Explorando e conhecendo o México por meio de suas pimentas

Chiles são condimentos muito presentes na culinária mexicana e podem dizer muito sobre o país e sua história

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Por Belkis Wille

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Enquanto eu tomava um gole do mescal que Juana Amaya Hernández havia me servido, o cheiro frutado de pimenta (chile) me invadiu as narinas. Tinha sido acrescentado à bebida um chile de agua, variedade de pimenta típica de Oaxaca, sua borda mergulhada em sal de gusano caseiro, especiaria feita com vermes de agave moídos, que me fez cócegas na língua com seu sabor. “É assim que bebemos mescal no campo”, explicou Hernández.

Meus amigos e eu estávamos no pátio de um restaurante na pacata cidade de Zimatlán de Álvarez, em Oaxaca, em uma viagem de duas semanas para capturar a alma dos chiles mexicanos. Éramos os convidados de Hernández, de 67 anos, mulher robusta que usava óculos grossos, vestido colorido e brincos feitos de grãos secos de milho azul. Ex-advogada criminalista, ela havia mudado de ramo para se dedicar a seu restaurante, o Mi Tierra Linda, mergulhada nas receitas de suas avós.

Martha Soledad, cozinheira de Veracruz famosa pelo preparo de pratos da culinária tradicional mexicana, amassa pimenta jalapeño no molcajete (pilão). Foto: Adrian Wilson/The New York Times

Já eu me dedico a documentar crimes de guerra para a Human Rights Watch na Ucrânia. Mas gasto meu tempo livre lidando com comida - cozinhando, lendo sobre o assunto, assistindo a programas culinários na TV e planejando viagens em torno disso. Depois de um trabalho exaustivo na linha de frente, dedicado em tempo integral a entrevistar dezenas de vítimas dos piores abusos que as guerras fomentam, sei que posso voltar para casa em Kiev e encontrar algum alívio na cozinha, preparando pratos com amor, como Hernández faz.

O aquecimento

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Uma das minhas primeiras lembranças alimentares é um prato de macarrão chinês em uma feira de Zurique, onde cresci, e o choro causado pela ardência. Durante muito tempo, evitei comida picante. Mas, no início da casa dos 20 anos, decidi que bastava. Comecei a me forçar a comer chiles para aprender a lidar com seu sabor potente.

E, assim que me acostumei com a queimação, comecei a provar sabores emocionantes que estavam escondidos atrás do tempero: notas frutadas, azedas, amargas, fortes ou nem tanto, às vezes em etapas, às vezes todas de uma só vez.

Finalmente, consegui voltar ao México em fevereiro passado. Matriculei-me em um curso intensivo de culinária de duas semanas na La Escuela de Gastronomía Mexicana, na Cidade do México. Eu pretendia aprender um pouco de espanhol (estava começando quase do zero) e encontrar especialistas que me ajudassem a organizar minha turnê por três estados ricos em chile: Puebla, Veracruz e Oaxaca. Fiz planos de viajar com alguns amigos aventureiros, seguindo dicas de pessoas na Cidade do México e nos EUA. O Departamento de Estado aconselha a “ter muita cautela” nessas regiões por causa do risco de crime nos três estados, além do risco de sequestro em Puebla.

Um grupo de alunos prepara o venorio, cozido típico de Durango, na Escuela de Gastronomía Mexicana. Foto: Adrian Wilson/The New York Times

O poblano fugaz

Dirigimos para o sul, até o coração do país do chile, em busca de um clássico mexicano: a pimenta poblano. Em uma estufa perto de Juárez Coronaco, vilarejo a nordeste de Puebla, conhecemos Leopoldo Ramírez, de 58 anos, homem alto com um chapéu de abas largas e um cinto com cabeça de vaca de metal, e Jessica Andrade, de 42, que ajuda a administrar a cooperativa de agricultores Guardianes de Calpan. Polo, como Ramírez é conhecido, é um dos maiores produtores de poblano de Puebla - chile criado no século XVIII por monges franciscanos que cruzaram espécies locais com morrones (pimentões) da Ásia, como explicou Andrade. O resultado é um chile mais gordo e oblongo, menos picante, com sabor herbáceo.

Ramírez explicou que a poblanos “real” germina em fevereiro, mas só fica pronta para a colheita e o consumo em julho ou agosto; portanto, se você já comeu a poblano fresca fora desses dois meses, tratava-se de uma impostura. Até 80 por cento da poblano consumida no México foram cultivados na China com pesticidas, explicaram Ramírez e Andrade, resultando em chiles com pele mais grossa e sem o verdadeiro sabor de poblano, grande parte do qual vem do solo vulcânico de Puebla. A importância desse chile na região nunca é exagerada: Ramírez contou que homens armados vêm à noite, na época da colheita, para carregar caminhões com produtos roubados.

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As especialidades preparadas por Martha Soledad incluem, no sentido horário a partir da esquerda, frango em um mole de rancho, jalapeños assados, uma salsa de jalapeño assado e tortilhas polvilhadas com pó de chiltepin torrado e seco e mergulhadas em manteigaa, ou banha. Foto: Adrian Wilson/The New York Times

A preciosa chiltepin

A névoa que os moradores de Veracruz chamam de chipi-chipi baixou sobre os templos intrincadamente trabalhados e as ruínas recobertas de grama de El Tajín, que já foi uma das maiores e mais importantes cidades da Mesoamérica. Descendo um pequeno caminho a cerca de cinco minutos de distância, encontramos Martha Soledad, uma das mais renomadas cozinheiras da culinária tradicional mexicana e fundadora do Mujeres de Humo, coletivo de cozinheiras de Veracruz, à nossa espera em uma cabana de palha com cozinha.

Chiles chiltepin verdes e vermelhos, pequenos e parecidos com miçangas, destacavam-se em uma mesa em que havia ingredientes como abóbora, tomate-cereja e outros chiles, incluindo árbol e pimenta jalapeño vermelha. O chiltepin tem um tom profundo de esmeralda no início e, quando amadurecido no talo ou seco, adquire um tom vívido de vermelho como o da groselha.

As assistentes de Soledad nos mostraram como fazer tortilhas à mão. Na grelha, torraram sementes de abóbora e chiltepins secos, depois moeram ambos em um pó fino, que usaram para polvilhar as tortilhas. Por fim, derramaram uma colher de manteca derretida, ou banha, em cada tortilha. Cada bocado era a mistura perfeita da tortilha terrosa, a riqueza da manteca, o gosto das sementes de abóbora e o tempero formigante do chiltepin - capturando aquela perfeição simples buscada por tantos cozinheiros e que poucos pratos conseguem alcançar.

O manzano escaldante

Até então, eu havia suportado facilmente o ardume de quase todos os chiles que provara desde minha chegada ao México. Mas isso estava prestes a mudar.

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Coatepec, no centro de Veracruz, é a capital mexicana do café. Nós nos aquecemos com uma deliciosa xícara e uma concha quentinha, espécie de pão doce mexicano, na Panaderia el Resobado, padaria na qual o forno funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, há mais de cem anos. Mas tínhamos vindo comer um manzano recheado.

O manzano é amarelo brilhante, crocante e doce, com tons terrosos e defumados. Também pode ser um dos chiles mais picantes, comparável ao habanero. Eu nunca tinha me deparado com o manzano antes desta viagem - é impossível secá-lo por causa do alto teor de água em sua pele, de modo que fungos sempre se desenvolvem durante o processo de secagem. Isso significa que pouca gente fora do México teve o prazer de comer um deles.

As ruínas de El Taj'n, um Patrimônio Mundial da UNESCO conhecido por seus templos com terraços elaborados. Acredita-se que o local já foi uma das maiores e mais importantes cidades da Mesoamérica.  Foto: Adrian Wilson/The New York Times

No mercado de Coatepec, fomos a uma pequena barraca-restaurante ao ar livre e nos sentamos a uma mesa coberta por uma toalha de plástico vermelho da Coca-Cola. Pedimos um manzano recheado com queijo, cebola e verduras, e um jalapeño recheado e empanado.

Só consegui suportar algumas mordidas do manzano. Parecia que um incêndio florestal ardia na boca e na garganta. Tive de admitir a derrota e tomei pequenos goles de água fresca, segurando cada um na boca para apagar o fogo. Quando finalmente experimentei o jalapeño empanado, foi revelador o fato de tê-lo achado doce e nada picante.

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O inesquecível chile de água

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A lembrança do mescal com chile de agua que eu havia tomado no dia anterior ainda estava na língua enquanto navegávamos por um labirinto de estradas de terra em busca do Xhobe Humo y Sal, restaurante administrado pelo chef Juan José Valencia, de 29 anos, e sua mãe na cidade de Miahuatlán de Porfirio Díaz, em Oaxaca.

Finalmente, encontramos o grupo de edifícios em meio aos campos agrícolas, o maior deles um mar de agave, suas rosetas azuladas e acinzentadas dominando o horizonte.

Valencia nos recebeu amigavelmente e foi direto para o menu: uma salsa “bêbada”; uma salsa de pasilla; chiles de tusta em conserva; chileatole (sopa de chile e milho); e dois chiles recheados - um pasilla seco recheado com uma mistura de carne de porco, especiarias, passa, amêndoa e tomate, e o outro chile de agua fresco recheado com frango, especiarias e tomate.

Depois de várias horas na cozinha - e de Valencia nos preparando deliciosas bebidas, incluindo o tepache caseiro, bebida de abacaxi servida com cerveja e um toque de mescal -, todos nos sentamos juntos como uma família a uma longa mesa sob uma árvore no quintal. O chile de agua era vibrante e tão delicioso quanto seu aroma - doce, azedo e terroso - havia sugerido na mistura com mescal no dia anterior.

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Eu tinha vindo ao México para aprender sobre chiles e tentar colocar sua essência em uma garrafa que eu pudesse abrir na minha cozinha em Kiev. Mas, quando olhei para o campo de agave cercado por pessoas que passaram a vida entre esses chiles, percebi que a alma dessa iguaria ganha vida nessas cozinhas: é parte dessas famílias que transmitiram sua magia através de gerações.

Eu poderia comprar sacos de chiles secos, trazê-los para Kiev e preparar salsas, moles e chiles recheados exatamente como aprendi em minha jornada. Mas, sem essa magia, esses pratos nunca teriam o mesmo sabor.

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