Leões e leopardos do Parque Nacional Gir, em Gujarat, na Índia, em geral não conseguem conviver. “Eles competem entre si”, pelo espaço e pela comida, explicou Stotra Chakrabarti, que pesquisa o comportamento dos animais na Universidade de Minnesota. “Eles brigam continuamente.”
Mas há cerca de um ano, uma jovem leoa do parque adotou um filhote de leopardo. Passou semanas amamentando, cuidando e dando carinho ao filhote de dois meses, até que ele morreu. Ela o tratou como se fosse um dos seus dois filhotes, que tinham mais ou menos a mesma idade. Foi um caso raro de adoção de animais de espécies diferentes na selva, e o único exemplo documentado de animais que normalmente são ferozes competidores, disse Chakrabarti.
Ele e outros cientistas detalharam o caso na edição de fevereiro da revista de ecologia Ecosphere. Os autores do estudo identificaram o grupo heterogêneo em dezembro de 2018, que brincava perto de uma antílope recentemente morta. Eles acharam que a associação seria de curta duração; uma leoa da Tanzânia foi observada, certa vez, amamentando um filhote de leopardo, mas somente por um dia. “No entanto, isto continuou”, disse Chakrabarti.
Por um mês e meio, a equipe observou a mãe leoa, seus dois filhotes e o leopardo vagando pelo parque. “A leoa cuidava dele como se fosse um dos seus”, compartilhando a carne que ela caçava, disse o cientista. Os seus filhotes nascidos há pouco também eram muito receptivos, brincavam com o novo amigo de pelo pintado e ocasionalmente o seguiam trepando em árvores. Em uma fotografia, o leopardo cai sobre a cabeça de um dos irmãos adotivos, com quase o dobro do seu tamanho. “Pareciam dois grandes filhotes e o anãozinho da ninhada”, disse Chakrabarti, que estuda os leões do parque há quase sete anos.
Os leões asiáticos vivem em grupos pequenos e segregados. Depois de dar à luz, as leoas frequentemente se separam por alguns meses do restante do bando para criar os seus filhos por conta própria. Se esta espécie de família interagisse mais com outros leões adultos, o leopardo poderia ser identificado como um impostor, disse Chakrabarti. Mas nunca foram testados a este respeito.
Depois de cerca de 45 dias, a equipe encontrou o corpo do leopardo; a necropsia revelou que havia morrido provavelmente por causa de uma hérnia femural que o animal tinha de nascença. “Teria sido fantástico ver, quando o leopardo crescesse, como seria a convivência deles”, disse. “Mas isto não aconteceu”.
Antes disso, houve dois outros exemplos de adoção entre espécies na selva. Em 2004, um grupo de macacos prego pegou um mico bebê. E em 2014, uma família de golfinhos comuns adotou um filhote de baleia cabeça-de-melão. Nos três casos, uma mãe que amamentava levou um novo filhote para o bando, disse Patrízia Izar, professora adjunta da Universidade de São Paulo, que estudou a adoção do mico. Mudanças hormonais “talvez tenham facilitado a ligação com um bebê estranho”, ela explicou.
Esta adoção também ressalta as semelhanças entre filhotes de diferentes espécies de felinos, segundo Chakrabarti. Até que os animais não chegam à idade adulta, quando as diferenças sociais aparecem, leões e leopardos brincam, miam e pedem leite de maneiras semelhantes. Para esta leoa, tais aspectos comuns às duas espécies podem ter anulado as características mais de leopardo do filhote – seu cheiro, tamanho e aparência malhada. “Ele simplesmente se enturmou”, disse Chakrabarti. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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