Exposição faz revisão do olhar do músico Nick Cave para a moda

Os fantásticos trajes sonoros do artista chegam ao Guggenheim em uma retrospectiva que é assombrosa, mas calma, sem sua performance estrondosa e barulhenta

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Por Max Lakin

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em 1992, Nick Cave fez seu primeiro traje sonoro - o tipo de roupa ornamentada por que é mais conhecido. Foi sua reação ao espancamento de Rodney King por policiais de Los Angeles. Cave descreveu essa criação como “uma resposta revoltada”, um canal para a fúria e o desamparo que resultou em algo teoricamente usável e visualmente impressionante.

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A primeira roupa, com uma cobertura espinhosa de gravetos e galhos, referia-se tanto à questão racial quanto à vulnerabilidade corporal - a armadura como protesto. O fato de a relevância dos trajes sonoros ter se mantido, 30 anos depois, representa tanto um triunfo para o artista de 63 anos quanto um pesadelo que perdura. Cave criou quase 500 exemplos.

Uma versão de 2011, que consta em em Forothermore, exposição ao mesmo tempo bela e profundamente triste do trabalho de Cave no Guggenheim, ilustra como os trajes sonoros evoluíram desde então, transformando-se em seres quase autônomos. Um enorme exoesqueleto de galhos introduzidos em uma armadura de metal parece um pouco humano. Seus ombros caídos e o peso de sua cabeça descomunal lhe dão a aparência de uma criatura de Maurice Sendak: uma coisa selvagem, aterrorizante e melancólica. É como um golem, entidade da tradição judaica feita de terra, que age como protetora de uma comunidade perseguida.

A partir da esquerda, “Soundsuit 9:29” de Nick Cave (2021-2022); “Soundsuit 9:29,” (2021); “Traje de som” (2021); “Tondo” (2022), “Soundsuit” (2012); “Traje de som” (2013); e “Soundsuit 8:46,” (2021-2022) em exibição no Museu Guggenheim. Foto: Jeenah Moon/The New York Times

Cave fez várias versões com galhos, que são as exceções; os trajes sonoros tendem a ser elaboradamente adornados, abandonando o material orgânico e usando produtos de consumo, como andaimes de brinquedos perdidos ou contas, botões e flores artificiais. Ao contrário daquele primeiro traje, que visava camuflar o usuário como uma peça de equipamento tático, os trajes sonoros de Cave se tornaram tão discretos quanto uma banda de metais em um mosteiro. Alcançam níveis magistrais de extravagância, contando com constelações de globos educativos ou revestidos com uma cabeleira desgrenhada, como um Muppet selvagem que se escondeu em uma tintura de cabelo.

Os trajes sonoros são a parte mais reconhecida da obra de Cave (ele os traduziu em mosaicos na estação de metrô sob a Times Square e em quebra-cabeças de grandes dimensões) e, sem dúvida, são o atrativo aqui, mas também fazem parte de seu projeto maior e permanente, que se concentra no corpo negro americano e nas maneiras como este é desvalorizado e brutalizado.

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Com curadoria de Naomi Beckwith, a mostra é uma versão condensada que se originou este ano no Museu de Arte Contemporânea de Chicago, cidade natal de Cave. Em janeiro de 2021, o Guggenheim nomeou Beckwith curadora-chefe e vice-diretora, e ela adaptou a exposição.

Como em Chicago, Forothermore é organizada em três seções, intituladas “What It Was”, “What It Is” e “What It Shall Be” (”O que foi”, “O que é” e “O que será”), uma lente de passado-presente-futuro com a qual digerir os temas de Cave. (A exposição evita criteriosamente a palavra “afrofuturismo”, que, como um conceito curatorial, tem sido ultimamente exagerada; as tentativas de ver o futuro, como os últimos anos demonstraram, não se materializaram.)

A exposição provavelmente teria ocupado com naturalidade a rotunda do museu, mas esta atualmente está ocupada por Alex Katz. Em vez disso, divide-se entre três andares de suas galerias, com uma lógica vagamente cronológica. (“What It Was” inclui trabalhos de 1999 a 2015, período que se sobrepõe às duas seções subsequentes; por isso, não espere por uma leitura linear do desenvolvimento do trabalho de Cave.)

As seções se concentram em vários corpos da obra do artista: baixos-relevos, peças de bronze fundido e esculturas e, por fim, os trajes sonoros. Suas performances e seus trabalhos em vídeo, muitas vezes reveladores, estão basicamente ausentes, presumivelmente por falta de espaço. (Há três curtas-metragens na sala de projeção no porão do museu que valem a pena.)

Detalhe de 'Hustle Coat' (2021), um sobretudo que esconde uma túnica de bijuterias estriadas e relógios Rolex piratas. Foto: Jeenah Moon/The New York Times

Ainda assim, surgem motivos recorrentes: o olhar do artista para as coisas brilhantes, seu zelo de reciclador, sua tendência a simulacros estranhos do mundo natural. O trabalho aqui é unificado por horrores gêmeos: a miríade de opressões psicológicas que os negros americanos foram obrigados a suportar e o mar de lixo plástico descartado que ameaça nos sufocar.

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Como Kurt Schwitters, Cave se deleita com o lixo cintilante, mas as bugigangas promocionais que resgata visam rimar com a maneira como a vida nos EUA é tão prontamente descartada. Há uma consideração graciosa e ética sobre a aquisição material e uma evocação assombrosa de como o tempo se dobra sobre si mesmo - como nada se perde, nem mesmo ornamentos assustadores, se for lembrado.

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A seção do meio gira em torno das esculturas de bronze fundido e de objetos encontrados por Cave, muitas das quais exibem os próprios membros desencarnados do artista enfeitados com intrincados brocados florais. São conflituosas, às vezes de modo eloquente, como nas peças em que braços e mãos saem das paredes em gestos ambíguos, estendidos e carregando toalhas, poses que sugerem servilismo e evocam a desapropriação psíquica, como um Robert Gober, mas com menos pelos no corpo.

Em outros lugares - uma cabeça repousando sobre uma bandeira americana feita de balas de espingarda ou uma pilha de camisas kitsch com estampa de bandeira -, o efeito é óbvio. Tudo parece querer invocar a capacidade do surrealismo de dar sentido à calamidade, mas empalidece em comparação ao surrealismo diário de estar vivo neste país, o que supera a capacidade da arte de retratá-lo. Como em Platform (2018), instalação de grotescos gramofones de bronze dos quais brotam membros, grande parte da experiência da vida americana pode ser equiparada a abrir a boca para gritar e perceber que nenhum som é produzido.

Toda a moda é, no fim, uma espécie de armadura. E os trajes sonoros são, em sua essência, roupas. Em sua precisão e seu senso de drama, evocam a mão do cortesão (os trajes de galhos em particular lembram o requintado vestido de Alexander McQueen feito com as conchas de um crustáceo do Pacífico). Por mais que os trajes de Cave sugiram figuras de um folclore indeterminado - os cocares ornamentais que os acompanham, exuberantes, feitos para as celebrações de J’Ouvert e os cerimoniais nativos -, eles também se inspiram na vestimenta drag, nos figurinos usados no palco por artistas funk como George Clinton e a banda Earth, Wind & Fire, e no exagero de Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler.

Uma imagem panorâmica mostra parte de um mosaico de Nick Cave em um novo corredor de metrô em construção ligando a Times Square e a Grand Central Station em Manhattan. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times

Cave, que dirigiu uma linha de moda homônima na década de 1990, explora convincentemente o paradoxo da moda, seu desejo simultâneo de ocultação e reconhecimento, de maneiras que ungem a história cultural negra e iluminam suas ansiedades. Hustle Coat (2021), sobretudo que esconde uma túnica de bijuterias e relógios Rolex falsos, refere-se ao vendedor ambulante com o casaco cheio de quinquilharias, mas também à ideia da “opulência do gueto”, o estilo em meio à privação.

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“Golem” em hebraico pode significar “incompleto”. Os trajes sonoros de Cave são feitos para ser animados pelo corpo, por meio do qual produzem o barulho, o farfalhar e o som que lhes dá o nome. Pode ser frustrantemente anticlimático olhar para eles alinhados em uma fileira, educadamente estáticos. Eles representam um nível surpreendente de artesanato (e conservação), mas querem cumprir seu propósito: movimentar-se e fazer barulho.

A arte de Cave se volta para a performance, a comunhão pela via do ritual e do pesar compartilhado. Na sua ausência, só podemos imaginar o peso de uma peça feita de centenas de bonecos de pano e assumir a potência de seus poderes de talismã.

Atualmente, os artistas gostam de invocar a noção de alegria, desafio radical diante de tanta conspiração contra ela. O texto de parede da exposição invoca essa palavra. Mas há pouca alegria a ser encontrada. Em sua capacidade de obscurecer e recusar a identidade, os trajes sonoros propõem um modelo de futuro utópico, no qual gênero, raça e orientação sexual se tornam irrelevantes.

Enquanto isso, essas peças são figuras trágicas, preparadas para a violência, a junção das conchas prontas para absorver a dor, que inevitavelmente vem. O esforço necessário para usá-las as torna assustadoras, pelo menos insalubres para a saúde da coluna vertebral. Elas nos pedem que consideremos que tipo de país nos resta, e se é isso que é necessário para simplesmente sobreviver nele.

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