THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alexandra Auder quase nasceu no saguão do Hotel Chelsea, então um enclave boêmio movimentado na West 23rd Street de Manhattan, mas sua mãe, Viva, superestrela de Warhol, conseguiu chegar ao hospital. O porteiro que a ajudou a entrar em um táxi contou que ela disse: “Uma menina! Quero uma menina!”
Essa cena foi capturada em vídeo pelo pai de Auder, Michel Auder, cineasta francês que mantinha sua câmera funcionando dia e noite. Alexandra Auder também foi a estrela do livro de sua mãe de 1975, The Baby, que a Rolling Stone descreveu como uma versão feminina de On the Road - Pé na Estrada, porém mais bem escrito e mais engraçado.
Aos 52 anos, Auder finalmente produziu a própria versão dos acontecimentos. Seu livro de memórias Don’t Call Me Home, título inspirado em um romance de Thomas Wolfe e em uma frase de uma canção de Nico, começou como um roman à clef chamado Frogs, que foi sua tese no Bard College em Red Hook, Nova York.
Ela foi criada no caos boêmio, enquanto seus pais viviam entre sets de filmagem e locais exóticos e a casa de amigos do jet set, como Roger Vadim e Jane Fonda. Sua mãe era conhecida por suas participações nos filmes levemente pornográficos de Warhol do fim dos anos 1960 e se tornou uma queridinha dos apresentadores de talk shows. Nascida Janet Susan Mary Hoffmann, foi batizada de Viva por Paul Morrissey, diretor e fotógrafo de muitos filmes de Warhol, enquanto iam a uma festa de Shelley Winters.
Pode ter sido no The Dick Cavett Show que Viva brincou que havia adotado o nome da toalha de papel (a empresa mais tarde lhe enviou uma caixa do produto, além de um vestido rosa para sua filha). Seu belo marido era adepto do cinéma vérité extremo, com um discreto vício por heroína e uma predileção por mulheres bonitas. Ele e Viva se separaram quando Alexandra tinha cinco anos, depois do que, como escreve em seu livro de memórias, ela e sua mãe se fundiram.
Don’t Call Me Home, que foi lançado em dois de maio, é uma ode a um mundo desaparecido - o mundo selvagem e um pouco miserável do centro de Nova York nos anos 1980 - e à sua mãe carismática e temperamental. Viva dava broncas em policiais, taxistas, vizinhos, crianças malcomportadas, namorados de Auder e Stanley Bard, o gerente do Chelsea, quando ele vinha cobrar o aluguel que não tinha sido pago.
O estilo doméstico de Viva era desordenado, na melhor das hipóteses, e poderia cair no caos se não fosse controlado, de modo que Auder também aprendeu a ser uma excelente dona de casa, embora um pouco a contragosto. Quando Gaby, sua irmã, nasceu - ou seja, Gaby Hoffmann, a atriz que ficou famosa como filha de Kevin Costner em Campo dos Sonhos -, Auder, de 11 anos, tomou conta dela também, desfilando pela rua com o bebê no carrinho inglês preferido da mãe.
Atualmente, Auder vive longe de Chelsea, em uma casa centenária na Filadélfia com seu marido, Nick Nehéz, cineasta e artista que conheceu na faculdade, e seus dois filhos, Lui e Miko. Também está longe de Viva, que mora em Palm Springs, na Califórnia. Alta e magra, Auder se parece com o pai, mas sua agitação é toda de sua mãe: cômica, expressiva, muito falante.
Ela ganhou a vida como professora de ioga, embora não goste muito de ensinar e satirize sua profissão em paródias do Instagram filmadas pelo marido. O ioga foi um acidente que pagava as contas. “Eu tinha voltado para a cidade depois da faculdade e estava morando com um amigo na Ludlow Street. Estava deprimida no sofá, tentando vender meu livro.” Era sua tese de conclusão de curso, a primeira versão de uma história sobre a vida com Viva. “Eu estava tipo: ‘Mas que coisa! Não estou preparada para isso.’ Eu não sabia como conseguir um emprego. Nunca tinha feito essas coisas. Só tinha conhecido artistas estranhos. Eu poderia ter sido garçonete, mas tive essa ideia de ser uma atriz famosa ou vender esse livro sem trabalhar de fato.”
Segundo ela, o ioga a tirou do sofá. Começou a dar aulas e foi morar com Nehéz, que estava terminando a Bard. Ele construiu para ela um estúdio na vizinha Tivoli, que durante algum tempo foi o único curso de ioga na cidade, e sua carreira começou. “Pensei: ‘Vou fazer isso durante alguns anos’”, contou ela.
O livro basicamente definhava. Ela costumava andar com o manuscrito para cima e para baixo e lia passagens para o marido até que ele a fazia parar. Sua mãe também o leu e, em algum momento, começou a chamá-lo de “Mamãezinha Querida”. Auder e o marido também abordaram Viva cinematograficamente em um curta de 2004, Viva Viva, acompanhando-a enquanto se preparava para uma exposição de arte. Mas foi só em 2019, quando as sátiras de Auder sobre o ioga começaram a ser notadas, que ela pensou que poderia tentar vender o livro uma última vez.
Viva ainda não leu a versão final. Disse em uma entrevista, no entanto, que está orgulhosa de sua filha mais velha porque ela finalmente publicou o livro. Michel Auder o leu e confessou que teve de fazer uma pausa na leitura para recuperar o fôlego enquanto absorvia a experiência da filha, maravilhando-se, com um pouco de culpa, com a forma como lidou com sua infância complicada e com “sua prosa refinada e habilmente colocada no papel”.
Don’t Call Me Home tem um humor perverso e, muitas vezes, é tocante. “Sempre achei que tentar não ser como Viva nos distanciou”, escreve Auder. Um dia, em terapia familiar, como escreve, sua filha, Lui, a acusou exatamente disso. A sessão estimula uma lembrança da noite anterior à formatura de Auder na faculdade, quando Viva percorreu as ruas de Tivoli, uivando como personagem de tragédia grega enquanto Auder se escondia no armário de Nehéz. “Filhas! Se você tem uma filha, continue tentando ter um filho. As meninas vão acabar te odiando”, gritava Viva. Houve muito mais, e a performance terminou com a seguinte questão: “Jesus Cristo pediu que fosse crucificado?”
Sentada no consultório da terapeuta com a própria filha anos depois, Auder escreve: “Eu havia prometido nunca dizer coisas como essa à minha filha, mas não posso escapar dos pensamentos. Criar filhas é como uma crucificação. Cale-se, Viva.”
Auder comentou que não sabia muito bem por que havia escrito o livro de memórias. “Talvez tenha sido algum gene contador de histórias, ou o fato de saber que havia algo nitidamente idiossincrático e universal na minha vida com Viva. Eu queria descrever o amor ardente que sentia por ela e a frustração e a fúria enlouquecedoras. Com o passar do tempo, comecei a ver nossa história como uma história de amor que vai se desfazendo. Agora vejo a história como feminista. Trata-se de mulheres! Mulheres fortes, mulheres loucas, mulheres apaixonadas, mulheres em fúria, mulheres em desespero, nascimento, desejo, sexo, mães solteiras, amizades que só mulheres podem ter, mulheres tentando fazer arte e criar uma família ao mesmo tempo, mulheres tentando fazer tudo e fracassando. Mulheres... se suportando.”
Por sua vez, Hoffmann, em entrevista por telefone, resumiu o legado de sua mãe ao que esta ensinou às filhas. “Dizer a verdade de forma radical. Uma confiança incrível. Senso de justiça. A apreciação da beleza. Empatia. Irreverência. Acho que eu e minha irmã nos beneficiamos da ferocidade de Viva.”
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