NASSAU, BAHAMAS– Kerline Mildor escapou da destruição do furacão Dorian com seus três filhos e a roupa do corpo. Ela, que tem 33 anos, é imigrante do Haiti e morava na Ilha Grande Abaco, nas Bahamas, há 14 anos – e não tem cidadania bahamiana. Seus filhos, nascidos nas Bahamas, são apátridas, entre os milhares que estão no limbo da imigração sem a nacionalidade de nenhum dos dois países.
Eles foram enviados de avião para Nassau, onde permanecem em um abrigo na Igreja Batista Haitiana do Calvário. O futuro é incerto. “Eles nos trouxeram para cá e nos disseram que seria bom”, lembra. “A comida que dão para a gente está estragada e nós temos de dormir no chão”, relata.
As populações das Ilhas Abaco e Grand Bahama foram evacuadas depois que o Dorian matou pelo menos 50 pessoas e deixou 1.300 desaparecidos. Enquanto muitos sobreviventes chegaram à capital do país e foram abrigados na casas de amigos e parentes, mais de dois mil outros – quase todos haitianos – devem ficar em abrigos sem ter para onde ir e em uma situação legal precária. Acredita-se que muitos outros haitianos, que não confiavam em abrigos do governo, tenham morrido esperando que a tempestade passasse.
Repressão
Os haitianos são estigmatizados nas Bahamas, onde fornecem mão de obra barata na construção e nos trabalhos domésticos. Uma medida adotada em 2014, que exigia que todas as pessoas tivessem passaporte, foi considerada uma forma de repressão contra os imigrantes haitianos.
O ministro da Imigração, Elsworth Johnson, informou que o governo suspendeu as batidas policiais para fins de deportação, e que os abrigos são considerados santuários. Mas enquanto o governo ajuda os sobreviventes, a situação legal dos migrantes afetados pela tempestade não será ignorada para sempre. “Se eles não tiverem a documentação necessária, aplicaremos a lei”, afirma Johnson.
Ele acrescentou que o governo não dará asilo aos sobreviventesporque, para isto, é preciso que o indivíduo tenha provas de que está sendo perseguido. Karl Henri Chatelier, o primeiro secretário da embaixada haitianas em Nassau, disse que o seu país não tem condições de fazer exigências ao governo das Bahamas em nome de cidadãos haitianos. “Não podemos afirmar que, se permanecerem, serão perseguidos”, acrescenta Chatelier.
Xenofobia
Esther Innocent, de 13 anos, contou que as crianças de origem haitiana, como ela, nascidas nas Bahamas, mas sem direito à cidadania bahamiana, estão apavoradas com a perspectiva de serem deportadas. “É aterrorizante”, diz. “Eu nunca estive no Haiti”. A menina, que com a mãe e os irmãos gêmeos está em um abrigo, disse que percebe sinais que atribui à xenofobia da população local.
No abrigo da igreja, alguns sobreviventes da tempestade ficaram tão perturbados ao falar sobre as suas condições, que os soldados advertiram jornalistas do Times que entrevistavam pessoas,por “incitarem uma revolta”. “Acho que haitianos e bahamianos estão sendo tratados do mesmo modo: mal”, lamenta Timothy Rolle, um dos poucos bahamianos do abrigo. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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