diversificada de pessoas.”
Jessie Kornberg, presidente do Skirball, disse que o centro foi atraído pelos paralelos entre o judaísmo e a série de televisão. “A identidade judaica de Nimoy contribuiu para um pequeno momento que se tornou um grande tema”, ela disse. “Na verdade, achamos que os valores comuns no universo de Star Trek e a crença judaica são mais poderosos do que esse simbolismo. É a ideia de um povo mais liberal e inclusivo, onde 'outro' e 'diferença' são uma força acolhedora em oposição a uma fraqueza que separa".
As interseções entre a série de televisão e o judaísmo começam com suas duas estrelas, Nimoy e William Shatner, que interpretou o capitão James T. Kirk. “Esses são dois caras icônicos no espaço sideral que são judeus”, disse Adam Nimoy. E se estende à filosofia da série, criada por Gene Roddenberry, que foi criado como batista do Sul, mas passou a se considerar um humanista, de acordo com sua biografia autorizada.
Essas conexões subjacentes são inconfundíveis para pessoas como Nimoy, 65, um diretor de televisão que é um fã devoto de Star Trek e um judeu observador: ele e seu pai costumavam ir a cerimônias em Los Angeles, e os jantares Sabbath eram uma parte regular de sua vida familiar.
Nimoy não sentiu falta de ressonâncias e ecos judaicos na exposição, que começou em outubro e vai até 20 de fevereiro. Ele parou diante de um traje usado por um Gorn, um réptil extraterrestre letal que esteve em uma luta de vida ou morte com Kirk.
“Quando ele derruba o Gorn, está prestes a matá-lo”, contou Nimoy. “O Gorn quer matar Kirk. Mas algo acontece. Em vez disso, ele mostra misericórdia e sobriedade e se recusa a matar o Gorn.
“Muito semelhante à história de José”, disse Nimoy, referindo-se à maneira como José, no livro bíblico do Gênesis, se recusou a buscar vingança contra seus irmãos por vendê-lo como escravo.
Leonard Nimoy morreu em 2015 aos 83 anos. Shatner, que tem 90 anos e recentemente se tornou a pessoa mais velha a ir ao espaço, se recusou a falar sobre a exposição. “Infelizmente, o cronograma sobrecarregado de Shatner o impede de dar entrevistas adicionais”, disse sua assistente, Kathleen Hays.
A exposição foi montada em grande parte a partir da coleção particular de Paul Allen, cofundador da Microsoft e fundador do Museu da Cultura Pop, falecido em 2018.
Peck disse que queria comemorar o aniversário da série com uma exposição que explorasse a enorme influência que o programa teve na cultura americana. “A resposta que estou oferecendo é que Star Trek resistiu e inspirou as pessoas por causa do futuro otimista que apresenta - o bom caráter de muitos de seus personagens”, disse Peck. “São personagens que as pessoas gostariam de imitar.”
“O Skirball enfrentou um desafio ao tentar explicar ao seu público como Star Trek se encaixa ao que eles fazem”, ele disse. “Felizmente deu tudo certo. Sempre achei que o Skirball desse conta. Os valores do Skirball como instituição estão alinhados com os valores de Star Trek e da comunidade Star Trek."
Bernstein, a diretora do Skirball, disse que a exposição parecia uma maneira particularmente boa de ajudar a trazer o museu de volta à vida.
“Nunca houve um momento melhor para apresentar esta exposição do que agora”, ela disse . “Gostamos muito da ideia de reabrir nosso museu trazendo uma série que inspirava esperança, que prometia diversão.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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